A floresta amazônica no Brasil está ameaçada pelo consumo europeu e chinês de minério de ferro e de soja. Empresários portugueses estão planejando um grande projeto porto-ferroviário no Maranhão para aumentar a exportação de matérias-primas. Um protesto em Berlim mobilizou contra o envolvimento da Deutsche Bahn no projeto. A Justiça nos Trilhos é uma das organizações que se soma à luta contra as violações causadas pelo empreendimento.
“Estamos aqui para dizer não ao projeto Grão-Pará Maranhão, ao modelo econômico de destruição dos nossos meios de vida, à violência e à superexploração das nossas terras e rios”, disse Mikaell Cavalho, da organização parceira Justiça nos Trilhos, no Brasil, durante protesto realizado no final de maio em frente à sede da Deutsche Bahn (DB), na Potsdamer Platz, em Berlim.
O motivo do protesto é o projeto porto-ferroviário Grão-Pará Maranhão (GPM), que três empresários portugueses querem implantar na Ilha do Cajual, no Maranhão, até a cidade de Açailândia, no mesmo estado, com a participação da DB. Milhões de toneladas de minério de ferro e de soja deverão ser transportadas pelo Maranhão através de uma estrada de ferro de mercadorias, a fim de serem escoadas para a Europa e para a China através do porto que querem construir na Ilha do Cajual, em cima de um território quilombola.
“Apelamos ao governo alemão e à sua empresa estatal Deutsche Bahn para que não participem neste projeto destrutivo. Pedimos a todos que se juntem a nós para exigir: não ao projeto Grão-Pará Maranhão!”, exortou Carvalho em sua fala na Potsdamer Platz.
O Centro de Pesquisa e Documentação Chile-América Latina (FDCL), a Cooperação Brasil (KoBra), Misereor, a Rede Igrejas e Mineração, a Fundação Rosa Luxemburgo e a Rede Ya Basta também participaram na manifestação em frente à sede da DB. Estes últimos lutam contra o projeto ferroviário “Tren Maya”, na floresta tropical da Península de Yucatan, no México, no qual a DB também está envolvida.
Acompanhamos Mikaell e Flávia Nascimento do Brasil em Berlim durante três dias e organizamos um programa de conferências e eventos para a sua visita. Este incluiu um evento de discussão na Fundação Rosa Luxemburgo em Berlim, na véspera da manifestação.
“As mulheres são particularmente afetadas por estes projetos de infraestruturas e de matérias-primas. Milhares de trabalhadores da construção civil, motoristas de caminhão e engenheiros invadem as comunidades rurais tradicionais provocando violências, abusos e prostituição”, denunciou Flávia Nascimento.
A indústria do minério de ferro está poluindo e destruindo o ambiente e a saúde das pessoas, relatou a jovem, que é da comunidade de Piquiá de Baixo, no município de Açailândia, Maranhão. A mineradora brasileira Vale S.A. explora a maior mina de minério de ferro do mundo, em Canaã dos Carajás, no Pará, em meio à floresta amazônica. A Vale transporta a matéria-prima para um porto de carga privado na costa atlântica através da Estrada de Ferro Carajás (EFC), com 900 quilómetros de extensão.
A indústria do ferro provoca enormes danos ambientais e de saúde
As operações da indústria de ferro, como as siderúrgicas, liberam enormes quantidades de poeira tóxica e fumaça dos altos fornos. Juntamente com outros residentes da comunidade, Flávia realizou medições da poluição atmosférica e, após 20 anos de luta, conseguiu finalmente realojar as pessoas.
A DB Engineering & Consulting, por outro lado, aconselha a Vale há quatro anos sobre como tornar a rota de transporte de minério de ferro da Vale “neutra para o clima “. O objetivo é tornar o minério de ferro da Amazônia atrativo para o consumo na Europa.
Com Flávia e Mikaell, mantivemos outras conversações no parlamento alemão com dois membros da equipe de Susanne Menge, que compreenderam as nossas preocupações sobre o projeto GPM. Uma outra reunião no Ministério Federal da Economia foi mais difícil. O diretor ministerial responsável afirmou várias vezes que o projeto GPM ainda estava numa fase inicial. Ele disse também que o respeito aos direitos humanos e a proteção do ambiente são garantidos pelas diretrizes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para as empresas, das quais Brasil e Alemanha são signatários.
Esta posição não nos tranquilizou, dado que as graves violações de direitos são uma ocorrência diária no Brasil, tal como a violência maciça contra os povos indígenas e os ambientalistas, e o desmatamento contínuo das florestas tropicais.
DB tenta minimizar seu papel e responsabilidade
Como ainda não foi tomada uma decisão vinculativa sobre a participação no projeto de infra-estrutura na amazônia maranhense, a DB rejeitou um pedido de reunião com os visitantes do Brasil, apresentado duas semanas antes. Mesmo no final da nossa manifestação em frente à sede da empresa, ninguém quis aceitar a nossa carta de reclamação conjunta. No final, a única opção foi entregá-la a uma recepcionista.
