CARTA ABERTA AOS CANDIDATAS/OS AO CONGRESSO NACIONAL E EXECUTIVO FEDERAL
10 de maio, 2022
Ilustração: biodiversidadla.org

No Brasil, os acordos de “livre” comércio de nova geração seguem na agenda do Congresso e têm potencial para entrar em pauta visando à sua ratificação. Caso isso aconteça, atuais candidatos/as ao Legislativo Nacional e à Presidência da República serão convocados a se manifestarem a favor ou contra as propostas de novos acordos de comércio. Em particular, no caso do Acordo entre Mercosul e União Europeia, presentemente em discussão, ficará sob a responsabilidade dos representantes eleitos o rechaço ou a reabertura de negociações. Considerando a aguda transformação da política internacional contemporânea, queremos, com esta carta, trazer à sua atenção os impactos dos acordos comerciais para o aprofundamento do modelo neoliberal.


A guerra na Ucrânia tem sido vista por muitos como um ponto de ruptura do cenário de globalização até aqui vigente. A hipótese apresentada por analistas afirma que o conflito pode vir a reconfigurar as dinâmicas da política internacional observadas no último quarto de século. No passado, a abertura comercial e a desregulação financeira em nível global figuravam como dois pilares para a construção da supremacia econômica dos países hegemônicos no sistema internacional, especialmente, os EUA. Hoje, novamente, o comércio e as finanças mostram-se estratégicos tanto para as mudanças no modo de funcionamento do capitalismo quanto para a percepção das oportunidades de acumulação do capital.


Comércio e finanças têm sido usados pelo governo brasileiro e seus apoiadores como meios para justificar uma inserção subordinada do país na economia global. A estratégia de participação nas cadeias globais de valor como fornecedor de matérias primas e minerais tem levado ao aumento da exploração minerária e à ampliação das monoculturas do agronegócio para exportação. O avanço da fronteira monocultora aumenta a demanda pela importação indiscriminada de agrotóxicos e outros contaminantes, diminui a biodiversidade e a saúde do povo brasileiro. Ao privilegiar o modelo extrativista, o governo incentiva o desmonte da indústria nacional, prejudicando as políticas de promoção de renda e trabalho digno. Enquanto restringe o financiamento às políticas públicas essenciais à proteção dos direitos humanos, promove o investimento privado nacional e internacional. Há, pois, clara opção pelo mercado em prejuízo da sociedade, conduzindo a uma dinâmica econômica concentradora de ganhos e socializadora das perdas.


Este é o caso de projetos de lei em pauta que, em ressonância às expectativas dos novos acordos comerciais, visam à flexibilização do licenciamento ambiental, à legalização de distintas formas de desmatamento e de grilagem, à exploração econômica em terras indígenas, à privatização de serviços públicos essenciais (tais como transporte, saneamento, saúde e educação) e de gestão de parques naturais a empresas transnacionais, assim como à abertura do setor de compras governamentais. É sabido, através das palavras do ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que a excepcionalidade da situação de pandemia contribuiu para que o governo “passasse a boiada” sobre a governança ambiental e as políticas sociais. Mais do que isso, no momento do isolamento social, as instâncias legislativas foram, na prática, fechadas à participação social e a política orçamentária foi conduzida sem qualquer transparência, inviabilizando o controle sobre os gastos públicos. A existência do chamado “orçamento secreto” é um escândalo, com o qual não podemos concordar.


Alinhada ao processo de desmonte que vem acontecendo com a liderança do governo federal, perpetuar e aprofundar a agenda de violação e retrocessos nos direitos é o que está em jogo nos capítulos dos acordos comerciais com a Europa. O acordo acentua a reprimarização da economia brasileira e atualiza os dispositivos coloniais que mantêm a dependência do país em relação à Europa, além incentivando a violência racista contra povos indígenas, comunidades negras, camponesas e tradicionais. Isto porque o dano ambiental associado à expansão do desmatamento e do agronegócio recai desproporcionalmente sobre os povos negro e indígena (e, em particular, sobre as mulheres).

Com tais preocupações, convocamos, junto a mais de 200 organizações e movimentos sociais reunidos na Frente Brasileira contra os Acordos União Europeia-Mercosul e EFTA-Mercosul (Área de Livre Comércio Europeia, composta de Suíça, Liechtenstein, Islândia e Noruega), a abertura de um diálogo pré-eleitoral com candidaturas progressistas ao Legislativo e Executivo. Nosso objetivo é contribuir para a formulação de plataformas partidárias que devem posicionar-se sobre estes acordos. Vale recordar que, no caso brasileiro, o processo de ratificação de acordos internacionais deve passar por discussão no Congresso Nacional, durante a sua fase de ratificação, embora a política externa seja prerrogativa da Presidência da República e do Ministério das Relações Exteriores. É nosso entendimento que a penetração da agenda internacional no campo da política doméstica e, particularmente, o seu efeito sobre os direitos, demanda uma participação cada vez maior dos representantes do povo nas pautas internacionais.

Como uma política pública, a agenda comercial também deve estar submetida ao debate com a população e a regras de transparência, de modo a que o poder corporativo não seja o único a se pronunciar sobre temas pertinentes.

A possível reconstrução do país após as eleições de 2022 e a formulação de novas estratégias de desenvolvimento, combativas em relação às múltiplas crises vividas hoje (econômica, sanitária, dos cuidados e ambiental), exige esse esforço coletivo. Esse é o momento de cobrar de parlamentares, membros do Executivo, candidatos, partidos e formuladores das políticas suas posições e concepções sobre esses temas. No mundo em que vivemos, não é mais possível separar as discussões da política internacional dos interesses domésticos e do seu impacto na vida cotidiana da população, povos indígenas, comunidades tradicionais e camponesas nos seus distintos territórios e territorialidades.

Por isso, é necessário democratizar a política externa e mobilizar o maior número de atores da sociedade civil brasileira o possível para debatê-la. Foi com esta intenção que a Frente Brasileira contra os Acordos União Europeia-Mercosul e EFTA-Mercosul foi criada em 20201. E é, também, com esse propósito que queremos, em 2022, reforçar o diálogo com os atuais mandatos e futuras candidaturas parlamentares e ao Executivo, denunciando o desenho de inserção internacional neocolonial proposta para os países do Mercosul e apresentando propostas alternativas de integração entre os povos, onde as relações comerciais respeitem os direitos humanos e o meio ambiente e sejam construídas para atender às necessidades dos povos e não do capital transnacional.

Assista ao vídeo da Frente Brasileira Contra Acordo Mercosul-UE e EFTA-Mercosul

Acordo UE-Mercosul: combustível da devastação da Amazônia, Cerrado e Pantanal

Vivemos tempos terríveis no Brasil, onde a devastação socioambiental se alia aos retrocessos antidemocráticos, corroendo conquistas e direitos adquiridos ao longo de muitas décadas. Como se não fosse suficiente esse cenário de destruição do país, o Estado brasileiro negocia tratados internacionais que podem dar ainda mais combustível a essa devastação, com consequências gravíssimas para as diversas regiões ecológicas brasileiras, em especial, Amazônia, Cerrado e Pantanal.

Um dos principais tratados que poderão contribuir para esse agravamento é o Acordo de Associação entre a União Europeia e o Mercosul. Confira na íntegra a reportagem.

Primeira declaração da Frente Brasileira contra os acordos Mercosul-UE/EFTA (2020)
Frente Brasileira contra os Acordos UE-Mercosul e EFTA-Mercosul se reúne com parlamentares brasileiros (2021)

Brasília, DF, 24 de março de 2022.