Vale e a arte de flexibilizar a lei | Justiça nos Trilhos
17 de janeiro, 2012

Artigo do Valor Econômico mostra a ambiguidade da Vale: com 37 mega-projetos a ser licenciados, a empresa acredita na flexibilização da lei para minerar em áreas de cavernas (protegidas) e de parques nacionais. Confira a entrevista a Vânia Samovilla, diretora executiva de RH, Saúde, Segurança, Sustentabilidade e Energia. 

A Vale tem hoje uma carteira de 37 projetos de investimento com entraves devido a dificuldades de licenciamento ambiental. Vânia Samovilla, diretora executiva de RH, Saúde e Segurança, Sustentabilidade e Energia, que responde pela área de meio ambiente da empresa, tem um grande desafio em 2012. Avançar na concessão do licenciamento para tirar do papel planos que somam várias dezenas de bilhões de dólares.

Desses projetos, a executiva aponta pelo menos seis, os quais atingem US$ 25,7 bilhões. O Carajás Serra Sul, para produzir 90 milhões de toneladas de minério de ferro ao ano, lidera a lista com investimento de US$ 8 bilhões. Não menos importante é a obra para elevar em 150 milhões de toneladas a capacidade da Estrada de Ferro Carajás e de embarque do porto de Ponta a Madeira, em São Luís (MA) – US$ 3,4 bilhões. Em Minas, o projeto Apolo, também de ferro, esta preliminarmente orçado em US$ 2 bilhões.

No exterior, a Vale trabalha nos licenciamentos do projeto de potássio de Rio Colorado, na Argentina, avaliado em US$ 5,9 bilhões, e na expansão do projeto de carvão de Moatize, em Moçambique, onde serão aplicados mais US$ 2 bilhões. nesse país, o Corredor de Nacala, infraestrutura de porto e ferrovia a ser conectada a Moatize, vai exigir US$ 4,4 bilhões.

Vânia, em entrevista ao Valor, apontou o risco ambiental como o maior obstáculo à execução dos projetos de mineração da companhia. Para lidar com isso, ela fez previamente um levantamento “para ver onde estava pegando” e descobriu que a maioria das pendências era interna, e não externa. “O que trouxemos de inovação foi passar a tratar o meio ambiente da mesma maneira que a tratamos a engenharia”, disse a executiva, que é engenheira.

“Uma empresa de engenheiros trabalha o projeto em nível de detalhes, mas o meio ambiente, ás vezes, não faz isso. É a cultura do mundo achar que meio ambiente é coisa meio burocrática”, critica.

Para melhorar a eficiência da Vale nessa questão, Vânia optou por integrar equipes das áreas ambiental e operacional de desenvolvimento de projetos. Não satisfeita, criou um Guia das Melhores Práticas para Licenciamento Ambiental (livro bem detalhado que indica os procedimentos no encaminhamento do pedido a órgãos ambientais das várias etapas de licenciamento prévio, de instalação e de operação). E buscou maior interação com agências ambientais.

Também montou equipe de assessoramento de especialistas altamente qualificados: Beto Veríssimo, do Imazon, Tasso Azevedo, que presidiu o Serviço Florestal Brasileiro e consultores que ajudam a Vale a aprofundar a discussão estratégica da sustentabilidade. “Hoje, é inconcebível que uma empresa se permita ser destruidora da natureza”, declara.

O “pulo do gato” nessa reestruturação foi a criação do Comitê Executivo de Licenciamento Ambiental para tornar mais ágeis as decisões internas. “Uma das funções do comitê é acompanhar os processos para que as decisões sejam tomadas mais rapidamente e não fiquem na gaveta”, informou.

O comitê, criado em 2010, é formado por Vânia – coordenadora – e três diretores-executivos: José Carlos Martins, de operações integradas; Humberto Freitas, de logística e pesquisa mineral; e Galib Chaim, de implantação de projetos de capital. O grupo se reúne uma vez por semana e define prioridades, ou seja, os projetos mais importantes com gargalos no licenciamento. E acompanha cada um semanalmente.

