Para a Vale o que vale é o minério a ser extraído
30 de dezembro, 2015

26a0648039cf3305405b3fa50baaca7379c0dba428d04c55d7b216a31cc36031-d8a78-7528229Para a empresa privatizada pelo tucanato, o que vale é o minério a ser extraído: dane-se a água, o ar, o solo e as sociedades locais. A empresa está entre as maiores mineradoras do mundo, é a número um na extração de ferro, nas manufaturas chamadas pelotas e em níquel. Em 2014, teve receita líquida de US$37,5 bilhões, pagou US$4,2 bilhões em dividendos, contabilizou oito mortes por acidentes de trabalho e recebeu 3.096 reclamações e demandas das comunidades, a maioria em Minas Gerais e Pará, embora atue em 30 países.

No Relatório de Sustentabilidade 2014 da empresa também constam 44 casos de conflitos pelo uso da terra, com 33 ocupações “indevidas” e remoções de 8.406 famílias em Moçambique e Malauí, para construção do Corredor de Nacala, cujo objetivo é transportar carvão mineral da mina de Moatize para o porto via ferroviária. Com 73 anos de operação, 18 deles como empresa privada, negociada por US$3,4 bilhões em 1997, certamente a maior barbada que o mercado mundial conheceu no século XX – uma das grandes obras do tucanato brasileiro – criou uma ouvidoria há um ano.

É uma multinacional brasileira, e uma das quatro maiores mineradoras do mundo, juntamente com a Rio Tinto, a BH Billiton e a Anglo American. Todas destroem o ambiente onde atuam, provocando alterações no ar, no solo e na água, extinguindo espécies animais, vegetais e vidas humanas. O que fazem atualmente, nesta fase histórica do capitalismo esclerosado, são compensações pelo estrago. A linguagem poética, lúdica e apaixonante destes relatórios de sustentabilidade cheira a ovo podre, é uma mistura de hipocrisia com demagogia barata. O relatório da Vale tem 119 páginas, bem ilustradas. Este ano também foi divulgado o Relatório Insustentabilidade 2015, do Movimento dos Atingidos pela Vale, com 32 páginas.

Hipocrisia – paixão pelas pessoas e pelo planeta

O texto é baseado nos dois, além de incluir informações do livro do Centro de Tecnologia Mineral sobre Recursos Minerais e Comunidade.

“- Acreditamos que o relacionamento pautado pela ética e transparência com as comunidades é fundamental para a sustentabilidade dos negócios. Procuramos gerenciar e mitigar os riscos e os impactos sociais”, diz um trecho do relatório da Vale, que traz a frase “para um mundo com novos valores”, como eixo. A Vale pretende “ser a empresa de recursos naturais global número um em criação de valor a longo prazo, com excelência, paixão pelas pessoas e pelo planeta”.

A área operacional da empresa no mundo é de 2,6 mil quilômetros quadrados e para isso diz proteger 15 mil quilômetros quadrados, junto com governos locais. O negócio da extração mineral, como qualquer outra atividade do capitalismo esclerosado, é obter lucros aos seus acionistas.

A Vale é controlada pela Valepar, que por sua vez é controlada pelos fundos de pensão, a maior fatia é da Previ, na empresa Lintel/Litela, outros 17,4% são da Bradespar, empresa do Bradesco, 15% da Mitsui, multinacional dos EUA e 9,5% do BNDES. Outros 39,1% estão pulverizados em ações do mercado financeiro espalhados pelas bolsas do Brasil, Nova York, Hong Kong, Paris e Madri. O Bradesco participou da comissão que analisou os ativos da Vale do Rio Doce, a estatal, junto com a insuspeita Merril Lynch, que posteriormente quebrou em 2008 e foi incorporada pelo Bank of America.

Importante não é a água, mas o ferro

Correm muitas ações na justiça pedindo a anulação da privatização não somente pela subavaliação das riquezas já conhecidas pela estatal – entre elas a principal que é a Província Mineral de Carajás-, mas pela própria participação do Bradesco, como avaliador e depois concorrente no leilão. Porém, as ações no STF caíram nas mãos do ministro Gilmar Mendes, que é o relator.

O caso é que mineradora quer minério barato e precisa colocar no porto mais próximo, também de maneira barata. Se, por acaso, o morro onde está o ferro, fica na última reserva de transição da mata atlântica para o cerrado, considerada como patrimônio da biosfera pela UNESCO, como é o caso da Serra do Espinhaço, onde fica a Serra do Gandarela (MG), não tem importância alguma. O fundamental não são as nascentes dos mananciais que inclusive abastecem Belo Horizonte e a região metropolitana, mas sim o ferro que a China, a Índia, os EUA, seja lá quem for, precisam para produzir aço.

O governo federal criou um parque para proteger a Serra do Gandarela, mas com 31,2 mil ha, quando o próprio Instituto Chico Mendes recomendara 38 mil hectares. Sete mil ficaram para a Vale operacionalizar seu projeto Apolo, vai ocupar quase dois mil hectares. E na Floresta Nacional Tapirapé-Aquiri, área de conservação na Amazônia, o Projeto Salobo, de extração de cobre – a maior mina descoberta no Brasil- ocupa uma área de 190 mil hectares.

