Primeira edição do intercâmbio entre as comunidades aconteceu no início do mês de abril em Piquiá de Baixo, Açailândia (MA)
No centro do mundo, os moradores e moradoras experimentam o tempo de forma diferente. Há calma para acordar e despertar, buscar a água no brejo e preparar o café, realizar os afazeres de casa e do trabalho, e ainda ter aquele tempo pra conversar com o vizinho, entre outras coisas. No Quilombo Rampa, em Vargem Grande (MA), a vida é sentida assim, no presente. A primeira lição que os jovens de Piquiá de Baixo aprenderam com essa vivência foi a respeitar esse tempo.
Em setembro, no mês passado, aconteceu a segunda etapa do Intercâmbio Comunitário entre os jovens de Piquiá de Baixo e Quilombo Rampa, dessa vez em Vargem Grande (MA), município localizado a aproximadamente 172 km da capital São Luís. Com o intuito de fortalecer os laços a partir dos coletivos, o objetivo da vivência, que durou dois dias, foi partilhar as experiências em comunicação popular, que ambas as comunidades exercem como um instrumento de luta e resistência.
Sem um cronograma detalhado, respeitando o tempo e o espaço da vivência em comunidade, os jovens de Piquiá puderam conhecer os moradores, a história do quilombo e alguns locais importantes como a escola, igreja e a TV Quilombo, palco de muitas entrevistas e notícias, que os medonhos, como é conhecido os ouvintes, assistem diariamente.
Comunicação Popular em Ação
No primeiro dia de atividades, foi realizada uma roda de conversa entre os jovens de Piquiá de Baixo e o Quilombo Rampa na pracinha local. Cerca de 40 pessoas, entre moradores e não moradores, se reuniram para conhecer as histórias de ambas as comunidades. A abertura da noite ficou por conta de Raimundo José, criador e um dos apresentadores da TV Quilombo. Na ocasião, foi apresentado vídeos sobre a cultura da comunidade, como o famoso Tambor na Mata, atividade muito aguardada que acontece uma vez por ano e reúne gente de dentro e fora do quilombo.
Após os vídeos, Raimundo introduziu a história de Piquiá de Baixo para as pessoas ao redor. Em seguida, a própria comunidade se apresentou e contou um pouquinho dos enfrentamentos que realizam há pelo menos quinze anos contra a poluição e violação dos direitos humanos ocasionados da Vale S.A e grandes empreendimentos ao redor. Alguns moradores de Piquiá, como a educadora popular Sebastiana Costa, o gestor ambiental João Paulo e o jornalista da Justiça nos Trilhos, José Carlos, também falaram sobre a comunidade.
No dia seguinte, os jovens de Piquiá fizeram uma visita à rádio TV Quilombo, criada em 2017 por Raimundo com a chegada da internet na comunidade. Formado em geografia e apaixonado por comunicação, Raimundo fez ressoar as vozes dos moradores e moradoras que vivem no quilombo, construindo um lugar em que possam tecer narrativas sobre eles mesmos.
TV Quilombo
A TV Quilombo surgiu inicialmente sem equipamento algum, e a equipe costumava fingir que estava gravando. Com o tempo, improvisaram câmeras feitas de papelão, tripés e drones construídos com bambu. O objetivo do projeto era falar sobre a cultura do quilombo e o dia a dia dos moradores; uma forma de preservar a cultura e os costumes a partir da comunicação. Na época de isolamento da Covid-19, o meio de comunicação servia para traduzir as informações sobre o que estava acontecendo na linguagem dos moradores.
Com uma equipe que reúne jovens da comunidade, a TV Quilombo é construída por cada um e cada uma que compartilha, ouve e realiza as reportagens para o meio de comunicação. Não existe uma reunião de pauta ou organização do que deve ser produzido ou mostrado. Até mesmo na comunicação, a comunidade respeita o seu próprio tempo. O entrevistado diz como vai ser a entrevista e a TV Quilombo segue como muita diversão e autenticidade.
No ritmo do tambor
No último dia, os ânimos ferveram com a noite do tambor no quilombo Bombilhete da Rampa, localizado a cerca de 7 km do Quilombo Rampa. Nessa mesma noite, acontecia o festejo de São Miguel, com uma procissão e reza pelos fiéis. Após a procissão, os homens e mulheres pegaram suas saias, posicionaram o tambor e começaram a festa.
Enquanto tocavam, os homens bebiam doses de cachaças e as mulheres e crianças rodavam suas saias no ritmo da música. O clima era de festa e o espaço lotou. Cada vez mais chegavam adultos e adolescentes a pé, de bicicleta, moto e carro para a festança. Não tinha hora pra acabar, e as pessoas seguiram cantando e dançando.