No entanto, a filial DB E.C.O. Group já tinha “assinado um Memorando de Entendimento (MoU) com a GPM sobre o desenvolvimento conjunto do projeto e a subsequente exploração da estrada de ferro” no início de 2023. A “DB Engineering & Consulting assumiu o papel de operador-sombra”.
A DB publiciza o projeto com um vídeo da empresa GPM incorporado ao seu site na internet. No vídeo, a floresta amazônica é deslocada para oeste num mapa sobreposto, criando a falsa impressão de que o projeto do porto e da ferrovia – Terminal Portuário de Alcântara e EF-317, respectivamente – estão fora da região amazônica.
Governo alemão e União Europeia também demonstram interesse na GPM
O embaixador alemão convidou a GPM e a DB para a embaixada em Brasília em janeiro de 2023. Juntamente com a DB, a GPM apresentou o projeto a políticos brasileiros, funcionários da União Europeia (UE), representantes do Banco de Desenvolvimento Alemão (Kreditanstalt für Wiederaufbau – KfW) e gestores de empresas internacionais, como a Siemens.
Em abril de 2024, a diplomata alemã Marian Schuehgraf liderou uma delegação de 19 embaixadores de países da UE no estado do Maranhão, na qualidade de embaixadora da UE no Brasil.
Neste contexto, notícias da imprensa sugerem que o projeto GPM pode ser financiado pela iniciativa Global Gateway da Comissão Europeia. Este fundo destina-se a financiar projetos estratégicos em todo o mundo para a UE, num montante de 300 bilhões de euros até 2027.
A nossa organização parceira Justiça nos Trilhos realizará um seminário de informação sobre o projeto GPM em São Luís, capital do Maranhão, no final de junho. Os ativistas também continuarão informando as pessoas sobre o projeto porto-ferroviário e seus impactos. Somente a ferrovia atravessa 22 municípios no Maranhão, e o porto extingue um território quilombola inteiro, e que está em processo de titulação.
A maior parte da população local continua desconhecendo completamente o projeto, porque os empreendedores do projeto GPM e o governo do Maranhão ainda não informaram nem consultaram os povos quilombolas impactados, como obriga a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Intercâmbio entre comunidades dos municípios de Alcântara e Açailândia, no Maranhão, trocam experiências sobre impactos de grandes empreendimentos destinados a escoar minério de ferro e produtos do agronegócio exportador.
O projeto, idealizado por empresários portugueses e que conta com o apoio dos governos federal e do Estado, prevê a construção de um porto sobre o território quilombola Vila Nova, na Ilha do Cajual, que faz parte de Alcântara. O primeiro intercâmbio de comunidades potencialmente impactadas pelo empreendimento porto-ferroviário Grão-Pará Maranhão (GPM) aconteceu entre os dias 8 e 10 de abril no município de Alcântara, Maranhão.
O território é um dos três que compõem o município, apontado pelo Censo de 2022 como aquele com a maior população quilombola do país. Se implementado, o porto deve extinguir o território, pois ocupará quase 90% de sua superfície em terra.
Além do terminal, o projeto Grão-Pará Maranhão também prevê a construção de uma ferrovia de 520km entre Alcântara e o município de Açailândia, ao sul do estado, conectando-se com a Estrada de Ferro Carajás (EFC), da Vale. A nova ferrovia atravessará quilombos, assentamentos rurais, áreas de proteção ambiental e passará muito próxima de terras indígenas ao longo do seu traçado. A construção da estrutura conta com a parceria da empresa pública alemã Deutsche Bahn (DB).
O objetivo do projeto GPM é, segundo documentos da própria empresa, escoar para a China e países da Europa o minério de ferro extraído pela Vale da mina de Carajás, no Pará, além de soja, combustível, frutas e outras commodities do agronegócio exportador.
Apesar de já ter dois contratos de adesão assinados com o governo federal e de estar em processo de licenciamento, o empreendimento português nunca requereu ao Estado a realização do processo de consulta prévia, livre e informada às comunidades quilombolas e indígenas potencialmente impactadas pelo porto e ferrovia, como determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Troca de informações servem de alerta
Organizado por Justiça nos Trilhos, Justiça Global – membros da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale -, Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) e Associação do Território Quilombola de Alcântara (Atequila), o intercâmbio realizado no início de abril reuniu cerca de 30 pessoas, entre membros de organizações e movimentos sociais, representantes de comunidades de Alcântara potencialmente impactadas pelo projeto GPM, e moradoras da comunidade Piquiá de Baixo, em Açailândia, no sul do estado, que há mais de três décadas sofrem os impactos da Estrada de Ferro Carajás (EFC), da Vale, e de siderúrgicas que se instalaram na região.
