Canaã dos Carajás sobreviverá?
22 de novembro, 2019

Às vésperas de receber o maior projeto de exploração de minério do mundo, o município de Canaã dos Carajás-PA poderá ter como consequência um colapso social nas próximas décadas.

canaa-7046444Ao completar 19 anos no início de outubro, o município de Canaã dos Carajás, no sudeste paraense, se prepara para receber o maior empreendimento mineral do mundo.

O S11D, a ser explorado pela Vale na Serra Sul de Carajás atingirá em cheio o município, onde será instalada a logística e a parte operacional da nova mina.
Acrescentado o S11D, a cidade passará a contar com cinco projetos de extração mineral de Cobre, Níquel e Ferro.

O município que nasceu de um antigo assentamento criado pelo extinto Grupo Executivo das Terras do Araguaia e Tocantins (GETAT), do Governo Federal, contava com apenas 1551 famílias no inicio dos anos de 1980.

No entanto, com projeções de exploração da Serra Sul e com a implantação do empreendimento para extração de cobre iniciado pela Vale em 2002, a cidade sofreu um inchaço populacional vertiginoso. De 2005 a 2010 cresceu 198%.

Conforme estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do último censo realizado em 2010, a cidade chegaria em 2013 a aproximadamente 32 mil habitantes. Em 2000 era de apenas 11 mil pessoas.

Para estudiosos do assunto, essa população pode aumentar ainda mais contribuindo para um colapso social nos próximos anos em decorrência da expectativa de emprego gerada pela Vale em torno do S11D, com a população de cidades e estados vizinhos migrando massivamente para Canaã dos Carajás.

“Milhares de trabalhadores temporários serão contratados pelas empreiteiras para as obras de iniciação do projeto e serão esses milhares de trabalhadores que ficarão sem trabalho, saúde, educação, vivendo em moradia precária ou nas ruas, aumentando a estatística de miséria na região de Carajás quando tudo estiver pronto”, alerta Raimundo Gomes Cruz, sociólogo que coordenou um grupo de estudos na região junto à Universidade Federal do Sul e Sudeste Paraense (UNIFESSP).

Mais miseráveis?
A análise de Cruz não é em vão. A mineradora Vale, em sua propaganda institucional, promete cerca de 30 mil empregos no pico das obras do S11D. Porém, no mesmo informe cita que na fase de operação apenas dois mil e seiscentos empregos serão permanentes em 2016.

canaa4-8466747Dessa forma, Canaã dos Carajás teria daqui a três anos uma população de 27.400 mil trabalhadores desempregados, quase o número de sua população atual. “Isso não é geração de emprego, pois não há perenidade nessa relação empregado-empregador, além de termos o equivalente a outra Canaã desempregada”, salienta Cruz.
Uma população que engrossaria ainda mais as estatísticas de pobreza da região.

Segundo dados do Atlas Brasil 2013, o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, que leva em consideração alfabetização, expectativa de vida e distribuição de renda da cidade, é mediano.

O Mapa de Pobreza e Desigualdade dos municípios brasileiros aponta que 41,36 % da população de Canaã de Carajás são pobres.
Em relação aos estabelecimentos de saúde, a cidade possui déficit de várias especialidades essenciais no atendimento da população. Entre eles, falta um serviço de emergência de Neuro Cirurgia.

“Constatamos no nosso estudo realizado em 2011, que quem ganha com os projetos de mineração na região de Carajás é um pequeno grupo de beneficiários, como politiqueiros, empresários e comerciantes. Contudo, uma grande gama de miseráveis nasce nesse contexto”, conclui Cruz.

Mais problemas
Se os primeiros projetos de mineração em Canaã dos Carajás não surtiram efeito benéfico na economia e na melhoria dos serviços públicos para a população, o S11D agravaria ainda mais a situação de precariedade.

A Rede Justiça nos Trilhos denuncia que vários impactos serão acirrados. “Queda de produção agrícola e pecuária, além do isolamento das famílias de agricultores que não quiseram vender suas terras para a Vale”, cita relatório da organização.

canaa3-5507680Além disso, o direito de ir e vir dos camponeses bem como seus costumes serão prejudicados. “Várias estradas serão desviadas e terão a ferrovia para atravessar, o que aumenta o risco de acidentes, sem contar nossos valores que passam a ser alterados pela mudança das coisas”, reclama o agricultor Erinalvo Ribeiro.

Ademais, o abuso sexual contra crianças e adolescentes, situação recorrente próximo aos grandes projetos da Vale na região de Carajás, só tendem a aumentar.

Em decorrência do aumento da população masculina atraída pelo empreendimento, já foram denunciados ao Conselho Tutelar do município 40 casos no primeiro semestre de 2013. Número que já supera todo ano de 2012.

Para a representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Canaã dos Carajás, Josemira Gadelha, é preciso dar um basta na situação e evidenciar a problemática na cidade. “Estamos em campanha permanente porque é extremamente importante pautar esse assunto”, diz.

Desmascarando o sistema truckless Os moradores de Mozartinópolis, distrito agrícola de Canaã dos Carajás conhecido como Racha Placa, já sofrem desde 2008 com a intervenção da Vale para retirada de sua população.

É justamente no seu perímetro urbano e rural que funcionarão, às margens da Serra Sul, a operacionalidade da mina utilizando o sistema truckless.