No último sábado (21/05), ocorreu uma discussão sobre o plano diretor e gestão do território no município de Açailândia, realizado pela Rede de Cidadania, Justiça nos Trilhos (JnT) e Instituto Clima e Sociedade (ICS). A formação, que contou com a presença de diversas entidades locais, foi ministrada pela professora pesquisadora e advogada Juliana Miranda, que é mestre em Direito pela Universidade de Lisboa e doutoranda em desenvolvimento sustentável pela Universidade de Brasília.
De acordo com a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Cidade, o plano diretor existe para dirigir o desenvolvimento de uma cidade em seus aspectos econômicos, físicos e sociais. Obrigatório nas cidades com mais de 20 mil habitantes, esse plano é uma política de desenvolvimento executada pelo poder público municipal, pela prefeitura e câmara legislativa de cada município. “O papel do plano diretor é ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade que garante o bem estar dos seus habitantes”, esclarece Miranda.
Se tratando de Açailândia, município com população estimada em 113.783 pessoas, segundo dados do IBGE em 2021, o encontro buscou discutir a garantia a uma cidade sustentável, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, infraestrutura, transporte, serviço público e lazer para as presentes e futuras gerações. Seja na zona rural ou urbana da cidade. Para isso, o conhecimento dos problemas que cercam as cidades e a participação da população neste plano é essencial para a garantia de direitos.
O plano diretor em Açailândia não responde às atuais demandas da sociedade
Além de possuir mais de 20 mil habitantes, um dos requisitos necessários para se ter um plano diretor, Açailândia é um município atravessado pelas BR 222 e BR 010 e grandes empreendimentos como siderúrgicas, carvoarias, ferrovias e atividades advindas da mineração, além do monocultivo de soja e eucalipto.
Desde 2015 Açailândia está com o plano diretor desatualizado e sem revisão, inadequado às demandas dessa sociedade. “Açailândia tem um conselho de habitação, de transporte, tem um conselho LGBTQIA+ de promoção e defesa dos direitos?” perguntou Miranda.
É no plano diretor que se define a função social de uma cidade e, a partir daí, entendemos como o município responde e garante o acesso a esses direitos, como é o caso das pessoas com deficiência, da população LGBTQIA+, dos estudantes, dos trabalhadores e trabalhadoras que vivem na cidade.
O plano diretor é um instrumento básico de política de desenvolvimento e expansão urbana. É parte integrante do processo de planejamento municipal, é um instrumento de planejamento, de execução, é parte, não é todo. Precisa estar olhando para os próximos 10 anos, e sua revisão precisa ter uma constância.
Problemas de Açailândia
Após a exposição de Juliana Miranda e conversa com os presentes, foram feitas reflexões sobre os problemas que Açailândia apresenta atualmente. As entidades presentes pontuaram que a cidade tem uma cobertura ineficiente de rede de esgoto, não existe infraestrutura completa, as calçadas são inacessíveis para locomoção de pessoas com deficiência e parte das ruas são de pedras, o que impede os cadeirantes de circularem com facilidade.
Renato Paulino, integrante da JnT e da Rede Cidadania, acredita que o poder público municipal esteja delegando sua função para o setor privado.
“Talvez o poder público de Açailândia esteja delegando ou esperando que as empresas façam o seu papel. Nós queremos que o nosso poder público, nosso prefeito, nossa câmara, esteja na dianteira desse processo. A responsabilidade é do poder público que representa a cidadania, os cidadãos, e não as empresas que devem falar em nome do povo, porque eles vão fazer a partir do interesse deles. Quem está fazendo o planejamento urbano nesta cidade são as grandes empresas, que se movimentam pelos seus próprios interesses”, conclui.
Alaíde Abreu, que também é da JnT e da Rede Cidadania, falou sobre a série de benefícios fiscais e isenções que as empresas recebem do estado, impostos que, segundo ele, poderiam trazer melhorias para Açailândia.
“O que a gente tem visto nesse município da nossa região é justamente isso. Por conta desses grandes empreendimentos, essas empresas, como a Vale e outras que prestam serviços, se instalam nos municípios e o poder público executivo e legislativo fazem campanhas para atrair empresas, campanhas com isenção de vários impostos e muitas regalias, e era um dinheiro que poderia ter sido recebido para investir na cidadania com a população na questão desses conselhos e chamar para discussão. O que eu quero dizer é que o Estado está fugindo do seu papel”, acrescenta.
A obrigação de fazer o plano diretor é do poder público local
Para Juliana Miranda, o plano diretor é um instrumento de planejamento urbano que tem de buscar concretizar a função social de nossas cidades. “Para isso, o poder público municipal é obrigado pela nossa constituição ouvir, consultar, deliberar com a população e organizações da sociedade civil e movimentos sociais. É preciso que a sua elaboração e gestão sejam democráticas. Não são às empresas que a nossa Constituição Federal delega esse papel de elaborar e implementar, é ao povo”, pontuou.
Por fim, Miranda pontuou que é preciso dialogar com a sociedade e com o Ministério Público Estadual (MPE). “É preciso promover rodas de conversas nos bairros pedindo que seja explicado a importância do plano diretor e do conhecimento da população sobre isso, envolvendo o Ministério Público também”, enfatiza.
Conheça mais sobre Juliana Gomes Miranda
É advogada, cientista política e pesquisadora em Direitos Humanos. Doutoranda em desenvolvimento sustentável pela Universidade de Brasília, tem graduação em Ciência Política pela Universidade de Brasília (2003), graduação em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (2004) e mestrado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2008). Tem experiência na área de Direito Público, com ênfase em Direitos Humanos, Administrativo e Internacional, atuando principalmente nos seguintes temas: direitos humanos, direito socioambiental, memória e verdade e justiça e direito das organizações da sociedade civil.
Por Yanna Duarte e José Carlos Almeida