Após o dia inteiro participando da emissão do Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF), por volta das 17h50 desta sexta-feira (27), o líder quilombola José Alberto Moreno Mendes foi assassinado com cinco tiros próximo a sua casa no quilombo Jaibara dos Rodrigues, do Território Monge Belo em Itapecuru-Mirim (MA). Segundo testemunhas, dois homens são os responsáveis por matar o quilombola e atirar contra a filha dele, que saiu sem ferimentos do ataque violento.
Conhecido como Doka, o quilombola morto tinha 47 anos e atuava como Presidente da Associação de Moradores do Quilombo Jaibara dos Rodrigues, comunidade que compõe o Território Quilombola de Monge Belo, que é localizado entre os municípios de Itapecuru-Mirim e Anajatuba (MA), composto por oito comunidades: Monge Belo, Ribeiro, Ponta Grossa, Santa Helena, Juçara, Frade, Teso das Taperas e Jaibara dos Rodrigues, tendo hoje mais de 500 famílias.
A comunidade de Doka está entre as 168 comunidades do Maranhão que são reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares (FCP), mas aguarda a titulação de seu território tradicional junto ao INCRA há mais de 20 anos. Desde então, tem se articulado e mobilizado para a garantia dos seus direitos, ameaçados fundamentalmente pela disputa com fazendeiros e posseiros que ameaçam expulsá-los de suas terras.
A liderança também fazia parte da Comissão do Território e do Conselho Quilombola da União das Comunidades Negras Rurais Quilombolas de Itapecuru-Mirim – MA, a UNICQUITA, onde sempre esteve envolvido nas articulações e na frente de luta por melhoria de vida dos quilombolas que vivem na região.
Ainda não há informações sobre a identidade dos dois suspeitos. Testemunhas contaram que os assassinos chegaram em uma motocicleta preta (modelo bros), sem placa. Um deles desceu do veículo e disparou cinco tiros contra Doka, que morreu no local. Após o crime, eles fugiram e ainda não foram encontrados
Lei garante que 50% do recurso seja destinado diretamente às comunidades mais impactadas
O município de Itapecuru Mirim, no Maranhão, aprovou a primeira lei municipal do Brasil que garante a participação direta das comunidades afetadas pela mineração na gestão do dinheiro arrecadado pela Compensação Financeira Pela Exploração Mineral (CFEM) no município.
A lei de número 1601/2023, aprovada no dia 1º de junho deste ano, cria o conselho gestor para a deliberação e controle do recurso com a participação da sociedade e garante que 50% do recurso seja destinado diretamente às comunidades mais impactadas. A utilização da transparência no processo e o investimento do poder municipal em alternativas econômicas à dependência da exploração mineral na região, também foi destacado.
Trem transportando soja sobre a Estrada de Ferro Carajás. Foto: Ingrid Barros
A elaboração dessa lei partiu da união das comunidades impactadas ao longo do Corredor Carajás em conjunto com a Justiça nos Trilhos (JnT), um trabalho que vem sendo construído por meio de reuniões, seminários estaduais e formações sobre a CFEM. A elaboração do projeto de lei contou com a assessoria do jurista Marlon Reis.
Itapecuru fica a 122 km da capital São Luís e é atravessada pela Estrada de Ferro Carajás (EFC), que possui uma extensão de 892 km e escoa o minério de ferro de Canaã dos Carajás, no Pará, onde é realizado a extração, até o porto Ponta da Madeira, em São Luís. Ao longo desse percurso, a logística da mineração impacta mais de 100 comunidades nos dois estados, trazendo violações sociais e ambientais.
Considerando que os recursos minerais como o ferro são bens finitos e a extração desses minerais trazem sérias consequências para o meio ambiente e à vida de comunidades tradicionais, a Compensação Financeira Pela Exploração Mineral (CFEM) não é simplesmente uma “compensação”, como diz o nome. Ela é, na verdade, uma obrigação das mineradoras que realizam a extração de bens da União, e devem fazer isso buscando causar o menor impacto ambiental possível, com base na lei 13.540/2017.
Até o ano de 2017, somente os municípios e estados onde eram realizados a extração dos minérios recebiam CFEM. A partir da lei 13.540/2017, os municípios e estados não minerados, mas também impactados pela logística da mineração por meio da estrada de ferro, entrepostos, siderúrgicas ou portos, como é o caso do Maranhão, passaram a receber CFEM. No entanto, apesar da lei ter sido criada em 2017, apenas em 2019 isso passou a valer.
Comunidades unidas pelo controle social
Segundo a educadora popular da Justiça nos Trilhos, Valdênia Paulino, na maioria dos municípios impactados a população sequer tem conhecimento dessa lei, ou seja, não tem conhecimento dos recursos oriundos da CFEM. Para ela, o primeiro trabalho da Justiça nos Trilhos vem sendo o de formação nas comunidades a respeito dessa lei e como a população tem direitos de melhorias de vida por meio dela.
