Reconhecimento global destaca a trajetória de resistência de Piquiá de Baixo e o papel da JnT na luta por direitos humanos e justiça socioambiental no Maranhão
“Nos trilhos do aço, pulsa a força do povo.” Na arte de Zica Pires e Yasmin Silva, ganham forma as resistências das comunidades cortadas pela Estrada de Ferro Carajás (EFC).
A organização Justiça nos Trilhos (JnT), que há quase vinte anos atua ao lado das famílias de Piquiá de Baixo, em Açailândia (MA), foi anunciada vencedora do Prêmio Gwynne Skinner de Direitos Humanos 2025. A indicação foi feita pela Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH), e a premiação é concedida pela International Corporate Accountability Roundtable (ICAR).
A premiação reconhece a luta histórica de uma comunidade maranhense que, em meio ao barulho constante dos trens carregados de minério e ao ar contaminado pelas siderúrgicas, transformou o grito por justiça em força coletiva. Trata-se de uma resistência que atravessa décadas e agora ecoa no cenário internacional.
O Prêmio Gwynne Skinner valoriza o trabalho de organizações comprometidas com a responsabilização de grandes corporações por violações de direitos humanos. No caso da JnT, a conquista celebra, acima de tudo, a persistência de um povo que, após mais de 30 anos de sofrimento, alcançou uma vitória concreta: a construção do bairro Piquiá da Conquista. Hoje, 312 famílias reassentadas vivem em moradias dignas, afastadas da poluição mais agressiva, onde o ar já é mais respirável e a vida pode florescer com mais dignidade.
A história por trás do reconhecimento
O bairro Piquiá de Baixo ficou internacionalmente conhecido como um dos exemplos mais emblemáticos de injustiça ambiental no Brasil. Situado a 15 km da sede de Açailândia, a comunidade foi encurralada pela expansão predatória da mineração e da siderurgia. Ao redor das casas, foram instaladas siderúrgicas, a Estrada de Ferro Carajás (EFC) e um pátio logístico da Vale S.A. – tudo isso sem consulta prévia nem medidas de proteção à saúde e ao meio ambiente.
Ilustração-Memória de Piquiá de Baixo por Uriel Menezes
Durante anos, moradores conviviam com doenças respiratórias, contaminação do solo, barulho e destruição do seu modo de vida. Mas não aceitaram o silêncio como destino.
Desde 2007, com apoio da JnT, iniciaram uma luta estratégica: documentaram violações, buscaram apoio legal, fizeram denúncias internacionais e elaboraram um projeto coletivo de reassentamento. O resultado: em outubro de 2024, após um longo processo de mobilização e articulação, o novo bairro foi finalmente inaugurado.
“Este reconhecimento é resultado da luta histórica de Piquiá de Baixo e de todas as comunidades que seguem enfrentando o avanço predatório da mineração e da siderurgia. Mais do que uma homenagem à Justiça nos Trilhos, é uma celebração da capacidade dos povos de se organizarem, resistirem e conquistarem dignidade”, afirma Mikaell Carvalho, coordenador da JnT.
Entrega que simboliza conquista. Mikaell Carvalho, da Justiça nos Trilhos, entrega as chaves em Piquiá da Conquista, ao lado da ACMP. Um gesto coletivo de resistência e recomeço. Foto: Wenner Davisson
A voz de uma mulher que não se calou
Entre tantas lideranças e moradores que sustentaram a luta com coragem e teimosia, Sebastiana Costa é um nome que se destaca. Educadora, comunicadora popular e fundadora do grupo Mulheres Saudáveis de Piquiá, ela viu sua casa ser tomada pela poluição e decidiu que não seria cúmplice da destruição do lugar onde nasceu.
“Essa vitória não é só nossa, é de todo mundo que acreditou que a gente merecia viver melhor. A Justiça nos Trilhos esteve com a gente em cada passo, e hoje ver nossas famílias respirando ar limpo, nossas crianças brincando sem medo da fumaça, é a prova de que valeu a pena lutar”, diz Sebastiana.
“Nem tudo se constrói de novo.” Sebastiana Costa, agora moradora de Piquiá da Conquista, carrega em sua fala a memória viva de Piquiá de Baixo. O pertencimento persiste como ferida aberta — cicatriz de um desenvolvimento que não reparou afetos nem raízes. Foto: Yanna Duarte
Educadora Física por formação, Sebastiana segue como moradora ativa da comunidade, atualmente residindo em Piquiá da Conquista. Com mais de 19 anos de envolvimento direto em ações de defesa do território, participou de audiências públicas, encontros internacionais e iniciativas educativas, que consolidaram a força do protagonismo popular no reassentamento.
