A Vale ameaça reabrir a “mini-mina” Del Rey, a cinco Km do centro da primeira cidade de Minas Gerais, Mariana. Dois milhões de toneladas por ano de ferro extraído; mais do dobro de ‘estéril’ produzido; contaminação da falda freática, 500 caminhões por dia. A cidade se revolta. Vejam a seguir o Manifesto do movimento Mariana Viva. Foto: Philippe Revelli-MG
A sociedade civil organizada de Mariana reivindica atenção política para um problema coletivo e que exatamente por isso requer solução pública. Solução que somente os órgãos competentes podem providenciar no sentido de impedir uma tragédia anunciada: a reativação de uma mina a céu aberto em plena área urbana da primeira cidade de Minas Gerais.
A mera possibilidade de liberação das atividades de mineração dentro da nossa cidade é suficiente para nos afligir porque não temos, até agora, quase três meses depois do anúncio das intenções da Vale, qualquer certeza quanto ao posicionamento dos órgãos competentes no sentido de defenderem aquilo que foram eleitos para defender: os direitos dos cidadãos, suas liberdades substantivas, o direito de autodeterminação, de decisão quanto ao como e onde se quer viver, e, em especial, o poder de decisão quanto ao próprio futuro. Precisamos desse posicionamento para recuperarmos nossa paz.
Parece desnecessário enumerar a série de conseqüências, multiplicadas ao infinito, que os impactos sócio-ambientais de um empreendimento dessa natureza, a menos de 5 km do centro da primeira cidade politicamente organizada de Minas Gerais, podem causar. Muito se tem discutido sobre isso, e a conclusão é sempre a mesma para todos aqueles que se comprometem com o destino de Mariana: os prejuízos sociais, ambientais e inclusive culturais para a cidade seriam imensamente superiores aos poucos benefícios de caráter econômicos e privados – estritamente econômicos e privados, é preciso frisar.
O que deve ficar claro para aqueles que ainda não entenderam o espírito da nossa época é que a definição de qualidade de vida mudou; não se apóia mais exclusivamente nos cálculos quanto ao Produto Interno Bruto. As referências do bem-viver hoje são outras. Define-se qualidade de vida pela garantia de acesso: acesso à saúde, à educação, ao planejamento urbano, defesa do meio ambiente, do direito à informação, liberdade de expressão e pensamento que nos capacitam para a participação política e de defesa dos interesses da sociedade civil. A conceituação das “necessidades” humanas, nos termos de hoje, superam em muito o que empresas como a Vale e outras grandes mineradoras pensam poder definir para nós por meio de um mero Índice de Desenvolvimento Humano. Qualidade de vida é mais do que isso. É algo qualitativamente distinto, e que simples números não são capazes de traduzir.
Lutamos por qualidade de vida em uma cidade que tem expressa na sua forma de organização político-social as cicatrizes da exploração, da ética predatória da atividade mineradora sem marco regulatório. Temos, portanto, muito a temer.
No entanto a Vale resiste em informar-nos correta e minuciosamente, ou seja, impede nossa capacitação para participação das decisões quanto ao nosso destino, individualmente e coletivamente falando. O que, em si mesmo, já é motivo para preocupação. Contudo, podemos contar com a ajuda de pessoas responsáveis e de experiência no ramo de mineração, e registre-se, decepcionadas com o que viveram dentro dessas empresas nos últimos anos. Pessoas que, juntas, têm nos ajudado com informações balizadas. A partir dessas informações podemos operar por estimativa a fim de conferir alguma concretude ao tamanho do desastre, algum dimensioanmento dos impactos sócio-ambientais que se abaterão sobre nós. Podemos também nos antecipar e tentar dar alguma materialidade aos direitos que certamente nos serão usurpados caso os órgãos competentes não proíbam a reativação da Mina Del Rey.
Para começar é preciso definir o que a Vale tem classificado o empreendimento. Chama-se a Mina Del Rey de “mini-mina”. Dela pretende-se extrair – em termos de estimativas a partir de informações preliminares da própria empresa, reitero – aproximadamente 170 mil toneladas de minério por mês; cerca de dois milhões de toneladas por ano conforme “informação” da própria empresa. Ou seja, “mini” só se for para a maior mineradora do mundo: afinal dois milhões de toneladas correspondem a meros dois dias de atividade anual da Vale. Eis a pergunta que nos fazemos: É por dois dias que a Vale está disposta a colocar em risco a qualidade de vida da população de Mariana, composta por 54.200 pessoas, segundo dados do último censo?
