“Um povo que não perdeu sua identidade e cultura, por isso, é um povo que não se pode exterminar”. Essa fala do companheiro indígena Francisco Rocael, do Conselho do Povo Maya de Occidente (Guatemala), traz consigo a força das organizações sociais, comunidades e povos tradicionais reunidos no encontro da Rede Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que acontece esses dias em São Luís (MA), de 29 janeiro a 02 de fevereiro.
A solidariedade, fraternidade e a luta pelo direito de pertencimento dos povos tem sido fortalecida entre as mais de 40 pessoas reunidas nesses cinco dias. Construído pela Rede Internacional para os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Rede DESC) em parceria com a Justiça nos Trilhos (JnT), o encontro movimenta pescadores artesanais, quilombolas, indígenas, trabalhadoras domésticas e sindicatos de mais de sete países, junto a organizações do Brasil, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento de Atingidos por Barragens (MAB) e a União das Comunidades Negras Rurais Quilombolas de Itapecuru Mirim (Unicquita).
O principal objetivo do encontro é a partilha das diferentes realidades de lutas de companheiros e companheiras que enfrentam o capital e poder corporativo de mineradoras transnacionais, grandes empreendimentos Brasil afora e a violência e pobreza que se desenrola com o avanço do imperialismo.
Na terça (30), foi realizada uma visita à comunidade quilombola Santa Rosa dos Pretos, localizada no município de Itapecuru Mirim (MA), que enfrenta projetos de energia, a cadeia da mineração, a duplicação da BR 135 e o avanço do agronegócio em seu território. Já na quarta (31), a JnT alimentou o debate sobre o enfrentamento aos grandes projetos com as potentes participações de Kelly Barbosa (Piquiá de Baixo), Adriana Oliveira (Novo Oriente) e Vanussa Guajajara (T.I Rio Pindaré).
Kelly chamou atenção para a luta que a comunidade de Piquiá de Baixo em Açailândia (MA) sustenta pelo direito à memória, moradia digna e pela natureza. Neste ano de 2024, 312 famílias serão reassentadas para um novo bairro chamado ‘Piquiá da Conquista’, longe da poluição direta das siderúrgicas, empresas de cimento e outras inseridas na logística da mineração.
Além de muita força para resistir aos grandes projetos, essas três mulheres possuem os corpos marcados por violências, que infelizmente se conectam. Vanussa Guajajara lembra que seu povo gosta de comer um peixe moqueado, gosta de pescar nos rios, ouvir histórias em rodas… E aí veio a mineração e as estradas, a de ferro e a BR, vidas sendo ceifadas pelos grandes caminhões que transportam a soja e os minérios pelas BRs e também a criminalização de lideranças pela mineradora Vale S.A.
“Começaram essas violências e em vez de estarmos comendo Jabuti assado com farinha, temos que nos articular para defender os nossos territórios e nos manter unidos”, diz Vanussa.
“Sem território, os povos não são nada”
O discurso do desenvolvimento enunciado pelos projetos do agronegócio e da mineração o fazem a partir da tomada de territórios tradicionais e da devastação dos ecossistemas. Na visita à comunidade Santa Rosa dos Pretos, que ainda passa pelo processo de titulação pelo Incra, o direito à terra foi colocado como um dos pontos principais da luta de classes no Brasil e para os povos estrangeiros que ali estavam.
“Toda essa agressão que fazem contra nós se dá de maneira muito hipócrita em nome de um falso desenvolvimento. São projetos de minério, empresas, monocultivo”, disse Francisco Rocael durante um momento de partilha de realidades na comunidade.
Daniel Santi, líder do povo indígena Sarayaku da Amazônia Equatoriana, usou a sua voz para tratar da importância da permanência no território. “Temos de ter força de unidade. É essencial trabalharmos a titulação de território na estratégia jurídica, pautar a reforma agrária. Temos que ter uma estratégia de luta e comunicação a nível do Brasil e internacional. Precisamos internacionalizar [essa Rede] para que lá fora escutem a luta de Santa Rosa dos Pretos”.
Para Santi, “sem o território, os povos não são nada”. A água, o chão, os recursos naturais, tudo isso é o território para os povos tradicionais. As florestas e os bichos também são habitantes.
Durante a roda de conversa, o quilombola e educador popular da Justiça nos Trilhos (JnT), Joércio Pires, explicou como se dá esse desenvolvimento para as comunidades violadas:
“Quando a Estrada de Ferro Carajás (EFC) passou [por nós] ela matou muita coisa. Não teve mais o igarapé, não tivemos mais acesso ao pescado, por isso, tivemos que comprar. E nós estávamos em outro processo [de modo de vida]”, denunciou ele.
Fortalecimento Comunitário
A Justiça nos Trilhos surge dentro dos territórios. Ela nasce a partir de Piquiá de Baixo, na Terra Indígena Rio Pindaré, no quilombo Santa Rosa dos Pretos e outras comunidades ao longo da EFC, alimentando o fortalecimento da memória e construindo junto aos povos e comunidades as resistências que vão romper as violências.
Para o educador popular e defensor dos direitos humanos, Alaíde Abreu, o papel do fortalecimento comunitário na organização, sendo um dos quatro eixos de atuação da instituição, é feito com os olhos e os sentidos direcionados ao outro.
Nosso trabalho acontece a partir do “sentimento de pertencimento ao território e à vida das pessoas, a sensibilidade de ver, ouvir e sentir o que as pessoas sentem e vivem. Ser solidário com as lutas, acolher a realidade… A partir disso, vamos pensando juntos, como atores sujeitos das nossas intervenções, mecanismos de mudanças da realidade”, descreve ele.
Confira um pouco dos momentos registrados durante o encontro:
Fotos: Mikaell Carvalho