“Nunca foi só sobre casa. Sempre foi sobre o direito de viver com dignidade. A gente lutou pela vida, pela saúde, pela nossa história. E seguimos lutando”, afirma.
Um prêmio com nome e memória
O Prêmio Gwynne Skinner de Direitos Humanos homenageia a jurista e pesquisadora norte-americana que se dedicou à defesa dos direitos humanos e à responsabilização das corporações transnacionais. A escolha da Justiça nos Trilhos como vencedora de 2025 coloca o Maranhão no centro de uma agenda internacional por justiça socioambiental e reparação histórica.
Nesta edição, o comitê avaliador recebeu sete indicações de organizações e lideranças da África, Ásia e América Latina. A vitória brasileira mostra que lutas locais podem transformar políticas globais – e que comunidades invisibilizadas podem, sim, ganhar o mundo.
Justiça nos Trilhos: resistência em movimento
Com sedes em Açailândia e São Luís (MA), a Justiça nos Trilhos (JnT) é uma organização de direitos humanos e da natureza, fundada em 2007 por um coletivo de comunicadores, educadores, advogados e defensores de direitos. Surgiu como uma campanha para articular comunidades impactadas pela Estrada de Ferro Carajás (EFC) e, com o tempo, consolidou-se como uma rede e, posteriormente, como associação comprometida com a defesa dos modos de vida tradicionais, o bem viver e a denúncia das violações promovidas pelas grandes corporações do Programa Grande Carajás.
A JnT atua especialmente no acompanhamento de comunidades indígenas, quilombolas e camponesas do Maranhão e Pará, afetadas pela cadeia da mineração — que inclui ferrovias, siderúrgicas, portos e o agronegócio. Seu trabalho se organiza em quatro eixos principais: Educação Popular, Comunicação Popular, Assessoria Jurídica e Alternativas Econômicas aos grandes projetos. Também fomenta o controle social das políticas públicas e dos orçamentos governamentais, em articulação com redes, movimentos e organizações parceiras no Brasil e no exterior.
“Mãos unidas para assinar futuros.” Justiça nos Trilhos, ACMP e Caixa Econômica Federal se encontraram no mesmo propósito: garantir que cada contrato assinado fosse mais um passo rumo à conquista da moradia digna em Piquiá da Conquista. Foto: Yanna Duarte
Entre suas frentes de atuação, destacam-se a formação política, a incidência internacional, o apoio jurídico e a produção de materiais de denúncia e resistência. Desde sua origem, a JnT acompanha de forma contínua a luta da comunidade de Piquiá de Baixo, fortalecendo mobilizações, documentando violações e promovendo campanhas públicas por justiça socioambiental.
A atuação da JnT segue como referência na luta por direitos humanos e justiça socioambiental nos territórios atravessados pela lógica do extrativismo no Maranhão e na Amazônia brasileira.
Uma vitória coletiva
O prêmio internacional é dedicado às famílias de Piquiá e a todas as comunidades que continuam resistindo aos impactos da mineração no Brasil. Mais do que um troféu, é um reconhecimento de que a luta popular pode transformar ruínas em lares, fumaça em ar puro, e dor em esperança.
“O papel que carrega uma vida inteira de luta.” Francisca Sousa, a Dona Tida — presidenta da ACMP e moradora de Piquiá de Baixo — segura o contrato de sua nova casa em Piquiá da Conquista. Nas mãos dela, a conquista coletiva de um povo que nunca desistiu de sonhar com dignidade. Foto: Wenner Davisson Imagens aéreas do bairro Piquiá da Conquista. Crédito: Wenner Davisson.
“Cada parede tem o traço de uma história.” As casas de Piquiá da Conquista foram erguidas com tijolos de luta e alicerces de resistência. São fruto da caminhada incansável do povo de Piquiá de Baixo, que transformou dor em força e sonho em moradia.
“Essa conquista é um pedaço da nossa história que o mundo agora reconhece. Mas também é um aviso: a luta não terminou. Seguiremos em movimento, com os pés no chão da nossa terra e os olhos no futuro”, conclui Sebastiana Costa.
