Justiça nos Trilhos
2 de fevereiro, 2009

O futuro maior pólo siderúrgico da América Latina, em construção na Baía de Sepetiba, ainda gera polêmica entre entidades ambientalistas. O complexo, que prevê a construção de uma usina siderúrgica e um terminal portuário às margens da baía, na Zona Oeste do Rio, incluindo uma ponte de acesso e um píer de 700 metros, destinado ao recebimento de carvão importado, está sendo construído pelo conglomerado industrial-siderúrgico portuário da TKCSA (Companhia Siderúrgica do Atlântico – CSA), formado pela Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e a empresa alemã Thyssen Krupp Steel (TKS).

A Gerência Geral de Relações Externas da companhia afirma que todas as etapas das obras estão em conformidade com as leis vigentes e que paneja investimentos de mais de R$ 10 milhões em promoções sociais, comerciais e de auto-sustentabilidade na região. Entretanto, representantes do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS), do Fórum de Meio Ambiente e Qualidade de Vida da Zona Oeste e da Baía de Sepetiba, ambientalistas, além de várias associações e federações de pescadores se opõem ao projeto e afirmam que a obra está provocando um grande impacto ambiental e prejuízos à atividade pesqueira.

Atualmente, ações cíveis reparatórias tramitam na Justiça Estadual e exigem indenizações de mais R$ 300 milhões pelos impactos causados nas comunidades locais. Segundo os opositores, cerca de 21,8 milhões de metros cúbicos de lama contaminada por metais pesados do fundo da baía removidos do fundo da baía seriam enterrados no fundo do mar em inseguras cavas.

Além disso, acusam o conglomerado por descumprimento do embargo feito pelo Ibama em 2007, violação dos direitos humanos, exploração de mão-de-obra chinesa irregular, trabalho degradante e crimes ambientais. De acordo com a economista Sandra Quintela, uma das representantes do PACS, o principal objetivo das articulações é questionar e se opor ao “modelo de desenvolvimento que exclui, destrói e polui”.

A Superintendência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) informou que a empresa assinou com a Presidência do órgão termo de compromisso relacionado à recuperação da área de manguezal suprimida em desacordo com a autorização que a mesma possuía – na área da ponte. -, “efetuando o pagamento da multa administrativa, concedendo então o desembargo desta área”. Atualmente, o processo encontra-se em “prosseguimento de análise”, na Administração Central do Ibama.

Marcelo Copelli

TRIBUNA DA IMPRENSA

Quais os principais impactos que a instalação da Companhia Siderúrgica do Atlântico já trouxe para a Baía de Sepetiba e suas adjacências? A médio e longo prazo, quais poderão ser as conseqüências de suas atividades?

SANDRA QUINTELA – Os impactos diretos são muitos. O mais grave é o problema da contaminação das águas por metais pesados, a exemplo do cádmio, do zinco, entre outros. A área de instalação da empresa se caracteriza por um enorme passivo ambiental deixado pela Ingá Mercantil, que faliu na década de 80 e deixou uma grande quantidade de materiais tóxicos na região a céu aberto, que acabou vazando e contaminando as águas e o solo. Desde então, os impactos foram sentidos pelos pescadores. Agora você pode me perguntar o que a TKCSA teria com a contaminação da Ingá? Nos últimos anos, antes dela se instalar na região, todo esse material contaminado por metais pesados estava sedimentado no fundo da baía. As águas vinham apresentando maior qualidade e os peixes estavam retornando. A vida dos pescadores e da população melhorava de forma significativa, em particular, os grupos que dependem do turismo. Entretanto, o início das dragagens provocou a retirada de material contaminado do fundo da baía e acabou remexendo em todo aquele material. A água voltou a ser contaminada. Os peixes são atingidos e a pesca fica muito prejudicada. Os pescadores calculam que a atividade já foi reduzida em cerca de 70% na região. A água da Baía de Sepetiba já apresenta uma coloração diferente, e o turismo corre o risco de acabar. Além disso, ao “sugarem” o material do fundo da baía, as dragagens levam junto muitos peixes e camarões. É bom destacar que a localidade apresenta muitos lugares onde os peixes se reproduzem. Em terra, a construção da usina e da ponte de acesso ao terminal portuário provoca a destruição de uma área enorme de manguezal e a morte de muitos animais que estão em extinção.

