Veias Abertas da Comunicação: Juventude indígena e quilombola fortalece redes de resistência no Maranhão

Veias Abertas da Comunicação: Juventude indígena e quilombola fortalece redes de resistência no Maranhão

Entre 22 e 26 de janeiro, comunicadores e comunicadoras se encontraram em Açailândia (MA) para uma vivência criativa em comunicação popular, onde entrelaçaram sabedorias ancestrais e novas tecnologias, amplificando as vozes e as lutas dos povos tradicionais.

Troca de saberes e inspirações | Momento após a mesa de abertura com a professora e comunicadora Sarah Fontenelle, celebrando a potência da comunicação popular. Foto: Larissa Santos

Ali, onde o chão guarda histórias e o vento espalha sabedorias ancestrais, jovens comunicadores se encontraram para juntar palavras, imagens e resistências. Entre 22 e 26 de janeiro, em Açailândia (MA), a formação “Veias Abertas da América Latina: Resistência, Comunicação e Cultura” pulsou como um coração coletivo, carregando a memória dos povos originários e a força das comunidades tradicionais, caminhando juntas em direção a um futuro de luta e esperança.

O encontro reuniu jovens comunicadores e comunicadoras das aldeias da T.I. Pindaré e Caru, da UFMA Campus Imperatriz, do Quilombo Rampa, do bairro Piquiá de Baixo, da Justiça nos Trilhos (JnT) e do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmen Bascarán (CDVDH), de Açailândia (MA), todos movidos pelo mesmo propósito: fortalecer redes de resistência cultural e política. Durante cinco dias, oficinas, rodas de conversa e vivências reafirmaram a importância de contar suas próprias histórias e manter viva a memória dos territórios.

Na proposta pedagógica da ação, As Veias Abertas da América Latina, de Eduardo Galeano, não é apenas um livro, mas um grito de resistência que atravessa gerações. As palavras de Galeano encontram eco nas vozes de Edvard Dantas Cardeal, em Piquiá de Baixo; Dona Anacleta Pires, no Quilombo Santa Rosa dos Pretos; Nêgo Bispo, no Piauí, e tantos outros que resistem e inspiram em seus territórios. Foi dessa fonte que a formação bebeu, fortalecendo novas narrativas e reafirmando a comunicação como ferramenta de luta e memória.

Sem combinar, mas guiados pela força da intuição – uma tecnologia ancestral –, o encontro começou simbolicamente no dia 22 de janeiro de 2025, data que marca os 41 anos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o maior movimento social da América Latina, símbolo da luta pela terra e pela soberania alimentar.

Durante esses dias, o escritório da Justiça nos Trilhos (JnT), em Açailândia, se transformou em um espaço de troca, aprendizado e resistência. Os jovens ali reunidos transformaram memórias em movimento, indignação em criação. Usaram a arte, a comunicação e a cultura para fortalecer suas lutas e afirmar: as histórias precisam ser contadas – de dentro pra dentro.

Comunicação como território de luta

“No nosso território, a comunicação sempre existiu. Os mais velhos contam histórias nos rituais, no dia a dia da aldeia, e a gente aprende ouvindo. Agora, estamos transformando isso em fotos, vídeos, textos e áudios, sem perder a essência”, explica Genilson Guajajara, fotógrafo indígena que documenta a vida e a resistência do povo Guajajara.

Narrativas de resistência | Genilson Guajajara compartilha sua trajetória e visão durante a roda de conversa, trazendo a força da fotografia como instrumento de luta e memória.

Na programação, oficinas técnicas e criativas reafirmaram que comunicar é um ato político. Com práticas educomunicativas, os participantes exploraram narrativas visuais, produção de zines, criação de conteúdo digital e estratégias para amplificar as vozes de suas comunidades.

A mesa de abertura ficou por conta da comunicadora e professora Sarah Fontenelle Santos, que trouxe reflexões sobre “Comunicação insurgente para enfrentar o mal-agouro colonial”, conectando história, memória e resistência.

Durante sua fala, Sarah Fontenelle Santos ressaltou que a comunicação insurgente é uma ferramenta essencial para reivindicar narrativas e afirmar a existência de povos e culturas historicamente marginalizadas. Ela destacou a importância de resgatar e valorizar memórias silenciadas, transformando a comunicação em um ato de resistência e construção de futuros possíveis.