Neste caso, a Vale está associada a Anglo American, e no ano passado já extraiu 98 mil toneladas, das 379,9 mil do total das minas. O preço do ferro caiu 47% em 2014, mas a quantidade continua aumentando – 379,7 milhões de toneladas. A Vale também bateu recorde na produção de ouro – 321 mil onças – e na exploração do níquel – 275 mil toneladas.

Especulação imobiliária tomou conta

A verdade é que as mineradoras não estão interessadas na vida de quem está no caminho de suas explorações. A Estrada de Ferro Carajás, com 892 km, é um exemplo disso, desde 1985, quando foi inaugurada. Ela corta 22 municípios, 19 deles no Maranhão e três no Pará. O corredor aberto pela ferrovia foi totalmente desmatado, ocupado por grileiros, pecuaristas de ocasião e guseiros, que montaram fornos de carvão terceirizados e suas siderúrgicas, para limpar o ferro de Carajás, propriedade da Vale.

A especulação imobiliária tomou conta da região, os conflitos se acirraram, as populações se multiplicaram e a compensação ambiental ou social atende uma ínfima parcela desse cenário conturbado. A Vale também tem “interface” – faz parte da linguagem do capitalismo esclerosado – com 34 comunidades tradicionais e 12 povos indígenas. Trata-se de um número oficial. Mesmo assim com o “Método de Gestão Integrada”, processo de diálogo social por meio de metodologias participativas, a ferrovia foi interditada por protestos de índios e quilombolas.

Encrencas judiciais e administrativas

Também estão anotadas no Relatório de Sustentabilidade 2014 no tema chamado “Conformidades Ambientais”, algumas encrencas judiciais ou administrativas da Vale:

“- Auto de infração do Instituto Chico Mendes (ICMBIO) contra a Salobo Metais S.A em consequência de um incêndio ocorrido na Floresta Nacional de Carajás.

 Autuação do IBAMA por insumos utilizados na ampliação da Estrada de Ferro Carajás que geraram impactos ambientais.

 Ação civil pública no Espírito Santo em razão da poluição do Complexo de Tubarão, afetou os moradores da Baía de Camburi – são oito usinas de pelotização no Complexo de Tubarão.

 Em Omã, em função da poluição de particulados – usina de pelotização – aberto um processo contra a empresa.

 Pescadores de Ubu e Parati – Espírito Santo – aguardam decisão judicial sobre indenização causada por poluição, que causou danos à pesca.

 Em Itabira (MG), onde algumas minas já encerraram atividade, duas ações de indenização por danos sociais e ambientais.

 Quatro ações contra o licenciamento da mina Capão Xavier.

 No Maranhão, processo em fase inicial, cobra indenização pela interferência na atividade pesqueira.

 Ação de anulação do licenciamento do Ministério Público Federal da expansão da ferrovia de Carajás.”

A Vale pagou uma das multas do IBAMA de US$6,47 milhões.

Custos de operação transformados em preservação

A empresa divulga e faz marketing dos gastos em preservação ambiental e ações sociais totalizando US$1,1 bilhão. Os dados são discriminados no relatório, para quem encara a leitura. Do total citado, US$864,8 milhões foram destinados à proteção e conservação, sendo 37% voluntários e 63% referentes a requisitos legais – ou seja, cumpriram a legislação da área. Dos US$270,4 milhões para projetos sociais 58% foram voluntários e 42% obrigatórios, certamente compensações pelos impactos.

Vamos detalhar ainda mais: dos dispêndios ambientais US$314,8 milhões foram para construção de barragens de rejeitos, diques e pilhas de estéril, justamente o estrago causado pela extração mineral e que fazem parte dos custos da empresa.

Outros US$87 milhões para tratamento de resíduos. Isso engloba quase a metade dos dispêndios ambientais, na verdade deveriam ser enquadrados como custos de operação. No caso dos dispêndios sociais, o maior volume de verba está no item Desenvolvimento Humano e Econômico – de acordo com o PNUD, da ONU, “situa as pessoas no centro do desenvolvimento, trata da promoção do potencial das pessoas…do desfrute da liberdade de viver que valorizam” e recebeu US$102,6 milhões. O segundo maior item a receber verba foi “gestão de impacto” com US$62,4 milhões.

Cabe registrar um tópico do relatório de sustentabilidade 2014 da Vale – “potenciais impactos biofísicos”. São 28 tipos de estragos que a mineração causa no ambiente onde atua, desde desmatamento, perda de solo, contaminação e redução da disponibilidade hídrica, perda de hábitat de espécies redução de biomassa, alteração na vida das comunidades, entre outros.

Para finalizar: dos 206,4 mil empregados da Vale, a maioria no Brasil, 129,9 mil são terceirizados e 76,5 mil são próprios, e nos últimos três anos, quase 10 mil postos fecharam – em 2012 eram 85,3 mil funcionários.

Fonte:Najar Tubino
Carta Maior