Buriticupu: moradores denunciam violação dos direitos humanos e cobram por um Estado mais justo | Justiça nos Trilhos
15 de agosto, 2013

“Fica decretado que, a partir deste instante, haverá girassóis em todas as janelas e que os girassóis terão direito a abrir-se dentro da sombra”. Foi lendo trechos do poema “Os estatutos do Homem”, de Thiago de Melo, que iniciou na quinta-feira 25 de julho a audiência pública no município de Buriticupu. Veja em anexo a ata completa do evento e a carta de reivindicações dos moradores.

Durante todo o dia, relatos de graves conflitos na região inteira, insatisfação com as instituições públicas e a esperança em um Estado mais justo foram manifestados.

A audiência começou às 9h00 e foi organizada pelo Fórum de Políticas Públicas de Buriticupu, com o apoio da rede Justiça nos Trilhos e da Ouvidoria da Defensoria Pública do Maranhão. Discutiu sobre as violações de direitos humanos na comarca de Buriticupu e a fragilidade institucional na região. Autoridades representativas do Estado estiveram presentes. Entre elas, a Defensoria Pública Estadual, a ouvidoria da Secretaria Estadual de Segurança Pública, a Delegacia de Polícia do Interior, o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos e uma representante da Secretaria Estadual de Direitos Humanos. 

Durante o evento, foram apresentados casos emblemáticos de violação do direito à saúde, à educação, à segurança, à liberdade de expressão, dentre outros. Um desses casos foi o assassinato de Raimundo Borges, no dia 12 de abril de 2012. Raimundo era conhecido como “Cabeça” e morava em Buriticupu há 27 anos, trabalhando pela reforma agrária e contra as ocupações irregulares de áreas de assentamento.

De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), que acompanha a família, cinco pessoas participaram do assassinato. “Dessas, quatro já foram indiciadas e presas, mas depois disso duas delas foram liberadas. O executor do crime ainda não foi preso”, relata uma representante da CPT. Segundo ela, desde novembro do ano passado está se esperando do juiz da comarca de Buriticupu, Dr. Ailton Gutemberg, a decisão de pronúncia a respeito do caso, que definiria a necessidade (ou não) do júri popular. 
O Dr. Ailton comprometeu-se publicamente a emitir essa decisão no prazo de duas semanas.

Pistolagem e violência
Outros relatos de crimes de pistolagem ocorridos nos últimos dois anos foram apresentados por esposas, irmãos, mães e amigos das vítimas. Todos cobraram por justiça, informação sobre as investigações de cada assassinato e agilidade do poder público. “Buriticupu é uma terra sem lei”, “aqui não existe justiça”, “eu tenho vergonha de viver em um município nessa situação”, “nós vivemos no faroeste”… Essas frases se repetiram do início ao fim da audiência.

O município de Buriticupu tem hoje quase 80 mil habitantes e segundo Valter Costa dos Santos, delegado da polícia civil de Santa Inês, que na ocasião representou o superintendente da Delegacia de Polícia do Interior, “em poucos municípios do interior vi delegacias com uma estrutura tão boa. Buriticupu está de parabéns quanto à estrutura”. O comentário causou insatisfação dos moradores, que além das estruturas precárias denunciam o número muito reduzido de policiais e a falta de respeito no atendimento às vítimas, na delegacia.

Moradores dos municípios de Bom Jesus das Selvas, Bom Jardim e de comunidades rurais do interior de Buriticupu denunciaram os impactos ambientais da região, provocados pela chegada de grandes empreendimentos como o Programa Grande Carajás. Além disso, a juventude relatou casos de violência sexual, violência urbana, preconceito e condições precárias no sistema de educação.

Foi um dia que gerou uma lista interminável de violações contra todos os tipos de direitos, graves denúncias contra a omissão do Estado e a fragilidade das instituições. 

Omissão e fragilidade do Estado
“È impossível trabalhar, numa comarca desse tamanho e com todos esses problemas, com somente um promotor de justiça, que inclusive está sendo obrigado a acompanhar contemporaneamente três comarcas da região! E o mesmo acontece com o juiz, que continua viajando entre Buriticupu e Arame”, desabafou um conselheiro tutelar.

Os representantes do Fórum de Políticas Públicas de Buriticupu resgataram publicamente um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que foi assinado em 2009 pelo Governador do Estado do Maranhão, a Secretária Estadual de Segurança, o Procurador do Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual de Buriticupu. Muitos compromissos assinados no TAC não foram cumpridos. 

O TAC previa, dentre outros compromissos, que até o dia 31 do mesmo ano fosse designado um delegado de polícia para o município. “Conseguimos o delegado, até quando os interesses políticos permitiram. Nesse ano o delegado foi retirado do município, com a desculpa que outro município precisava dele. Mas também Buriticupu precisa muito! O delegado era sensível e atuante. Fez a diferença. Queremos que a secretaria de segurança pública destine um novo delegado de carreira”, denunciam os representantes do Fórum. O descumprimento do TAC previa ainda uma multa diária de 1.000 reais para o Estado, o que também não está sendo cobrada.

Encaminhamentos
Durante a tarde, os representantes do Estado tiveram direito de resposta quanto a todas as denúncias relatadas pelos moradores. Alguns se comprometeram em agilizar a realização de reuniões com outras autoridades que não estavam presentes na audiência e prometeram dar maior atenção para as questões de violação dos direitos humanos no município.

As entidades e organizações presentes construíram um documento com as demandas relatadas. Eles cobram o cumprimento do TAC assinado em 2009, a implantação da defensoria pública na comarca, a instalação urgente da segunda vara no tribunal de Buriticupu, o aumento do contingente policial de Buriticupu, a instalação de uma vara judicial em Bom Jesus das Selvas, dentre outras urgências.

No final, os moradores de Buriticupu e região demonstraram confiança nos encaminhamentos que foram tomados durante a audiência. Agora, mais do que nunca, eles exigem garantias para seus direitos. 

Assim “como os girassóis devem ter direito a se abrirem dentro da sombra”, também à população deve ser garantido o direito de viver livremente, sem medo de ameaças ou morte.

Assessoria de imprensa JnT, 27 de julho de 2013; fotos: Marcelo Cruz.