Como exemplo, trouxe como exemplo o trabalho desenvolvido pelo OcorreDiário, uma plataforma de comunicação popular e colaborativa. “Memória não é só lembrança, mas também estratégia insurgente”, afirmou, reforçando que contar a própria história é um direito é uma forma de enfrentamento às estruturas coloniais ainda vigentes.

A ideia de “ancestral futuro” atravessou toda a formação, conectando o saber dos mais velhos ao desejo de transformação das novas gerações. Além das técnicas de comunicação, o encontro abriu espaço para o compartilhamento de tradições e estratégias de resistência.

Para Paula Guajajara, integrante do grupo Guerreiras da Floresta, da T.I. Caru, a comunicação é uma ferramenta essencial na defesa do território: “Se a gente não denunciar o que está acontecendo nas aldeias, ninguém vai saber. Mas não queremos só falar de destruição. Queremos mostrar a força da nossa cultura e da nossa gente.”

Paula Guajajara compartilha a colagem criada na oficina Cartografia do Bem-Viver e da Exploração, refletindo as vivências e desafios do território. Foto: Yanna Duarte

Laboratórios Criativos: Experimentação, insurgência e o poder da Comunicação Popular

A comunicação popular sempre foi um instrumento de luta dos povos tradicionais. Raimundo Quilombola, idealizador da RádioTV Quilombo no Quilombo Rampa, reforça que essa prática existe muito antes dos meios digitais:

“A gente já se comunicava antes da internet, do rádio, do jornal. A palavra sempre foi nosso primeiro instrumento de luta. Os mais velhos contavam, a gente ouvia e repassava. Hoje, usamos as ferramentas que temos para continuar esse fio da memória. Unimos o que é nosso com a tecnologia que o capital inventou a partir do que já existia. O pau de selfie vendido no mercado é de ferro; o nosso é de madeira, colhido no território.”

Raimundo Quilombola inspira comunicadores a fortalecer a comunicação ancestral como ferramenta de resistência e memória em seus territórios.

Os laboratórios criativos foram espaços de experimentação em áudio, texto e imagem, misturando artes manuais, visuais e digitais para fortalecer narrativas insurgentes. Cada oficina e roda de conversa reafirmou que a comunicação ancestral não é coisa do passado nem uma moda passageira: é uma tecnologia viva, em constante transformação.

“Quando falamos sobre voz, não é sobre dar voz a uma comunidade, mas garantir que sua voz seja ouvida. É assumir nosso lugar de protagonistas, contar nossa própria história, expressar nossos sentimentos sem medo.”, afirma Raimundo Quilombola.

“E foi isso que trouxemos para a oficina: a certeza de que nossa realidade já é potente por si só e precisa ser mostrada do jeito que ela é.”

📌 Laboratório Criativo 1: Cartografia do Bem-Viver e da Exploração por meio dos zines

Facilitado por Lanna Luz, esse laboratório explorou a colagem e a produção de zines como forma de dar voz ao território. A oficina contou com Sebastião Costa e Angel Martins, do grupo de pesquisa LoveLabCom, da UFMA Campus Imperatriz, que traduziram com os demais jovens, em colagens, a dualidade entre o Bem-Viver e os impactos da exploração nos territórios.

A revista artesanal Zine Sibita foi referência na construção do zine coletivo que floresceu durante a formação, unindo memória, identidade e resistência.

Mãos em ação! A prática de colagem na oficina Cartografia do Bem-Viver e da Exploração por meio dos zines une a experiência da jornalista Lanna Luz, da Justiça nos Trilhos, e do grupo de pesquisa LoveLabCom.

Desse encontro nasceu o RaizZine: feito à mão e com o coração, onde colagens, desenhos e palavras expandem as vozes dos territórios, tradições e modos de vida. Misturando o artesanal e o digital, o RaizZine pulsa com a força e diversidade do Maranhão, reafirmando a cultura e a luta dos povos. O lançamento será no dia 20 de fevereiro.

📌 Laboratório Criativo 2: Fotografia e Território

Na roda de conversa “A fotografia como registro histórico da cultura Guajajara”, Genilson Guajajara compartilhou olhares profundos sobre ancestralidade e território:

“Para fotografar, é preciso pisar devagar nas folhas para não assustar o peixe.”