Outra estimativa: para extrair 170 mil toneladas de minério por mês na mina Del Rey, será preciso movimentar algo em torno de 400.000 toneladas de terra por mês. O resultado disso é uma gigantesca pilha de “estéril” produzida diariamente, que vai sendo entulhada em algum lugar, ou melhor, no lugar da montanha que aos poucos desaparece. Esse “estéril”, como indica o próprio nome, é composto de substâncias minerais sem valor econômico para a empresa: material decomposto composto por substâncias altamente nocivas à saúde. Lixo. Poluição severa do ar. Agravamento dos problemas de respiratórios, um drama conhecido de todos que vivem aqui, e que sabemos ser ainda mais grave nas cidades onde as mineradoras exploram desenfreadamente.
Continuemos as estimativas. Da “mini-mina” sairiam por volta de 500 caminhões carregados por dia. Cada caminhão, 30 toneladas. 30 caminhões por hora. 16 horas por dia, sábado, domingo e feriados. Qualquer pessoa capaz de fazer operações matemáticas básicas é pode imaginar o que isso significa em termos de poluição. O que fica difícil imaginar é o tamanho do buraco.
Outra questão que preocupa, e que é preocupação do mundo inteiro hoje: água. Uso racional dos recursos hídricos, proteção das fontes de água. É público e notório que a atividade minerária provoca o rebaixamento do lençol freático. Pois bem, no caso da região onde se encontra a Mina Del Rey encontram-se quatro nascentes de água, inclusive o famoso Cristal. Provém dessas fontes 40% (quase a metade) da água que abastece Mariana. A proposta indecorosa é susbstituir as fontes por poços artesianos: queda drástica na qualidade da água, maior risco de contaminação, encarecimento dos custos de manutenção. A reativação da mina significa sem exageros substituir mina d’água por mina de minério. Assoreamento dos cursos de água, contaminação das fontes pelo material que cai no chão – óleo queimado, diesel usado nas máquinas e caminhões. Destruição dos morros, considerados as verdadeiras caixas d’água naturais de Mariana. Pergunta: vale a pena?
Podemos ainda dizer que a única coisa verdadeiramente “mini” na Del Rey são os dividendos a serem transferidos para o município. Se a mini-mina vai render alguma coisa, não é para Mariana. Os cálculos já podem ser feitos. Aliás já deveriam ter sido feitos. E sem se esquecer de considerar os ganhos da arrendatária. Porque é disso que se trata em última instância: terceirização de responsabilidade social e ambiental. Evidente que o valor que retornaria ao município não cobriria (como já não cobre) nem de longe, os prejuízos à cidade e a todos nós em termos de saúde pública, saturação do espaço e das estruturas urbanas, patrimônio (paisagem cultural) e meio ambiente. Deterioração do sistema viário, mais poeira, mais barulho, degradação topográfica da paisagem cultural (que atrai tantos turistas de todo o Brasil e do mundo) – tudo em nome de interesse em lucros imediatos que, sem as devidas providências das autoridades competentes passarão por cima de quaisquer interesses públicos.
Por fim é preciso que se destaque algo fundamental: é fato que para impor tamanha interferência na vida das pessoas e no destino coletivo da cidade, a Vale precisa de autorização. Nenhum desses atentados aos direitos das pessoas será impetrado se o poder público local e estadual, os órgãos competentes, o IPHAN, o IBAMA, a Câmara Municipal e os deputados estaduais e federais responsáveis pela representação do interesse coletivo não liberarem as licenças requeridas para a reativação da Mina Del Rey e estabelecerem limites mais severos à atividade mineradora. A população já sabe, pelo menos desde a audiência pública do dia 22 de junho, que o primeiro passo cabe ao prefeito e aos vereadores: sem carta de anuência não há exploração minerária dentro de Mariana.
Isso que dizer que a atenção de Mariana está concentrada nos políticos e autoridades locais que ainda não se posicionaram clara e explicitamente contra a mineração dentro do perímetro urbano. Até o momento somente três o fizeram: o prefeito Geraldo Sales Bambu, a vereadora Aída Anacleto e o ex-prefeito Roque Camêllo. É preciso saber com certeza de que lado nossos demais representantes estão. A população saberá retribuir, nas próximas eleições, a aqueles que assumiram a defesa de Mariana.
Enfim, para aqueles que ainda não sabem ou fingem não saber, o povo de Mariana não quer para si o destino de cidades como Paracatu e Congonhas; cidades que permitiram a mineração em área urbana e hoje pagam com a própria saúde por esse erro grave. Não em Mariana! Não somos tolos: a mineração, é claro, tem sua importância. Mas nunca ao ponto de justificar tamanha agressão à primeira cidade politicamente organizada de Minas Gerais – e às vidas de seus habitantes. Afinal, “Mariana é maior que isso tudo!”.
Informe-se! Comprometa-se! Contra a mineração em área urbana!
Fonte: Mariana Viva – http://marianaviva.blogspot.com/