✳ Sobre a Justiça nos Trilhos (JnT)
Organização que atua no Maranhão na defesa dos direitos humanos, da natureza e dos modos de vida das comunidades afetadas pela mineração e pelo agronegócio. Saiba mais: justicanostrilhos.org
Indígenas e Quilombolas do Maranhão ampliam vozes na II Oficina de Comunicação Popular na Amazônia, reafirmando a educação midiática como ferramenta de luta e autonomia
Nasci cercada por águas doces. O Rio Tocantins corre, arrasta e nutre o meu existir. Leva histórias e traz de volta outras tantas. Sou desse movimento. A comunicação sempre pulsou em mim como correnteza, um fluxo contínuo de encontros, escuta e voz.
Foi esse fluxo que me levou a outras margens. Às do Rio Ariaú, onde senti a força ancestral da natureza. Somada às experiências e aos caminhos que percorri, ela me permitiu chegar até aqui. E foi nas vozes de mais de 20 comunicadores de diversos cantos da Amazônia que encontrei espelhos. Ali, entre tantos territórios, percebi que cada um carregava um rio dentro de si — uma história que precisava ser contada, uma luta que não podia mais ser silenciada.
No Amazônia Jungle Hotel, serenamente situado em meio à mata nativa preservada, às margens do Rio Ariaú, em Iranduba, Amazonas, fomos acolhidos. O município, banhado pelas águas do Rio Solimões, está a cerca de 35 quilômetros de Manaus.
O calor úmido, misturado ao clima chuvoso da floresta, envolvia os participantes da oficina. Entre folhas que sussurravam e os ecos dos animais que vivem livremente na mata, comunicadores indígenas e quilombolas das regiões Norte e Nordeste do Brasil se reuniram, fortalecendo suas vozes e reafirmando o direito ancestral de contar suas próprias histórias.
A força da Comunicação Popular: Unindo vozes dos povos tradicionais do Brasil
No primeiro dia, ao nos apresentarmos, cada um trazia consigo um pedaço do próprio território. Do Maranhão para o Amazonas, Railson Guajajara falou da luta dos Guardiões da Floresta contra o avanço do desmatamento e a violência nas terras indígenas. Paula Guajajara, das Guerreiras da Floresta, destacou como as mulheres indígenas vêm ocupando espaços de decisão dentro das comunidades. Mary de Jesus e Michel Ahid, da Rádio TV Quilombo, reforçaram a importância da comunicação quilombola no Maranhão como um pilar fundamental para manter vivas as tradições e garantir que suas realidades sejam vistas e ouvidas.
Territórios que falam: Cada um trazia consigo um pedaço do próprio território. Entre palavras, sotaques e memórias, formamos esse círculo de partilha e resistência.
Railson Guajajara, voluntário no coletivo Guardiões da Floresta, percebeu durante a formação como a comunicação pode ser uma ferramenta essencial na defesa do território:
Palavra que ecoa como semente na mata. Railson Guajajara, voluntário no coletivo Guardiões da Floresta, durante a visita a Rádio Sapupema.
“A gente aprendeu a usar as tecnologias para mostrar a nossa realidade e denunciar os ataques ao nosso povo. Conseguimos não só gravar vídeos, produzir podcasts e mostrar para o mundo o que está acontecendo nas nossas terras, mas também elaborar nossos conteúdos com mais estratégia. A comunicação é importante.”
As Guerreiras da Floresta também compartilharam sua trajetória na comunicação. Paula Guajajara destacou a importância da oficina para ampliar suas possibilidades de produção:
Voz de mulher que é tronco forte, raiz que se entrelaça na terra e espalha luta. Paula Guajajara, das Guerreiras da Floresta, leva sua força e sabedoria à Rádio Sapupema.
“O que achei mais importante foi a criação de podcasts. Essa é uma ferramenta que ainda não utilizamos no site das Guerreiras da Floresta. Agora, com essa formação, vamos buscar usar mais esse meio para nos comunicarmos.”
O encontro também fortaleceu a voz de comunicadores quilombolas. Mary de Jesus compartilhou como foi importante romper o medo e perceber seu potencial:
Mary de Jesus tece sua voz como quem finca os pés na terra. No encontro, rompeu o medo, atravessou silêncios e fez da palavra morada. Sua história não se apaga, ela é raiz, é vento, é para sempre.
“Existe algo mais gratificante do que contar a nossa própria história e, ao mesmo tempo, ouvir a realidade de outras pessoas que enfrentam as mesmas lutas que nós? A maior lição que tirei dessa experiência foi enfrentar o meu próprio medo. Consegui romper essa barreira, e foi muito especial estar ali, falando sobre o meu território e a nossa história.”