O Canal de São Fernando ficou bastante comprometido pela ação das obras da empresa. No longo prazo, nossas perspectivas são ainda piores. A produção de aço resulta em benzeno e em inúmeros outros resíduos que não apenas prejudicam a qualidade do ar, mas colocam em risco a saúde de toda a cidade do Rio. Interessante lembrar que se pretende instalar na região mais duas siderúrgicas (Gerdau e CSN). Somente a TKCSA consumirá, por ano, 4 milhões de toneladas de carvão mineral. É preciso considerar ainda a quantidade de navios de grande porte que circularão pela região. Isso implica uma enorme área de exclusão da pesca. Por outro lado, a Baía de Sepetiba é relativamente rasa, não sendo indicada para atividades portuárias que requerem maior profundidade. Ao longo do tempo terão que realizar novas dragagens, o que mais uma vez trará enormes impactos ambientais.

O governo estadual concedeu o licenciamento ambiental através da Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Feema), e a empresa alemã afirma que “todas as etapas da obra foram previamente licenciadas pelos órgãos ambientais responsáveis”. Entretanto, segundo o dossiê, existe a denúncia de que faltou transparência no processo. A senhora apontaria ilegalidades com a possibilidade, até, de cooptação de autoridades públicas?

Sim. No que concerne às autoridades públicas, ainda que não tenhamos como provar efetivamente, é curioso como um projeto dessa magnitude e cheio de irregularidades como as que a TKCSA apresenta, continue em pleno andamento, recebendo, ainda, elogios das mais diversas autoridades estaduais e da União.

Existe ainda a denúncia de que o conglomerado teria violado direitos humanos e trabalhistas, com o relato, inclusive, de exploração de mão-de-obra chinesa irregular e mortes na obra. Quais as principais questões a respeito dessas violações?

Segundo relatos de moradores da área, a empresa conduzia os seus trabalhos de construção da usina siderúrgica sem respeitar as mínimas condições de segurança, o que resultava em muitos acidentes dentro do canteiro de obras. A empresa sempre negou tais fatos, e ficava difícil comprovarmos essas denúncias por conta dos seguranças da empresa, normalmente, muito violentos. Ainda este ano, em uma visita do Ministério Público do Trabalho (MPT) ao canteiro de obras, as suspeitas foram comprovadas.
Os técnicos do MPT constataram que a empresa não respeitava as mínimas normas de segurança do trabalhador. As obras foram interditadas. Depois dessa visita, a empresa foi obrigada a assinar perante o MPT um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), se comprometendo a corrigir as irregularidades. Para reduzir os custos com a mão-de-obra, a empresa vem contratando sistematicamente imigrantes nordestinos e chineses. Os trabalhadores enfrentam péssimas condições de vida e de trabalho, além de constantes ameaças da milícia que atua na Zona Oeste. Em uma última visita do MPT foram encontrados 120 chineses sem documentos e sem contratos de trabalho, atuando como pedreiros.

De acordo com a empresa alemã, atualmente, cinco comunidades pesqueiras da região da Baía de Sepetiba vêm sendo objeto de diversas ações sociais. Existe, inclusive, a previsão de um investimento milionário em vários projetos sociais na área de influência da ThyssenKrupp CSA. A comunidade pesqueira estaria dividida em relação aos propósitos da empresa?

De fato, os moradores estão divididos. Parte deles foi seduzida pelas promessas iniciais de emprego e pela idéia de “desenvolvimento”. Mas, outra grande parte se opõe à obra e denuncia os impactos que a mesma vem provocando. Para angariar apoio, a empresa se utilizou de meios pouco éticos, “comprando” lideranças e manipulando as audiências públicas que são obrigatórias no processo de licenciamento ambiental. Em 2006, por exemplo, a empresa mobilizou pessoas que nem mesmo moravam na região para participar das audiências.
Chegou a pagar de R$ 30 a R$ 50 pela participação. Algumas lideranças dos pescadores também foram cooptadas. Em troca de apoio, a empresa aluga seus barcos e assina contratos de “prestação de serviços”, mantendo-os calados quanto aos impactos das obras. Essas falsas lideranças assinam documentos sem nem mesmo consultar os pescadores que representam. Na listagem de associações de pescadores que apóiam a empresa, tem pescador que nem mesmo mora na região. Existem denúncias de que a segurança da empresa vem sendo realizada pela milícia, o que coloca em risco a vida de todos os que se opõem à obra. Uma grande parte da população local é contra a implantação da empresa e não se intimida diante das ameaças. Muitas associações de pescadores além de entrarem na Justiça contra a empresa, têm realizado protestos e unido esforços para divulgar os crimes que a TKCSA vem promovendo na Zona Oeste.

