Justiça nos Trilhos (JnT) conquista prêmio internacional e reforça luta em defesa dos direitos humanos
2 de maio, 2025

Reconhecimento global destaca a trajetória de resistência de Piquiá de Baixo e o papel da JnT na luta por direitos humanos e justiça socioambiental no Maranhão

“Nos trilhos do aço, pulsa a força do povo.”
Na arte de Zica Pires e Yasmin Silva, ganham forma as resistências das comunidades cortadas pela Estrada de Ferro Carajás (EFC).

A organização Justiça nos Trilhos (JnT), que há quase vinte anos atua ao lado das famílias de Piquiá de Baixo, em Açailândia (MA), foi anunciada vencedora do Prêmio Gwynne Skinner de Direitos Humanos 2025. A indicação foi feita pela Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH), e a premiação é concedida pela International Corporate Accountability Roundtable (ICAR).

A premiação reconhece a luta histórica de uma comunidade maranhense que, em meio ao barulho constante dos trens carregados de minério e ao ar contaminado pelas siderúrgicas, transformou o grito por justiça em força coletiva. Trata-se de uma resistência que atravessa décadas e agora ecoa no cenário internacional.

O Prêmio Gwynne Skinner valoriza o trabalho de organizações comprometidas com a responsabilização de grandes corporações por violações de direitos humanos. No caso da JnT, a conquista celebra, acima de tudo, a persistência de um povo que, após mais de 30 anos de sofrimento, alcançou uma vitória concreta: a construção do bairro Piquiá da Conquista. Hoje, 312 famílias reassentadas vivem em moradias dignas, afastadas da poluição mais agressiva, onde o ar já é mais respirável e a vida pode florescer com mais dignidade.

A história por trás do reconhecimento

O bairro Piquiá de Baixo ficou internacionalmente conhecido como um dos exemplos mais emblemáticos de injustiça ambiental no Brasil. Situado a 15 km da sede de Açailândia, a comunidade foi encurralada pela expansão predatória da mineração e da siderurgia. Ao redor das casas, foram instaladas siderúrgicas, a Estrada de Ferro Carajás (EFC) e um pátio logístico da Vale S.A. – tudo isso sem consulta prévia nem medidas de proteção à saúde e ao meio ambiente.

Ilustração-Memória de Piquiá de Baixo por Uriel Menezes

Durante anos, moradores conviviam com doenças respiratórias, contaminação do solo, barulho e destruição do seu modo de vida. Mas não aceitaram o silêncio como destino.

Desde 2007, com apoio da JnT, iniciaram uma luta estratégica: documentaram violações, buscaram apoio legal, fizeram denúncias internacionais e elaboraram um projeto coletivo de reassentamento. O resultado: em outubro de 2024, após um longo processo de mobilização e articulação, o novo bairro foi finalmente inaugurado.

“Este reconhecimento é resultado da luta histórica de Piquiá de Baixo e de todas as comunidades que seguem enfrentando o avanço predatório da mineração e da siderurgia. Mais do que uma homenagem à Justiça nos Trilhos, é uma celebração da capacidade dos povos de se organizarem, resistirem e conquistarem dignidade”, afirma Mikaell Carvalho, coordenador da JnT.

Entrega que simboliza conquista.
Mikaell Carvalho, da Justiça nos Trilhos, entrega as chaves em Piquiá da Conquista, ao lado da ACMP. Um gesto coletivo de resistência e recomeço. Foto: Wenner Davisson



A voz de uma mulher que não se calou

Entre tantas lideranças e moradores que sustentaram a luta com coragem e teimosia, Sebastiana Costa é um nome que se destaca. Educadora, comunicadora popular e fundadora do grupo Mulheres Saudáveis de Piquiá, ela viu sua casa ser tomada pela poluição e decidiu que não seria cúmplice da destruição do lugar onde nasceu.

“Essa vitória não é só nossa, é de todo mundo que acreditou que a gente merecia viver melhor. A Justiça nos Trilhos esteve com a gente em cada passo, e hoje ver nossas famílias respirando ar limpo, nossas crianças brincando sem medo da fumaça, é a prova de que valeu a pena lutar”, diz Sebastiana.

“Nem tudo se constrói de novo.”
Sebastiana Costa, agora moradora de Piquiá da Conquista, carrega em sua fala a memória viva de Piquiá de Baixo. O pertencimento persiste como ferida aberta — cicatriz de um desenvolvimento que não reparou afetos nem raízes. Foto: Yanna Duarte

Educadora Física por formação, Sebastiana segue como moradora ativa da comunidade, atualmente residindo em Piquiá da Conquista. Com mais de 19 anos de envolvimento direto em ações de defesa do território, participou de audiências públicas, encontros internacionais e iniciativas educativas, que consolidaram a força do protagonismo popular no reassentamento.