Já Michel Ahid ressaltou que a oficina aprimorou sua forma de planejar conteúdo:
Entre ondas sonoras e raízes ancestrais, Michel Ahid, da Rádio TV Quilombo, fortalece a comunicação como território de luta e pertencimento.
“Antes, quando cobríamos eventos, não tínhamos um roteiro pronto — só tínhamos fé e coragem. Agora, podemos planejar com antecedência o que será feito em cada evento no território. Esse encontro foi fundamental para melhorar nosso trabalho!”
Pisei o chão descalça, sem pressa, sentindo na pele as histórias guardadas.
E eu? Eu estava ali como jornalista e comunicadora popular, como parte da Justiça nos Trilhos (JnT) e apoiadora da Agência Zagaia, mas também como alguém que busca, na comunicação, um caminho para resistir às atrocidades do capital — esse grande engenho que esmaga territórios e dilacera vidas, especialmente de quem mora no aperto e na agonia urbana de São Luís, no Maranhão.
Segundo o IBGE, São Luís registrou a maior inflação do país no último ano, atingindo com mais força as populações mais vulneráveis, em especial as mulheres. Mas a violência não é apenas econômica.
Na cidade que escolhi para me fortalecer e desaguar as águas do Rio Tocantins que habitam em mim, os ventos oceânicos não dissipam mais a fumaça tóxica, e os rios, que antes eram caminhos de vida, agora deságuam no mar carregando resíduos e rastros da devastação. Nos últimos anos, a capital maranhense tem figurado entre as cidades mais poluídas do Brasil. O Movimento em Defesa da Ilha alerta que, em 2023, os índices de qualidade do ar chegaram a ficar 903 vezes acima dos limites de segurança para emissões de dióxido de enxofre e ozônio. Como aponta a reportagem da Agência Pública:
Os rios que correm pela Ilha de Upoan-Açu não encontram descanso. E aqueles que vivem aqui também não. Destaco esses dados para dizer que, após esse encontro com outras formas de existir, voltei ao centro, me resgatei e descobri que a minha sede é, de fato, a mesma missão da associação em que trabalho: fortalecer, com urgência, uma comunicação popular e insurgente no Maranhão. Uma comunicação que não surge apenas como alternativa, mas como espaço de denúncia e resistência diante das desigualdades
O encontro dos rios: Educação Midiática e conexões que fortalecem o desaguar
Mergulhando nas profundezas de cada momento do encontro e na forma como reverberou em nós, descobrimos, junto aos comunicadores de diversos territórios do Alto e Médio Rio Negro, do Xingu e de Rondônia, que comunicar é resistir. É proteger os povos e a natureza.
O que nos unia ali era mais do que a comunicação. Era o desejo de romper silêncios históricos, de levar ao mundo as vozes que, por tanto tempo, tentaram apagar. Durante a formação, Tainã Mansani, jornalista e coordenadora de projetos no IDEM, destacou a importância de eventos como esse para fortalecer a comunicação indígena e quilombola na Amazônia:
“Acredito que o principal valor está na conexão. Esses encontros reúnem pessoas e coletivos de diferentes regiões, permitindo que territórios distantes entre si — muitas vezes enfrentando problemas semelhantes — se encontrem e compartilhem experiências.”
Era exatamente isso que estávamos fazendo ali: criando pontes entre rios. Assim como as águas de diversos cursos se unem para formar uma correnteza vigorosa, nossa comunicação se fundia em um encontro que se transformava em resistência.
No coração da II Oficina de Comunicação Popular na Amazônia, entre trocas de saberes e a força da oralidade ancestral, um elemento essencial emergiu como fio condutor do encontro: a educação midiática. Não apenas como um conceito abstrato, mas como uma ferramenta concreta de resistência, autonomia e fortalecimento das narrativas indígenas e quilombolas frente às ameaças que seus territórios enfrentam diariamente.
Durante os dias de formação, ficou evidente que a comunicação popular não é apenas sobre relatar fatos, mas sobre reivindicar espaços, reconstruir histórias e garantir que as vozes dos povos tradicionais não sejam silenciadas. Mais do que nunca, a apropriação das ferramentas midiáticas se mostrou essencial para que cada comunicador presente pudesse articular estratégias para proteger e divulgar suas lutas.
