Ao decidir redesenhar o sistema de arrecadação dos royalties da mineração, o governo definiu quatro grupos de bens minerais que, na avaliação oficial, desempenham papel importante na economia e, por isso, precisam receber tratamento diferenciado na nova legislação. A ideia é taxar menos os minerais usados na construção civil e mais aqueles que, hoje, são exportados com pouca agregação de valor.
Além disso, o plano do governo envolve a preparação de medidas complementares para diminuir a carga de impostos dos itens usados na indústria de transformação.
Os quatro grupos que receberão tratamento diferenciado são: os bens que concentram a maior parte do valor da produção mineral brasileira e são exportados na forma bruta ou semimanufaturada, como minério de ferro, bauxita e nióbio; os insumos minerais essenciais para desenvolvimento da indústria nacional, como cobre e níquel; os minerais não metálicos de fácil extração, que abastecem basicamente a construção civil, como areia, brita, argila e calcário; e as substâncias escassas no solo brasileiro usadas na produção de fertilizantes, como potássio, fósforo e fosfato.
Ampliar imagem
Parte das mudanças será feita a partir da reformulação da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), mecanismo usado na cobrança dos royalties. O restante dependerá de novas políticas de incentivo fiscal. As principais novidades integram o novo marco regulatório, em fase final de discussão na Presidência da República.
A professora Maria Amélia Enríquez, da Universidade Federal do Pará (UFPA), chamou a atenção para um conjunto de distorções no tratamento tributário dado a substâncias minerais no Brasil. Ela citou o fato de a areia usada na construção civil, que não chega a custar R$ 40 a tonelada no local de extração, ser taxada da mesma forma que o níquel, cuja tonelada chega a custar R$ 40 mil. “Isso não faz sentido. Analisamos códigos de diferentes países e não encontramos nada semelhante”, disse Maria Amélia.
A professora trabalhou até julho como assessora da Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral, do Ministério de Minas e Energia, tendo participado ativamente da formulação das mudanças na forma de cálculo da CFEM. A mudança nas regras dos royalties constitui apenas um dos três projetos de lei em elaboração pelo governo para reformular o marco regulatório do setor. Os outros dois tratam da instituição do novo Código de Mineração, com as novas regras de concessão e lavra, e da criação da Agência Nacional de Mineração (ANM), que fará a fiscalização e o recolhimento da CFEM.
O governo vai definir uma margem de variação das alíquotas entre 0,5% e 8%. Hoje, cada mineral tem uma taxação fixa, que só pode ser alterada por meio de lei – o faturamento líquido obtido na taxação do minério de ferro paga 2% de CFEM. Com as mudanças, as alíquotas poderão variar, dentro da margem estabelecida na nova lei, por meio de decreto presidencial. No caso do minério de ferro, a alíquota poderá dobrar.
A categoria dos bens minerais exportados de forma bruta ou semimanufaturada – da qual fazem parte minério de ferro, bauxita e nióbio – deveria sofrer maior taxação imediatamente, na avaliação de Maria Amélia. Esse segmento responde por 80% da produção mineral brasileira e é beneficiado por incentivos fiscais voltados para exportação.
Esses incentivos desestimulam, na prática, a agregação de valor dentro do território nacional. A professora sugere que o governo eleve as alíquotas de royalties, nesse caso, para 4%. Além disso, o Ministério da Fazenda pretende aplicar o Imposto de Exportação, com o objetivo de desestimular a venda de produtos primários e/ou semielaborados.
O segundo grupo, composto por uma variedade de substâncias minerais, como cobre e níquel, são fundamentais para o desenvolvimento da indústria nacional. Esses minerais também sofrerão elevação de royalties. Como são relevantes para os custos de produção da indústria de transformação, Maria Amélia recomenda que o governo adote uma medida compensatória: a redução da carga de impostos.
“É preciso dar um tratamento distinto, pois eles alimentam os diferentes elos da cadeia produtiva, o que multiplica as oportunidades de negócios dentro do território nacional. É isso que contribui para os avanços tecnológicos, a geração e a multiplicação de renda e emprego no país”, diz.
Para o grupo formado por minerais de uso direto na construção civil – como areia, brita, argila e calcário -, o governo prepara redução significativa de alíquota, passando de 2% para 0,5%. Além de movimentar as economias locais, esse segmento da mineração ajuda a sustentar a expansão do mercado imobiliário, setor importante para geração de emprego e renda.
A insatisfação do governo com os chamados produtos “agregados” da construção civil (areia e brita) está relacionada ao alto grau de informalidade na produção desses minerais. A atividade é dominada por empresas de pequeno e médio porte, que exploram áreas próximas aos centros urbanos, já que a logística é o principal fator de elevação do preço no ponto de entrega. A expectativa é que, com menores taxas de royalties e processo de outorga menos burocrático, o mercado seja estimulado a buscar a formalização.
No caso do quarto grupo de minerais – agrominerais, usados como insumo na fabricação de fertilizantes -, o governo planeja reduzir o royalty. Alguns desses elementos, como potássio e fósforo, têm baixa disponibilidade no Brasil, o processo de exploração é complexo, mas são fundamentais para a produção agrícola. A maior parte do consumo interno é atendida pela importação. Fósforo e potássio são misturados ao nitrogênio na fabricação do fertilizante NPK.
A regra atual da CFEM para os agrominerais é, segundo Maria Amélia, “ambígua” e tem armadilhas que geram embates constantes das equipes de fiscalização com as mineradoras. “O potássio, por exemplo, está taxado com alíquota de 3%. Ocorre que os fertilizantes pagam royalty de 2%. Mas 99% desse potássio é usado na produção dos fertilizantes.”
Fora desses quatro grupos, que receberão tratamento diferenciado, estão o ouro extraído por mineradoras e outros metais especiais. Depois de ser beneficiado por mais de 20 anos com alíquota considerada baixa, de 1%, o ouro produzido no país, com exceção da exploração artesanal em garimpos, deve sofrer o maior aumento da CFEM. O novo percentual para o segmento deve superar 4%. Em torno de 80% do ouro produzido no Brasil é exportado.
Fonte: Valor Econômico, 29 de agosto 2011