“Nunca foi só sobre casa. Sempre foi sobre o direito de viver com dignidade. A gente lutou pela vida, pela saúde, pela nossa história. E seguimos lutando”, afirma.

Um prêmio com nome e memória

O Prêmio Gwynne Skinner de Direitos Humanos homenageia a jurista e pesquisadora norte-americana que se dedicou à defesa dos direitos humanos e à responsabilização das corporações transnacionais. A escolha da Justiça nos Trilhos como vencedora de 2025 coloca o Maranhão no centro de uma agenda internacional por justiça socioambiental e reparação histórica.

Nesta edição, o comitê avaliador recebeu sete indicações de organizações e lideranças da África, Ásia e América Latina. A vitória brasileira mostra que lutas locais podem transformar políticas globais – e que comunidades invisibilizadas podem, sim, ganhar o mundo.

Justiça nos Trilhos: resistência em movimento

Com sedes em Açailândia e São Luís (MA), a Justiça nos Trilhos (JnT) é uma organização de direitos humanos e da natureza, fundada em 2007 por um coletivo de comunicadores, educadores, advogados e defensores de direitos. Surgiu como uma campanha para articular comunidades impactadas pela Estrada de Ferro Carajás (EFC) e, com o tempo, consolidou-se como uma rede e, posteriormente, como associação comprometida com a defesa dos modos de vida tradicionais, o bem viver e a denúncia das violações promovidas pelas grandes corporações do Programa Grande Carajás.

A JnT atua especialmente no acompanhamento de comunidades indígenas, quilombolas e camponesas do Maranhão e Pará, afetadas pela cadeia da mineração — que inclui ferrovias, siderúrgicas, portos e o agronegócio. Seu trabalho se organiza em quatro eixos principais: Educação Popular, Comunicação Popular, Assessoria Jurídica e Alternativas Econômicas aos grandes projetos. Também fomenta o controle social das políticas públicas e dos orçamentos governamentais, em articulação com redes, movimentos e organizações parceiras no Brasil e no exterior.

“Mãos unidas para assinar futuros.”
Justiça nos Trilhos, ACMP e Caixa Econômica Federal se encontraram no mesmo propósito: garantir que cada contrato assinado fosse mais um passo rumo à conquista da moradia digna em Piquiá da Conquista. Foto: Yanna Duarte

Entre suas frentes de atuação, destacam-se a formação política, a incidência internacional, o apoio jurídico e a produção de materiais de denúncia e resistência. Desde sua origem, a JnT acompanha de forma contínua a luta da comunidade de Piquiá de Baixo, fortalecendo mobilizações, documentando violações e promovendo campanhas públicas por justiça socioambiental.

A atuação da JnT segue como referência na luta por direitos humanos e justiça socioambiental nos territórios atravessados pela lógica do extrativismo no Maranhão e na Amazônia brasileira.

Uma vitória coletiva

O prêmio internacional é dedicado às famílias de Piquiá e a todas as comunidades que continuam resistindo aos impactos da mineração no Brasil. Mais do que um troféu, é um reconhecimento de que a luta popular pode transformar ruínas em lares, fumaça em ar puro, e dor em esperança.

“O papel que carrega uma vida inteira de luta.”
Francisca Sousa, a Dona Tida — presidenta da ACMP e moradora de Piquiá de Baixo — segura o contrato de sua nova casa em Piquiá da Conquista. Nas mãos dela, a conquista coletiva de um povo que nunca desistiu de sonhar com dignidade. Foto: Wenner Davisson
Imagens aéreas do bairro Piquiá da Conquista. Crédito: Wenner Davisson.

“Cada parede tem o traço de uma história.”
As casas de Piquiá da Conquista foram erguidas com tijolos de luta e alicerces de resistência. São fruto da caminhada incansável do povo de Piquiá de Baixo, que transformou dor em força e sonho em moradia.

“Essa conquista é um pedaço da nossa história que o mundo agora reconhece. Mas também é um aviso: a luta não terminou. Seguiremos em movimento, com os pés no chão da nossa terra e os olhos no futuro”, conclui Sebastiana Costa.


✳ Sobre a Justiça nos Trilhos (JnT)

Organização que atua no Maranhão na defesa dos direitos humanos, da natureza e dos modos de vida das comunidades afetadas pela mineração e pelo agronegócio.
Saiba mais: justicanostrilhos.org

✳ Sobre o Prêmio Gwynne Skinner

Reconhecimento internacional promovido pela ICAR, que celebra organizações exemplares na responsabilização de grandes corporações por violações de direitos humanos.
Informações: icar.ngo/about/gwynne-skinner-award