Tainã Mansani destacou esse aspecto ao afirmar:
“Esse aprendizado reforça a necessidade de ampliar a comunicação entre os povos que estão sendo ameaçados. Muitas vezes, essa troca esbarra em barreiras técnicas, de infraestrutura ou de acesso à tecnologia. Essas dificuldades podem ser superadas por meio de intercâmbios e formações que promovam o compartilhamento de informações e estratégias.”
E foi exatamente isso que vivemos ali. A oficina proporcionou um espaço onde os comunicadores puderam explorar novas formas de narrativa e domínio técnico para fortalecer suas vozes. Para muitos, esse foi o primeiro contato com ferramentas como a produção de podcasts, roteirização audiovisual e planejamento de cobertura jornalística. Essas habilidades não apenas ampliam as formas de expressão, mas também potencializam a capacidade de denúncia e resistência frente às ameaças constantes que enfrentam em seus territórios.
Railson Guajajara, dos Guardiões da Floresta, expressou esse aprendizado ao perceber que, através da comunicação, é possível denunciar os ataques ao território e amplificar as vozes do seu povo. Paula Guajajara, das Guerreiras da Floresta, viu no podcast uma nova estratégia para alcançar mais pessoas e difundir a luta das mulheres indígenas. Já Michel Ahid, da Rádio TV Quilombo, encontrou no planejamento de conteúdo um caminho para aprimorar a cobertura de eventos e fortalecer a memória viva do seu território.
Outro ponto fundamental abordado foi a autonomia na comunicação. O evento não buscou impor um modelo midiático único, mas sim apresentar ferramentas que possam ser utilizadas de maneira estratégica pelos comunicadores indígenas e quilombolas. Como destacou Tainã Mansani:
“Nosso objetivo não é impor um modelo de comunicação, mas sim apresentar ferramentas que possam ser úteis aos comunicadores indígenas e quilombolas, permitindo que eles escolham de forma autônoma quais estratégias desejam adotar. É importante conhecer a comunicação hegemônica para saber usá-la quando necessário, mas sem que isso signifique apagar ou substituir as formas tradicionais de comunicação popular.”
A oficina intensiva em comunicação foi conduzida com a sabedoria e a prática de fortalecer saberes pela potente jornalista Pâmela Queiroz, criadora do Caatingueira — um podcast sobre biomas, mulheres e saberes populares, financiado pelo Instituto Serrapilheira no Camp Serrapilheira 2023 e produzido pela Rádio Unaé.
Com uma abordagem dinâmica e participativa, Pâmela incentivou os participantes a experimentarem a comunicação popular na prática, promovendo trocas entre diferentes gerações e realidades territoriais. Seu olhar sensível para os processos comunitários e sua experiência na produção de narrativas sobre saberes tradicionais foram essenciais para inspirar novas formas de comunicação comprometidas com a valorização dos territórios e de suas histórias.
A jornalista Pâmela Queiroz destacou a profundidade da experiência vivida ao longo das atividades:
Foi uma experiência transformadora para mim, tanto como pessoa quanto como profissional. Aprendi muito mais do que compartilhei, porque realmente foi um processo de transformação para minha trajetória.
Para ela, um dos pontos mais marcantes foi a forma como os participantes se entregaram à prática comunicativa, compreendendo a importância do fazer coletivo:
O envolvimento visceral deles com aquele fazer, a disposição para experimentar a comunicação na prática, sabendo o porquê estavam ali, fez toda a diferença no desenrolar da oficina.
Outro aspecto que chamou sua atenção foi a diversidade geracional dos participantes e a forma como interagiam entre si. Com idades variando entre 13 e 36 anos, os grupos mantiveram um diálogo respeitoso e horizontal, favorecendo trocas significativas:
Era incrível como todos conversavam de igual para igual e se ouviam com muito respeito. Isso foi fundamental para a interação entre os grupos, para a qualidade da produção e, sobretudo, para que compartilhassem entre si as realidades de suas comunidades e territórios, refletindo sobre como a comunicação pode impactar esses espaços.
Outras paisagens desse rio, que foi a II Oficina de Comunicadores da Amazônia, nos levaram à Rádio Sapupema, onde participamos de um programa ao vivo, sentindo na pele o pulsar da comunicação comunitária em ação, assim como a roda de conversa na sede do Instituto Witoto, uma organização liderada por mulheres indígenas que atua no fortalecimento da cultura, educação, arte, música e economia indígena. Localizado no bairro Parque das Tribos, em Manaus, o instituto nos proporcionou encontros inspiradores com as mulheres da Cozinha Boca da Mata, do Ateliê Derequine e com as mães do Jofo Nimairama – Casa de Conhecimento Ancestral, que promove a Pedagogia Murui-Muinane Witoto.
