Entenda o que há por trás do acordo entre a Samarco e o Poder Público
24 de junho, 2016

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Em março deste ano, durante uma cerimônia restrita no Palácio do Planalto, tanto a Vale quanto a Samarco e BHP assinaram um acordo com os governos Federal, de Minas Gerais e do Espírito Santo para recuperar as regiões que foram prejudicadas pelo rompimento da barragem de Fundão. Porém, trata-se de uma manipulação entre os poderes para evitar que o maior desastre ambiental do país pare nos tribunais.

Tal acordo entre as partes dependia, na época, de homologação e consulta por parte do Ministério Público Federal e dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Mas na noite da assinatura do acordo, 02 de março, o MPF publicou uma nota oficial repudiando o que havia sido estabelecido pelos poderes. Veja um trecho:

“A Força-Tarefa considera a legislação socioambiental brasileira avançada e afirma que o acordo, nos moldes como foi desenhado, além de não garantir a reparação integral do dano, não segue critério técnico. Também não observou os diretos à informação e de participação das populações atingidas e, com relação aos povos e comunidades tradicionais, o direito à consulta prévia, livre e informada.”

Além do MPF, pelo menos 174 organizações e movimentos sociais também emitiram uma nota pública questionando e repudiando o acordo traçado entre os governos e as empresas.

De forma manipuladora e pelos bastidores, o texto integral do acordo acabou não sendo disponibilizado para a sociedade. Porém, o Comitê em Defesa dos Territórios Frente à Mineração teve acesso ao texto na íntegra.

Clique aqui para ler o acordo.

Pesquisadores do Grupo Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (PoEMAS), além de membros do Comitê e dos professores Bruno Milanez e Raquel Giffoni Pinto fizeram considerações sobre o Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta firmado entre os governos e as mineradoras.

Nas considerações, quando se refere ao acordo e aos grupos que fizeram parte dele, o que mais “chama a atenção é a ausência de representantes das populações atingidas, que não tiveram oportunidade de participar na discussão do Acordo, muito menos de influenciar na definição dos termos em que ele se daria”.

O Comitê e demais observadores ainda apontam a ausência do Ministério Público Federal e os Ministérios Públicos dos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo na assinatura do acordo.

Outro aspecto importante levantado foi a definição de impactados e o “Programa de Negociação Coordenada”. Segundo levantamento, o acordo apresenta uma série de restrições e exigências para que as pessoas sejam efetivamente reconhecidas como atingidas e, consequentemente, indenizadas.

[…] o Acordo faz uma série de exigências burocráticas que dificilmente serão atendidas por pessoas que tiveram sua moradia destruída e consequentemente, perderam todos os documentos que possuíam. Embora seja feita uma ressalva para “casos excepcionais”, o acordo transfere à Fundação o poder de decidir se outras formas de comprovação serão aceitas ou não”.

Para ler a análise completa sobre o acordo, clique aqui.

Ministério Público Federal calcula que o acordo deveria ser de R$155 bilhões

Antes mesmo do processo ter sido homologado, no final de abril deste ano, o MPF move uma ação civil pública segundo a qual o desastre deveria ser compensado por um valor oito vezes maior que o acordado, ou seja, R$155 bilhões. A Justiça Federal havia homologado no dia 5 de maio um acordo de apenas R$20 bilhões como compensação pelo desastre ambiental.
Em Defesa dos Territórios Frente a Mineração

Segundo o post acima do Comitê, os R$155 bilhões que deveriam ser pagos serviria para o solucionamento dos “problemas em que o desastre ambiental se desdobrou”, conforme relata documento do MPF.

Veja um resumo:

R$27,464 milhões serviriam para a conclusão do processo de identificação e delimitação da Terra Indígena de Sete Salões, no município de Resplendor (MG) — trata-se de comunidades afetadas pela ruptura da barragem. R$1,1 bilhão para recuperar ao menos 40 mil hectares de áreas de preservação permanente afetadas, além da recuperação de outras áreas ao longo da bacia do Rio Doce. R$4,1 bilhões para a instalação ou melhoria dos sistemas de saneamento básico de municípios atingidos ao longo do Rio Doce. R$15,5 bilhões é o valor mínimo pedido como indenização por dano moral coletivo pela tragédia.

R$1,5 milhão de multa diária para o caso de descumprimento das determinações.

Após uma ampla divulgação pela imprensa da ação civil pública movida pelo MPF, as ações da mineradoras envolvidas — Vale S.A e a australiana BHP Billiton — despencaram.

Pelo menos 100 entidades brasileiras e outras 27 estrangeiras emitiram nota de repúdio à homologação.

“A homologação do acordo, na verdade, acirra os conflitos, desconsidera a necessidade de reparação integral dos danos e aumenta o sofrimento decorrente da perda dos meios de subsistência, dos modos de vida e da memória impostos aos pescadores, pequenos agricultores, indígenas, populações tradicionais e meio ambiente. E acontece dois dias após a queda das ações da Vale e BHP com a notícia da instauração da ACP pelo MPF, com a estimativa de reparação dos danos na ordem de R$ 155 bilhões.”

Seguindo as organizações e movimentos sociais, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados também emitiu uma nota.

De título “Nota Pública da Presidência da CDHM sobre a homologação do acordo de Mariana”, a comissão afirma que “o acordo deveria visar à reparação, à mitigação e à compensação dos prejuízos decorrentes da tragédia de Mariana. […] Porém, na forma em que foi redigido, o instrumento serve acima de tudo para livrar os responsáveis de suas responsabilidades civis, administrativas e criminais”. A nota ainda reitera a exigência de que uma solução seja construída com a participação efetiva das atingidas e dos atingidos, além dos membros do MP diretamente envolvidos com a demanda nos territórios.

Nós, do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração, repudiamos o acordo e esperamos que os direitos de todos os atingidos pela maior tragédia ambiental já registrada na história do nosso país sejam cumpridos, além dos direitos do meio ambiente garantidos pela justiça.

Fonte: Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente a Mineração