Por que os quilombolas resistem à Vale?
segunda-feira 7 de abril de 2014
Por Sislene Costa
Desde que a empresa Vale recebeu a licença de instalação do IBAMA, em novembro de 2012, para iniciar a duplicação da ferrovia Carajás em Pará e Maranhão, e entrou nos territórios com todo o seu maquinário e milhares de homens, as violações e protestos nas comunidades também se acentuaram. As comunidades perceberam que a duplicação da ferrovia Carajás ia tornar pior o que já era ruim. Os problemas causados quando a ferrovia havia sido construída na década de 1980 nunca foram resolvidos, e não seriam agora.
Destaque-se que uma Ação Civil Pública, que ainda aguarda a sentença definitiva do Tribunal Regional Federal, denunciou a ilegalidade do licenciamento ambiental dessa duplicação. Várias comunidades dos municípios maranhenses de São Luís, Santa Rita, Anajatuba, Itapecuru, Igarapé do Meio, por exemplo, levantaram-se em protesto. Interditaram a ferrovia, o acesso dos operários aos canteiros de obra, a utilização das estradas das comunidades. Denunciaram às instituições e organizações de defesa de direitos a tentativa de transformação dos territórios em “zonas de sacrifício”.
Assoreamento e barramento de córregos com mortandade de peixes, rachaduras nas casas devido aos veículos pesados, destruição das estradas vicinais, poeira, desmatamento, remoções forçadas, impedimento de travessia são alguns dos impactos que a duplicação vem causando.
Aos protestos seguem-se as estratégias da empresa para neutralizar ou impedir que as insatisfações aumentem. Desenvolvimento de projetos que desviam o foco das comunidades dos problemas que a empresa provoca, promessas de emprego, cooptação de lideranças, “cartas de intenções” em que a empresa dispõe-se a atender as demandas das comunidades, criminalização de lideranças.
Os quilombolas resistem
No município de Itapecuru-Mirim (MA), as comunidades quilombolas Santa Rosa dos Pretos e Monge Belo que tiveram seu processo de regularização fundiário atrapalhado pela Vale resistem às suas investidas. Em 2011 conseguiram através de um acordo judicial que a empresa, pelo menos oficialmente, desistisse da contestação do processo de regularização fundiária. Além disso, a Vale deveria depositar uma quantia de R$ 700.000,00 para a construção de uma escola, recuperar os igarapés afetados pela linha férrea, construir quatro viadutos e realizar uma série de medidas para “mitigar”os impactos da poluição sonora e do ar. O acordo também tinha obrigações que se estendiam ao INCRA, IBAMA e Fundação Cultural Palmares. Após o acordo, a Fundação Cultural Palmares se manifestou favorável à obra nas 14 comunidades quilombolas definidas pelos critérios da empresa como atingidas. Na área de abrangência da ferrovia existem, consoante Fundação Cultural Palmares, 86 comunidades quilombolas.
Dois anos depois, nem a Vale, nem as demais instituições cumpriram o acordo integralmente, reclamam os moradores das comunidades. A duplicação no território tem causado uma série de transtornos aos moradores.
A Vale com o apoio da Fundação Cultural Palmares, tenta desde 2012 fazer a consulta das comunidades. Procedimento necessário devido o Brasil ser signatário da Convenção 169 da OIT, que recomenda que empreendimentos que afetem comunidades indígenas e tribais, aplicado às comunidades quilombolas, devem passar pela consulta livre, prévia e informada. Apesar da incoerência, haja vista a consulta deveria preceder a realização das obras e estas já estão ocorrendo nas comunidades, a Vale somente poderá realizar seus programas “compensatórios” e “mitigatórios”, condicionantes determinados pelo IBAMA para a realização da duplicação nos territórios das comunidades quilombolas, caso faça a consulta.
Desde 2012, como já dito, a Vale tenta fazer a consulta. Vários artifícios foram utilizados, como uma falsa oitiva, que resultou em denúncia no Ministério Público Federal. Tentativa de consulta das comunidades sem o entendimento do que é o procedimento e suas consequências e em ocasião que lideranças críticas ao projeto estavam ausentes da comunidade. No mês de outubro de 2013, a empresa pressionou novamente as comunidades para marcar a oitiva, o que resultou em nova denúncia na Defensoria Pública da União e não realização da mesma na comunidade Santa Rosa dos Pretos.
Sem nos deter nas diversas irregularidades que cercam todo o processo de tentativa de implementação da consulta, para os moradores o que fica é um discurso vazio de uma empresa que tenta a todo custo realizar seus projetos. “Como acreditar no que a Vale promete para as comunidades, se nem o acordo judicial ela cumpre? A Vale é estratégica, não respeita ninguém”, assevera Sr.Libâneo, ancião de Santa Rosa dos Pretos.
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Este artigo foi escrito em 2013 para publicação em boletim impresso. Para publicação neste veículo fizemos algumas modificações.