A oficina demonstrou, na prática, como é possível aliar o conhecimento das mídias tradicionais e digitais à valorização das narrativas ancestrais. Cada entrevista gravada, cada vídeo editado e cada podcast produzido ali não era apenas um exercício técnico, mas um ato político de resistência. Era o encontro entre os rios da tradição e da inovação, fluindo juntos para fortalecer territórios e reafirmar identidades.
Cada uma dessas experiências nos mostrou que comunicar é criar espaços de resistência e pertencimento. Nossos rios se encontraram, e deles brotaram novas águas, novas correntes. Seguimos fluindo.
Em breve, esse nosso desaguar de rios e criatividades múltiplas ocupará espaços e tecerá comunicações mais alinhadas aos interesses dos territórios. Aguarde!
Pela defesa do território, dos modos de vida tradicionais e da biodiversidade maranhense
No dia 26 de abril, será lançada a campanha ‘Resex Tauá-Mirim Já’, iniciativa que busca fortalecer a mobilização social e garantir o reconhecimento oficial da Reserva Extrativista (Resex) Tauá-Mirim. O território, localizado na região costeira amazônica do Maranhão, é essencial para a biodiversidade, a cultura e os modos de vida tradicionais das comunidades locais.
O evento de lançamento ocorrerá a partir das 8h, no Sindicato dos Bancários, reunindo lideranças comunitárias, movimentos sociais e apoiadores da causa ambiental para atividades culturais e debates sobre a importância da reserva.
Uma Reserva Extrativista (Resex) é mais do que uma área protegida por lei: é um espaço de vida, trabalho e resistência, onde comunidades tradicionais se sustentam por meio do extrativismo e de outras atividades como pesca, mariscagem, agricultura de subsistência e criação de pequenos animais. É exatamente esse modelo que as comunidades da zona rural de São Luís reivindicam com a decretação da Resex Tauá-Mirim.
A Resex é vital para a proteção da natureza e a conservação da biodiversidade, garantindo a segurança alimentar e o sustento das comunidades locais. Além disso, ao preservar as práticas tradicionais e os ecossistemas, a reserva contribui para o equilíbrio climático, contrapondo-se aos impactos negativos provocados pelo avanço de empreendimentos industriais e portuários na região.
Uma luta de mais de 20 anos
O processo de criação da Resex Tauá-Mirim teve início em 2003, no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (IBAMA) no Maranhão. Estudos técnicos foram favoráveis à criação da reserva e, em 2007, o pedido foi encaminhado ao Ministério do Meio Ambiente, em Brasília, onde permanece até hoje, sem a decretação oficial.
Ao longo dessas duas décadas, as comunidades têm enfrentado conflitos territoriais e resistido ao avanço do grande capital, que ameaça transformar a zona rural de São Luís em uma área industrial e portuária, ignorando sua importância ambiental e social. Em 2015, diante da demora na oficialização da reserva, foi realizada uma Assembleia Popular na comunidade do Taim, onde as comunidades autoproclamaram a Resex Tauá-Mirim e criaram um Conselho Gestor para seguir articulando a luta.
Apesar dessa autogestão, o reconhecimento legal da Resex é essencial para garantir a proteção integral do território e a conservação da biodiversidade. Como dizia Dona Maria Máxima Pires, liderança histórica da luta pelo território, “a Resex é o pulmão de São Luís”, assim como a Amazônia é para o Brasil e o mundo.
Como apoiar a campanha?
Participar das mobilizações e eventos;
Divulgar a campanha em redes sociais e outros meios;
Cobrar das autoridades o reconhecimento oficial da Resex;
Apoiar as comunidades locais na defesa do território.
A Resex Tauá-Mirim é alimento, vida, cultura. É morada de Encantados da tradição afro-indígena do Maranhão. É região costeira amazônica, rica em águas e florestas, com manguezais fundamentais para o equilíbrio ecológico e o sustento das comunidades.
O lançamento da campanha contará com atividades culturais e debates sobre a importância da reserva, reunindo lideranças comunitárias, movimentos sociais e apoiadores da causa ambiental.
Realização: Conselho Gestor da Resex Tauá-Mirim Apoio: Fundo Brasil
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