Trabalho precário, um drama diário | Justiça nos Trilhos
7 de outubro, 2011

eucaliptos-9156844Leia a reportagem de Brasil de Fato que acompanhou um dia na vida de José da Silva (nome fictício), funcionário da empresa Solo que presta serviços para a Queiroz Galvão, e constatou as péssimas condições de trabalho.

São 3h da manhã, e o despertador acorda José da Silva para mais um dia de trabalho. Ele levanta e, em menos de dez minutos, já está pronto para sair. Sua mulher o acompanha até a porta, enquanto os dois filhos dormem numa única rede num cômodo da casa. Caminha por 15 minutos por ruas escuras, sem asfalto, e passa por becos estreitos até chegar à BR 222 (Belém-Brasília), onde pegará o ônibus da empresa Solo. A Solo é uma empresa terceirizada, que presta serviços para plantação de eucalipto à empreendedora Queiroz Galvão, detentora de duas siderúrgicas em Açailândia.

Ao todo são 23 homens que adentram um ônibus em péssimas condições, que os levarão até uma fazenda do município vizinho de Bom Jesus das Selvas (MA). São três horas de viagem, contando com o percurso dos trabalhadores até o local de trabalho.

“Realmente esse veículo está com problema no freio de uma roda e a barra de direção prestes a estourar, mas fazer o quê? A empresa não dá manutenção, eu sou apenas o motorista”, diz o condutor em tom de preocupação.

“Para as quase seis horas de viagem de ida e volta, o que é pago de hora in itinere a José é apenas uma hora por dia, é o que eu recebo, nada mais do que isso”, diz o trabalhador chateado.

Sofrimento
A precariedade da ida ao trabalho, em um veículo sem segurança, é a primeira parte do que esses trabalhadores ainda sofrerão ao longo do dia. Ao chegar ao local, os funcionários montam barracas onde é servido o lanche da manhã. “Olha o pão que nos dão, duro, quando não embolorado”, diz José mostrando um pão.

Passa das seis horas da manhã, hora do trabalho, e José é responsável pelo despejo de veneno na plantação do monocultivo, chegando a percorrer de 32 a 42 hectares por dia. “Pelo menos trabalhamos devidamente equipados, mas recebemos só cindo reais de insalubridade por dia”.

Entre hora in itinere, insalubridade e o salário registrado na carteira de R$ 550, José consegue tirar por oito horas de trabalho diário menos de setecentos reais por mês. Algo que o indigna. “A empresa terceiriza o trabalho para não dar o direito para o trabalhador”, desabafa. José diz não ter cesta básica nem convênio médico. “Mexendo com esses venenos o dia todo e se fi co doente? Nem tenho para onde correr, fora que uma cesta básica me ajudaria, porque ainda pago R$ 150 de aluguel”. 

O relógio crava onze horas, num sol escaldante. Os trabalhadores procuram refúgio embaixo das barracas e, famintos depois da primeira etapa do trabalho pesado formam fi las. Mas a refeição… “A comida é ruim, fede, parece comida pra porco, dá uma olhada nisso”, diz José erguendo o prato e mostrando mais uma vez à reportagem do Brasil de Fato que o acompanha.

Uma hora de descanso e já está José novamente de volta ao trabalho com um recipiente cheio de veneno nas costas a jorrar na plantação. O sol ameniza, e às quatro horas da tarde os trabalhadores já começam a guardar o material e desmontar as barracas. “Ainda bem, mais um dia se foi”, agradece José.

No caminho de volta, no sacolejo do ônibus, José tem um olhar vazio e desviado pela janela do veículo. “Hoje estou com 35 anos e desde os 17 trabalho em carvoaria. Procurei ter outro trabalho e infelizmente só consegui esse, onde estou já há dois meses”, diz. São exatamente, 19h25, quando o ônibus encosta no local de onde saímos na madrugada. José desce do ônibus e antes de desaparecer pelas ruas e becos que o levarão ao encontro da família, se despede com um aceno e uma frase: “É isso que viu aí, a fi rma dá o pior para a gente pra sobrar mais para ela”.

*José da Silva é um nome fictício para evitar represálias ao trabalhador.

Fonte: Brasil de Fato, por Marcio Zonta, Açailândia (MA), 30/09/2011