Já existem articulações junto a órgãos internacionais?

Os pescadores denunciaram o caso no Tribunal Permanente dos Povos, em Lima, com grande repercussão. Recentemente, o caso foi, enfim, levado à Alemanha, com o objetivo de tornar visível no país de origem da companhia o que vem acontecendo no Brasil. Inúmeras ONGs alemães foram contactadas e se comprometeram a apoiar, em seu país, a causa dos pescadores. Nesta mesma viagem, foi realizada uma reunião com deputados alemães, que se comprometeram a denunciar o caso no Parlamento Europeu, cobrando um posicionamento da empresa. Estes mesmos deputados elaboraram um documento denunciando todos os crimes que a Thyssen Krupp vem cometendo no Brasil. Ano que vem pretendemos levar uma pequena comissão de pescadores à Alemanha para que eles mesmos possam denunciar tudo o que têm vivenciado por culpa da empresa.

O que a senhora teria a dizer a respeito do acordo fechado pelo BNDES com o empreendimento?

O empréstimo é da ordem de R$ 1,48 bilhão, concedido em 2007, apesar de denúncias das associações de pescadores que se reuniram com o banco em abril do mesmo ano, alertando que o BNDES poderia inclusive ser co-responsabilizado pelo ressarcimento dos impactos sociais e prejuízos econômicos que já vêm sendo provocados. Agora, no último dia 2 de outubro, voltamos a nos reunir no BNDES com a equipe técnica envolvida no projeto, a área jurídica e a Ouvidoria. Toda a documentação foi deixada lá e estamos aguardando uma próxima reunião ainda para este mês. Queremos que o financiamento seja suspenso.

Há como conciliar a atividade com os reais interesses de toda a região de influência?

A Baía de Sepetiba se interconecta com a de Ilha Grande. Um mesmo ecossistema. São vários municípios que vão desde o Rio de Janeiro até Parati. Imaginem milhares de navios passando, trazendo carvão mineral e levando placas de aço. A produção será 100% voltada para exportação. A simples circulação de mais de 10 milhões de toneladas por ano entre carvão e aço já assusta. Os navios deixam resíduos, além de impedirem a circulação de barcos de pesca e de passeios turísticos. A Baía de Sepetiba com esse projeto está ameaçada de morte, e a própria cidade do Rio também. Temos que começar a pensar que aquela região pode virar outra Cubatão. Esse modelo de “desenvolvimento” em curso trará morte e destruição. O Estado brasileiro tem que parar essa obra. É um terreno federal sem licença do Ibama. Os danos têm que ser reparados e a população indenizada.

“Os pescadores calculam que a atividade já foi reduzida em cerca de 70% na região. A água da Baía de Sepetiba já apresenta uma coloração diferente, e o turismo corre o risco de acabar”

“Para reduzir os custos com a mão-de-obra, a empresa vem contratando sistematicamente imigrantes nordestinos e chineses”.

“Para angariar apoio, a empresa se utilizou de meios pouco éticos, comprando lideranças e manipulando as audiências públicas”

“Na listagem de associações de pescadores que apoiam a empresa do Ministério Público Federal existem pescadores que nem mesmo moram na região”

“Os pescadores denunciaram o caso no Tribunal Permanente dos Povos, em Lima, com grande repercussão. Recentemente, o caso foi, enfim, levado à Alemanha. (…) deputados alemães se comprometeram a denunciar o caso no Parlamento Europeu, cobrando um posicionamento da empresa.”