II Intercâmbio Comunitário entre Piquiá de Baixo e Quilombo Rampa é marcado por vivências em comunicação popular ao som do tambor
14 de outubro, 2022

Primeira edição do intercâmbio entre as comunidades aconteceu no início do mês de abril em Piquiá de Baixo, Açailândia (MA)

No centro do mundo, os moradores e moradoras experimentam o tempo de forma diferente. Há calma para acordar e despertar, buscar a água no brejo e preparar o café, realizar os afazeres de casa e do trabalho, e ainda ter aquele tempo pra conversar com o vizinho, entre outras coisas. No Quilombo Rampa, em Vargem Grande (MA), a vida é sentida assim, no presente. A primeira lição que os jovens de Piquiá de Baixo aprenderam com essa vivência foi a respeitar esse tempo.

Em setembro, no mês passado, aconteceu a segunda etapa do Intercâmbio Comunitário entre os jovens de Piquiá de Baixo e Quilombo Rampa, dessa vez em Vargem Grande (MA), município localizado a aproximadamente 172 km da capital São Luís. Com o intuito de fortalecer os laços a partir dos coletivos, o objetivo da vivência, que durou dois dias, foi partilhar as experiências em comunicação popular, que ambas as comunidades exercem como um instrumento de luta e resistência.

Sem um cronograma detalhado, respeitando o tempo e o espaço da vivência em comunidade, os jovens de Piquiá puderam conhecer os moradores, a história do quilombo e alguns locais importantes como a escola, igreja e a TV Quilombo, palco de muitas entrevistas e notícias, que os medonhos, como é conhecido os ouvintes, assistem diariamente.

Comunicação Popular em Ação

No primeiro dia de atividades, foi realizada uma roda de conversa entre os jovens de Piquiá de Baixo e o Quilombo Rampa na pracinha local. Cerca de 40 pessoas, entre moradores e não moradores, se reuniram para conhecer as histórias de ambas as comunidades. A abertura da noite ficou por conta de Raimundo José, criador e um dos apresentadores da TV Quilombo. Na ocasião, foi apresentado vídeos sobre a cultura da comunidade, como o famoso Tambor na Mata, atividade muito aguardada que acontece uma vez por ano e reúne gente de dentro e fora do quilombo.

Após os vídeos, Raimundo introduziu a história de Piquiá de Baixo para as pessoas ao redor. Em seguida, a própria comunidade se apresentou e contou um pouquinho dos enfrentamentos que realizam há pelo menos quinze anos contra a poluição e violação dos direitos humanos ocasionados da Vale S.A e grandes empreendimentos ao redor. Alguns moradores de Piquiá, como a educadora popular Sebastiana Costa, o gestor ambiental João Paulo e o jornalista da Justiça nos Trilhos, José Carlos, também falaram sobre a comunidade.

No dia seguinte, os jovens de Piquiá fizeram uma visita à rádio TV Quilombo, criada em 2017 por Raimundo com a chegada da internet na comunidade. Formado em geografia e apaixonado por comunicação, Raimundo fez ressoar as vozes dos moradores e moradoras que vivem no quilombo, construindo um lugar em que possam tecer narrativas sobre eles mesmos.

TV Quilombo

A TV Quilombo surgiu inicialmente sem equipamento algum, e a equipe costumava fingir que estava gravando. Com o tempo, improvisaram câmeras feitas de papelão, tripés e drones construídos com bambu. O objetivo do projeto era falar sobre a cultura do quilombo e o dia a dia dos moradores; uma forma de preservar a cultura e os costumes a partir da comunicação. Na época de isolamento da Covid-19, o meio de comunicação servia para traduzir as informações sobre o que estava acontecendo na linguagem dos moradores.

Com uma equipe que reúne jovens da comunidade, a TV Quilombo é construída por cada um e cada uma que compartilha, ouve e realiza as reportagens para o meio de comunicação. Não existe uma reunião de pauta ou organização do que deve ser produzido ou mostrado. Até mesmo na comunicação, a comunidade respeita o seu próprio tempo. O entrevistado diz como vai ser a entrevista e a TV Quilombo segue como muita diversão e autenticidade.

No ritmo do tambor

No último dia, os ânimos ferveram com a noite do tambor no quilombo Bombilhete da Rampa, localizado a cerca de 7 km do Quilombo Rampa. Nessa mesma noite, acontecia o festejo de São Miguel, com uma procissão e reza pelos fiéis. Após a procissão, os homens e mulheres pegaram suas saias, posicionaram o tambor e começaram a festa.

Enquanto tocavam, os homens bebiam doses de cachaças e as mulheres e crianças rodavam suas saias no ritmo da música. O clima era de festa e o espaço lotou. Cada vez mais chegavam adultos e adolescentes a pé, de bicicleta, moto e carro para a festança. Não tinha hora pra acabar, e as pessoas seguiram cantando e dançando.