Olhar, experimentar, criar | O laboratório criativo de fotografia em ação, explorando novas perspectivas e formas de contar histórias através da imagem. Foto: Yanna Duarte

A prática fotográfica aconteceu em Piquiá de Baixo, comunidade que ressignifica sua história ao optar por um reassentamento longe dos impactos da siderurgia e mineração.

No dia 13 de fevereiro, será lançada a exposição on-line “Memória Visual: O que restou em Piquiá de Baixo? Queremos um Parque Ambiental aqui!”, pela Agência Zagaia e Justiça nos Trilhos.

📌 Laboratório Criativo 3: Escrita e Comunicação Digital

A jornalista Tainã Mansani conduziu a oficina “Do tema aos textos”, abordando técnicas de escrita para diversas plataformas. Os textos produzidos serão publicados e farão parte do RaizZine.

A jornalista Tainã Mansani apresenta estratégias para construir notícias, reportagens e narrativas alinhadas à realidade e às lutas dos territórios.

📌 Laboratório Criativo 4: Comunicação Ancestral e Produção Audiovisual

A experiência da Rádio e TV Quilombo Rampa, compartilhada por Raimundo Quilombola, trouxe à tona saberes ancestrais aplicados à comunicação popular.

O encerramento contou com a oficina “Como produzir vídeos com o celular”, documentando o ato público liderado por mulheres.

A força do aprendizado coletivo

A comunicação popular é uma ferramenta essencial na defesa dos territórios e na construção de narrativas próprias. No Maranhão, onde comunidades tradicionais enfrentam desafios históricos, fortalecer essas vozes é uma necessidade urgente.

Para Mikaell Carvalho, coordenador da Justiça nos Trilhos (JnT), esse compromisso se traduz no apoio a formações como a Veias Abertas da América Latina, que se consolida como um espaço de aprendizado, troca e resistência.

“A Justiça nos Trilhos sempre acreditou na comunicação popular como ferramenta fundamental de resistência e transformação. Essa formação não é apenas um espaço de aprendizado técnico, mas um território de troca, onde a memória, a luta e a criatividade dos povos se encontram para narrar suas próprias histórias, reafirmando seu direito à palavra e à autodeterminação”, afirma.

Yanna Duarte, jornalista e assessora de comunicação na Justiça nos Trilhos, resume bem a essência do que representou para ela esses dias de aprendizado coletivo com as comunidades e territórios:

“Acredito que aprender com os territórios foi o maior ganho, a maior riqueza que temos hoje, né? Porque são lugares de pessoas que têm muito a dizer e de quem temos muito a aprender.”

Para Ulrike Fischer-Butmaloiu, jornalista e membro do Instituto para Democracia, Mídia e Intercâmbio Cultural (IDEM), o envolvimento dos participantes foi notável, tanto pela criatividade quanto pela profundidade das pesquisas realizadas.

“O engajamento foi impressionante. Eles estiveram muito ativos e demonstraram grande criatividade nos métodos, como na produção do Zine. Ao mesmo tempo, se destacaram pela seriedade com que conduziram suas pesquisas jornalísticas, investigando temas extremamente relevantes para quilombolas, indígenas e jornalistas locais. A dedicação e o compromisso com as questões que os impactam foram evidentes em cada etapa do processo.”, afirma Ulrike. 

Essa ação formativa foi realizada em parceria com Justiça nos Trilhos (JnT), Instituto para Democracia, Mídia e Intercâmbio Cultural da Alemanha (IDEM) e Cooperação Alemã (BMZ), com apoio da Agência Zagaia, Grupo LoveLabCom, RádioTV Quilombo Rampa e Mídia Guajajara.

Seis anos do crime em Brumadinho (MG): Mulheres atingidas pela mineração e o agronegócio reafirmam a luta por justiça e reparação

Seis anos do crime em Brumadinho (MG): Mulheres atingidas pela mineração e o agronegócio reafirmam a luta por justiça e reparação

Ato político em Piquiá da Conquista (MA) reforça solidariedade e resistência contra a mineração e o agronegócio

No Encontro Pré-ERAM de Mulheres Atingidas pela Mineração e o Agronegócio no Corredor Carajás, realizado no bairro Piquiá da Conquista, em Açailândia (MA), mulheres do Pará, Maranhão, Minas Gerais, Rio de Janeiro e de outros estados do Brasil se reuniram para fortalecer a resistência e articular estratégias de enfrentamento. No último dia de atividades, 25 de janeiro, um ato político foi realizado em solidariedade às vítimas de Brumadinho (MG) e a todas as comunidades impactadas pelo crime socioambiental da Vale S.A.

