O presente desesperado das antigas cidades mineradoras mostra o futuro perigoso de quem recebe hoje novas minas.
por BRENO COSTA – ENVIADO ESPECIAL A SERRA DO NAVIO (AP)
Encravada na selva, separada de Macapá por 152 km de uma estrada esburacada, está Serra do Navio. Criada pela mineradora Icomi na década de 50, a cidade foi pioneira nos projetos de mineração na Amazônia. Mas a empresa foi embora e o município tenta se manter sozinho. Não tem conseguido. “A Icomi [Indústria e Comércio de Minérios] é um milagre dentro da região amazônica. Há escola, hospital moderno, supermercado, clube, piscina e cinema”, descreveu Rachel de Queiroz, morta em 2003, nesse trecho de texto publicado em 1965 na revista “O Cruzeiro”. A cidade não é mais assim.
Mas os moradores que viveram a época áurea, capitaneada pela exploração de mais de 60 milhões de toneladas de manganês, concordam com Rachel. Os sinais estão nas ruas esburacadas, nas casas que já foram referência arquitetônica e hoje ganham “puxadinhos”, no hospital que chegou a ter neurocirurgia e onde, atualmente, o paciente precisa levar seringa. Maria da Conceição do Carmo, 44, mora com duas filhas, um genro e cinco netos em um barraco de 15 m2 na área onde funcionava a churrasqueira da área de lazer da cidade. A dois metros de sua casa, uma quadra de futebol serve como pátio para deixar as roupas secando.
Mostras da derrocada.
A tarefa da prefeita Francimar Pereira (PT) e dos nove vereadores não é das mais simples. Os recursos, oriundos de tributos, não chegam a 7% do Orçamento de cerca de R$ 4,5 milhões. O resto vem de repasses do Estado e da União. A única semelhança com os primeiros anos é a dependência da mineração. O novo boom, iniciado por volta de 2004, trouxe gente de todo o país à cidade para trabalhar na vizinha Pedra Branca do Amapari, a 12 km dali.
Dona de tudo A Icomi era dona de tudo na cidade, um verdadeiro empreendimento privado amparado por um contrato de concessão com prazo de 50 anos, assinado em 1953. Tudo passaria para a União em 2003, ao fim do contrato. A empresa desistiu do manganês cinco anos antes. O acordo passou a não ser tão claro. Na disputa -que corre no Tribunal Regional Federal da 1ª Região-, estão União, Estado, município e a empresa que comprou a Icomi. Enquanto a questão não é decidida, o Estado vem tomando conta do espólio desde 2006.
O Estado faz campanha pelo tombamento da cidade, o que poderia gerar mais recursos. O Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) já abriu processo para garantir a preservação da cidade.
Fonte: www.folha.com.br/081851