Seminário construído pela agricultura familiar em Açailândia reúne organizações e movimentos sociais na luta contra a pulverização aérea de agrotóxicos
Evento ocorreu na Câmara Municipal e teve como pautas principais a educação no campo, saúde e infraestrutura dos assentados na região
“A gente não quer nada mais, a não ser o melhoramento da nossa terra pra gente poder ter mecanismos de permanecer dentro da nossa zona rural. A gente quer educação e saúde ampla, que seja realmente digna para a nossa comunidade e pros nossos filhos”, reivindica Alcione, agricultora e moradora de Francisco Romão, assentamento que enfrenta a invasão da soja em seu território, os impactos da Estrada de Ferro Carajás (EFC) e a pulverização aérea de agrotóxicos, no Maranhão.
O I Seminário Municipal de Desenvolvimento Rural aconteceu em Açailândia (MA), e reuniu trabalhadores e trabalhadoras do campo para discutir as suas necessidades. A primeira girou em torno da construção de uma lei estadual que proíba a pulverização aérea de agrotóxicos, que vem causando problemas de pele e doenças respiratórias nas comunidades, além da contaminação da produção, dos animais e do meio ambiente.
A segunda, discutiu a melhoria na educação do campo e da infraestrutura, como condições dignas de estradas para os moradores e melhor fornecimento de energia elétrica. Na parte da tarde, houve o lançamento de dois estudos importantes para as comunidades: o Boletim de Cartografia Social, feito pela Justiça nos Trilhos (JnT) em parceria com o Programa de Pós-graduação em Cartografia Social e Política da Amazônia, da UEMASUL de São Luís. Esse trabalho é uma forma de fortalecer as comunidades para que elas conheçam seus territórios e os defendam.
O segundo foi o lançamento do Estudo de Mercado de produtos da agricultura familiar, uma parceria da Jnt com a Caruanas Consultoria e a Inovadm Jr, um importante documento que melhora as condições de comercialização dos produtos da agricultura familiar, produção essa que não tem apoio na região, tanto na produção quanto na venda.
“Os agricultores produzem para comer mas também para vender e satisfazer outras necessidades. Podemos melhorar esse comércio para jogar a favor da agricultura familiar, por meio do estudo de mercado”, afirma Xóan Carlos, coordenador do eixo de Alternativas Econômicas à Mineração e ao Agronegócio da Justiça nos Trilhos (Jnt).
Durante o seminário, se discutiu muito a questão de um desenvolvimento pensado em conjunto com as comunidades, que cuide do meio ambiente, que construa as estratégias de permanência dos agricultores em suas terras: “a gente está há um bom tempo fazendo esse questionamento na nossa luta. Nossa resistência sempre foi em cima do desenvolvimento rural, que nada menos é do que a melhoria de vida, de uma vida digna dentro do nosso meio rural, nos assentamentos e nas comunidades tradicionais”, refletiu Alcione.
Entre os apoiadores do seminário, que aconteceu no dia 28 abril, construído pela Justiça nos Trilhos, estiveram em parceria o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) do Maranhão, o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR), a Casa Familiar Rural de Açailândia e a Paróquia Santa Luzia.
A monocultura causa desemprego no campo
Entre os principais problemas vividos pela população do campo maranhense está a mineração, a pulverização aérea de agrotóxicos e a monocultura de soja. Os assentamentos João do Vale, Francisco Romão, Planalto I e o acampamento Agroplanalto, vivem um acirramento de conflitos por conta dos empreendimentos industriais no Estado.
“A prova mais fácil de entender que a monocultura causa desemprego é você visitar um assentamento antes e depois da chegada da soja. Muitas famílias vão embora, não tem mais o que fazer lá, não tem mais a terra e não tem emprego. Então, diminuindo o número de famílias, diminui o número de crianças e as opções de educação para o povo”, explica Xóan Carlos.
Segundo dados do Projeto Mapbiomas e da Companhia Nacional de Abastecimento, o monocultivo de soja no Cerrado, em 2021, chegou a ocupar 52% da área plantada em todo o país. De acordo com dados da Embrapa, em 2016, o bioma Cerrado ocupava 64% do Estado do Maranhão. Já do consumo de agrotóxicos nesse cultivo, do total utilizado no Brasil, mais de 60% se destina à soja.
Durante a mesa redonda, composta pelo engenheiro agrônomo Xóan Carlos (Justiça nos Trilhos), a pedagoga Vânia Ferreira (MST) e Adriana Oliveira (STTR), também foram traçadas estratégias para as lutas das pessoas do campo.
Foto: Yanna Duarte
“Nós ainda temos terras públicas na região norte do país, na região amazônica. Como fazer com que essas terras públicas sejam áreas de preservação para assentamentos agroextrativistas? Com comunidades que já moram nessas regiões. Aí com a regularização fundiária da terra legal, ao invés de fazer assentamentos, cedem as terras para o agronegócio avançar. Fazendas que possuem dívidas com o banco e casos de trabalho análogo a escravidão, crime ambiental e grilagens”, pontuou Vânia.
Vereadores de Açailândia ignoram demandas dos trabalhadores do campo
As discussões construídas no seminário ficaram de fora dos temas considerados importantes pelos vereadores do município. Dos 17 vereadores, apenas um, Denes Pereira (PT), compareceu à agenda de debates organizada pela sociedade civil, organizações e movimentos sociais.
“É claro que o sentimento é de indignação, mas nós estamos buscando apenas um dos instrumentos de luta que são os meios legais. Nós estamos aqui, na Câmara dos vereadores, depois ninguém pode dizer que a sociedade, as comunidades e os trabalhadores não se organizaram e não buscaram discutir esses temas”, afirmou o educador popular da Justiça nos Trilhos, Alaíde Abreu.
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