O encontro reafirmou a urgência da luta por justiça e reparação, conectando diferentes territórios afetados pelo avanço da mineração e do agronegócio. Do Rio Doce ao Maranhão, o grito coletivo ecoa: nenhum crime será esquecido, nenhum direito a menos!

Para Larissa Santos, coordenadora política da Justiça nos Trilhos (JnT), o evento simboliza a força da mobilização popular e a importância da memória:

“Este encontro é um espaço essencial para fortalecer a luta das mulheres atingidas pela mineração e pelo agronegócio, conectando histórias, dores e resistências que atravessam os nossos territórios. Realizar um ato político dentro da comunidade de Piquiá da Conquista, um bairro marcado pela luta contra a poluição e pela conquista de um novo lar digno, reforça o compromisso com a memória e a justiça. A solidariedade entre os povos atingidos é a nossa força para seguir denunciando crimes como os de Brumadinho e Piquiá de Baixo e para seguir exigindo reparação. Nenhum crime pode ser esquecido, nenhuma vida pode ser silenciada.”

Resex Tauá-Mirim Já: A luta pela conservação da natureza e da cultura dos povos tradicionais em São Luís

Resex Tauá-Mirim Já: A luta pela conservação da natureza e da cultura dos povos tradicionais em São Luís

Analisando os impactos da globalização e dos grandes empreendimentos em São Luís, Beto do Taim destaca a importância da oficialização da Resex Tauá-Mirim para proteger a biodiversidade e os modos de vida das comunidades tradicionais.

Beto do Taim, pescador e membro do Movimento Nacional dos Pecadores (Monape) e da Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas e Povos Tradicionais Extrativistas Costeiros e Marinhos (Confrem), faz uma análise dos impactos da globalização e dos grandes empreendimentos em São Luís, ressaltando as pressões sobre os recursos naturais e as comunidades locais. A ilha, que já sofre com o armazenamento e manuseio de insumos poluentes, enfrenta consequências significativas para atividades tradicionais, como a pesca, que sustenta as populações da Resex Tauá-Mirim e outras comunidades que convivem com a natureza.

A presença de empreendimentos, como o agronegócio e as indústrias de mineração e exportação, enquanto abastece mercados externos, transforma São Luís em uma “zona de sacrifício” ambiental e social, acumulando poluição e degradação ambiental.

É evidente a importância de se buscar um equilíbrio no uso dos recursos locais. Isso envolve a construção de políticas e práticas que respeitem e protejam os ecossistemas e as atividades de subsistência das comunidades que, há gerações, ocupam o território e cuidam de sua biodiversidade.

A Reserva Extrativista (Resex) Tauá-Mirim é uma área de conservação proposta na porção sudoeste do município de São Luís, Maranhão. Com aproximadamente 16.663,55 hectares, essa região abrange comunidades tradicionais como Taim, Rio dos Cachorros, Porto Grande, Limoeiro, entre outras. Essas comunidades dependem do extrativismo, da pesca artesanal e da agricultura de subsistência, mantendo uma relação harmoniosa com a natureza.

A criação da Resex Tauá-Mirim visa proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, assegurando a conservação de uma área rica em manguezais, remanescentes de mata amazônica, nascentes e babaçuais, que serve como refúgio para diversas espécies de fauna e flora. Além disso, a reserva desempenha um papel crucial na conservação ambiental, funcionando como um “pulmão verde” que contribui para a manutenção da biodiversidade, com impactos que se estendem à toda São Luís.

Apesar de sua importância, a formalização da Resex Tauá-Mirim enfrenta desafios burocráticos e pressões de empreendimentos industriais e portuários na região. Comunidades locais e defensores ambientais têm lutado há décadas pela oficialização da reserva, como forma de garantir a conservação ambiental e a manutenção dos modos de vida tradicionais.

Junte-se a luta das comunidades tradicionais em defesa da natureza e da vida!

Conheça a Campanha “Resex Tauá-Mirim Já”!