No momento, seu foco são dois projetos gigantes de ferro no Brasil – Carajás Serra Sul e Apolo. O Serra Sul é “a menina dos olhos” da Vale, pois é o maior de minério de ferro em início de execução. Neste ano, foram US$ 794 milhões em trabalhos de terraplenagem, enquanto a licença prévia não sai. Faz parte do plano de investimento de 2012, que totaliza US$ 12,9 bilhões.

Projetado para iniciar operação em 2013, Serra Sul, segundo Vânia, sofreu adiamento para 2016 devido ao gargalo ambiental. Ela admite, porém, que o projeto tinha estudos incompletos, erro no EIA-Rima e no meio do processo de licença surgiram problemas com as cavernas existentes na região. “Tivemos que correr atrás disso”. Na lei atual, caverna em área de mineração tem de ser preservadas, mas nova regulamentação discute o assunto e pretende flexibilizá-lo.

No fim de outubro, a Vale protocolou os últimos estudos do Serra Sul. “Como é um projeto dentro da Flona (Floresta Nacional de Carajás), tem que ter o parecer do CnBio (Instituto Chico Mendes)”. Vânia tem expectativa de parecer do CnBio no início de janeiro e espera a licença prévia no primeiro semestre de 2012.

Apolo é o segundo projeto em importância, mas com solução mais complicada, segundo a executiva. A Vale já entrou com pedido de licenciamento na secretaria ambiental de Minas, mas a questão é a futura demarcação do parque Gandarella, onde está localizado. Há um plano de criar um parque nacional na área, próxima a Caeté e Ouro Preto. O caso está em discussão há alguns anos. Há entidades ambientais que alegam ser impossível conciliar o parque com a atividade mineral. “Acreditamos que é possível criar o parque e minerar. A atividade econômica local é a única forma de preservar e de mantê-lo”, argumenta Vânia.

O futuro parque da Gandarella não tem ainda nenhum perímetro definido, informou Paulo Sergio Machado Ribeiro, subsecretário de Desenvolvimento Minerometalúrgico e Política Energética de Minas Gerais. Em novembro foi criada uma comissão pelo governo mineiro e Instituto Chico Mendes para definir o assunto. Segundo Ribeiro, terá 30 dias para dar um parecer sobre o destino da Gandarella e a secretaria quer colocar todos os interessados juntos para discutir qual a unidade de conservação ambiental será implantada ali e se essa unidade vai permitir ou não atividade econômica no local.

Segundo ele, as unidades de conservação do tipo flona e apa (área de proteção ambiental) permitem atividade econômica na área onde será demarcado o parque. Já a classificação de reserva ecológica não permite exploração econômicas. A comissão é que vai definir o destino da Gandarella e, consequentemente, do Apolo, orçado em U$ 2,2 bilhões e com produção estimada de 24 milhões de toneladas/ano de minério de ferro.

Além desses dois projetos, Vânia cita como prioridades do comitê a duplicação da Ferrovia Carajás, o M5Sul, uma ampliação de Carajás, de US$ 2,9 bilhões. “Toda semana, discutimos esses projetos, todos acima de US$ 1 bilhão”, observou a executiva. Dos 37 listados, o critério da Vale, em valor (piso), é de US$ 500 milhões ou relevância estratégica do projeto, como as térmicas de Vitória (ES) e de Moçambique, além da segunda etapa de ampliação do projeto de carvão moçambicano de Moatize, de U$ 2 bilhões, e a ferrovia conhecida como Corredor de Nacala, cujo investimento supera US$ 4 bilhões e que vai levar o carvão até o porto de Nacala-à-Velha, na província de Nacala.

O projeto de potássio Rio Colorado também é acompanhado pelo comitê. Ele atravessa cinco províncias argentinas e envolve extração de potássio em Mendonza e construção de ramal ferroviário de 350 km e um terminal marítimo em Baía Blanca.

A maioria dos projetos com pendência ambiental está no país, mas há pelo menos dez fora do Brasil. Ela lembra que as leis ambientais diferem em cada país, mas confia que a estrutura que criou e os contatos que tem mantido com órgãos ambientais, como o Ibama, vão possibilitar que alcance sucesso para tirar todos do papel.

Fonte: Valor Econômico, por Vera Saavedra Durão, 27 de dezembro de 2011