“Nosso trabalho vem sendo o de divulgar essa lei ao dizer para as comunidades como esse recurso pode ser empregado e a necessidade de sua fiscalização. Nesse processo, a Justiça nos Trilhos tem impulsionado também as autoridades desses municípios a criarem leis que reforcem a transparência do uso e destino desse recurso, bem como a participação da sociedade civil”, esclarece Valdênia.
Desde 2021, a Justiça nos Trilhos, junto a outros parceiros, já promoveu três seminários de âmbito estadual para discutir propostas de lei com a divulgação e participação da sociedade civil no destino desse recurso. Primeiro foi no município de Açailândia, depois em Buriticupu e, por último, em maio de 2023, em Itapecuru Mirim, que impulsionou a aprovação da primeira lei municipal do Brasil com esse objetivo.
Lideranças no III Seminário Estadual da CFEM, em Itapecuru Mirim.
A lei nacional da CFEM diz que o recurso não pode ser usado para pagamento de funcionários, exceto profissionais da educação, bem como não pode ser usado para pagar dívidas do município. E recomenda, na verdade, que ao menos 20% seja empregado em alternativas econômicas à atividade da mineração. No entanto, nem sempre isso é visto na prática. Comunidades acompanhadas pela Justiça nos Trilhos relatam a falta de postos de saúde em seus territórios, bem como a ausência de saneamento básico e escolas.
“Sabemos que a maioria dos prefeitos e prefeitas têm usado o recurso para manutenção da máquina administrativa, em detrimento, claro, do direito que as comunidades mais impactadas teriam de receber esse recurso dentro das políticas públicas que poderiam beneficiar essas comunidades”, avalia Valdênia.
Foto: Ingrid Barros
O que a lei municipal estabelece
A nova lei aprovada por Itapecuru Mirim significa um avanço no entendimento sobre CFEM.
Apesar de não valer no país inteiro, por ser apenas municipal, ela estabelece mecanismos específicos que permitem na prática a participação das comunidades na gestão do recurso, algo que a lei nacional não especifica. Ainda, a lei nacional 13.540/2017 da CFEM não detalha como os recursos devem ser aplicados para criar condições sustentáveis que construam alternativas às atividades da mineração.
A lei de Itapecuru Mirim garante participação comunitária, transparência e gestão das comunidades em relação aos recursos. Inclui a minimização e mitigação dos impactos socioambientais provocados pela mineração, além da participação de pelo menos três pessoas de comunidades em um plano operacional dedicado aos assuntos da CFEM criado por várias secretarias municipais. Cria também uma Ouvidoria Municipal da CFEM, onde as pessoas podem fazer denúncias, tirar dúvidas e propor sugestões.
Segundo o jurista Marlon Reis, “a lei municipal de Itapecuru Mirim pode ser vista como uma maneira de complementar a lei nacional, estabelecendo mecanismos locais para garantir que os recursos da CFEM sejam usados de maneira que beneficie as comunidades afetadas pela mineração, permitindo a participação dessas comunidades nas decisões sobre o uso dos recursos”, explica.
Poder de escolha
Em 2021, a capital São Luís (MA), que lidera a arrecadação de CFEM no Estado, recebeu mais de 115 milhões em recursos da CFEM e, em 2022, mais de 79 milhões. Já Itapecuru Mirim, arrecadou quase 7 milhões em 2021 e quase 5 milhões em 2022. Apesar do alto valor, as comunidades não veem melhorias em seus territórios.
Segundo o educador popular Joércio Pires, do quilombo Santa Rosa dos Pretos, os impactos da Estrada de Ferro Carajás (EFC) são múltiplos: poluição sonora, do ar e morte dos igarapés, além das rachaduras nas casas por conta da passagem dos trens. Para ele, essa lei é um anseio das comunidades de poder participar diretamente desses processos e efetivar os direitos dos territórios tradicionais.
“Historicamente, os gestores é que definiam o que poderia se fazer nas comunidades, o que eles queriam fazer. Eram umas praças inacabadas, às vezes, um espaço ou uma quadra que não condizia com a necessidade desses territórios que às vezes era uma água, uma casa de farinha ou outra coisa que pudesse ser usada de forma coletiva, na própria produção dos territórios”, diz Joércio.
Segundo ele, com o projeto de lei 1601/2023, as comunidades vão poder acompanhar esse processo de chegada dos recursos, além de opinarem na efetivação das políticas públicas, garantindo autonomia e qualidade de vida às comunidades.
Confira quanto os municípios maranhenses arrecadaram de CFEM em 2022:
Pesquisa e Sistematização de Dados por João Paulo Alves da SilvaPesquisa e Sistematização de Dados por João Paulo Alves da Silva
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