As representantes de Piquiá deram seu testemunho sobre os impactos da poluição do ar pelo minério de ferro transportado a céu aberto nos vagões e das descargas de fumaça das siderúrgicas. São décadas de contaminação provocando doenças respiratórias, alergias e mortes, além da contaminação das águas dos rios e as plantações.
Outro impacto é o ruído dos trens e das siderúrgicas, que atrapalha o sono, as aulas, gera angústia, insônia e depressão. A trepidação das composições próximas às casas racham as estruturas das residências, avariam paredes, telhados e portas. Outro problema relatado são os frequentes atropelamentos de pessoas e animais nas ferrovias, causando mutilações e mortes.
Ao todo, cerca de 300 famílias de Piquiá de Baixo, mais de 1200 pessoas, tiveram suas vidas negativamente transformadas com a chegada da EFC e das siderúrgicas literalmente em seus quintais – exatamente como o projeto GPM pretende fazer em Alcântara.
Ao longo de quase uma década e meia os moradores de Piquiá lutaram para ser assentados em um terreno alguns quilômetros distante do local onde as empresas de siderurgia e a EFC se instalaram. Só agora, em 2024, é que as casas do reassentamento estão prontas, após anos de luta, sofrimento e mortes.
“Esse intercâmbio é um momento oportuno para que a gente fale da realidade que nossa comunidade vive, para que essas comunidades [de Alcântara] não sofram aquilo que a gente vem sofrendo. Nosso testemunho é de alerta, e que sirva de inspiração e exemplo para essas comunidades, que elas combatam antes de a empresa chegar ao território”, disse uma das moradoras de Piquiá de Baixo.
“Eu vim trazer o testemunho do que a gente vive para que as pessoas de Alcântara não sofram o que hoje a gente sofre”, reforçou outra moradora.
Para uma das quilombolas de Alcântara presente no encontro, a partilha das histórias de Piquiá de Baixo garantiu informações estratégicas para um processo de conscientização comunitária. “Claro que a gente fica muito preocupado com a situação deles em Piquiá, é triste ver o que eles sofrem lá. Mas isso acende um alerta que futuramente pode ser a gente, ou os nossos descendentes. O intercâmbio é uma forma de a gente intervir e impedir que o empreendimento venha”, disse a quilombola.
Outra moradora de Alcântara disse que desconhecia o projeto, e que mesmo um sobrinho seu de Açailândia tendo informado a ela sobre o GPM, ela não acreditou. “Agora que tô vendo que o projeto está no papel. A gente precisa acreditar que ele não continue, para não impactar nossa comunidade nem a comunidade dos outros”.
Além das trocas de experiências entre moradores de Piquiá e Alcântara, o seminário também contou com a apresentação de dados e mapas de impactos do projeto Grão-Pará Maranhão e com uma palestra sobre a importância da Convenção 169 da OIT para a proteção dos direitos dos povos quilombolas, indígenas e comunidades tradicionais.
As entidades e movimentos de apoio, em parceria com as comunidades, seguirão realizando outras atividades de formação, além de processos de incidência junto a órgãos públicos dos governos do Maranhão, Brasil e também na Alemanha, já que a empresa pública Deutsche Bahn é parceira na construção da ferrovia do projeto GPM.
Campanha iniciada pela Rede Desc em parceria com a Justiça nos Trilhos e movimentos sociais. Confira o texto original aqui.
“Em 30 de janeiro de 2024, um grupo de mais de uma dezena de membros de movimentos sociais da Rede-DESC teve a oportunidade de visitar o território quilombola de Santa Rosa dos Pretos, no Maranhão, Brasil, como parte de um encontro regional de movimentos sociais. Os membros da comunidade de Santa Rosa dos Pretos têm enfrentado inúmeras violações de direitos humanos por parte de agentes estatais e não estatais, incluindo ataques físicos, ameaças e intimidação; restrição de mobilidade e acesso a seus meios de subsistência; exposição a resíduos tóxicos e poluição; e desrespeito a direitos fundamentais como o consentimento livre, prévio e informado, entre outros. A comunidade quilombola de Santa Rosa dos Pretos exige o respeito e o reconhecimento de seu território, o direito à educação, o acesso à saúde e garantias de proteção aos líderes comunitários ameaçados.
Os membros da Rede-DESC expressam sua total solidariedade a Santa Rosa dos Pretos e fazem um apelo para que seja realizada uma audiência pública com o governo brasileiro para a formação de um grupo de trabalho que atenda às demandas dos territórios, enfrente o racismo estrutural e garanta a proteção dos direitos humanos universais. Convidamos você a se juntar aos membros da Rede-DESC e acrescentar sua assinatura a esta carta coletiva em solidariedade à Justiça nos Trilhos e à comunidade Quilombola de Santa Rosa dos Pretos”.
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