De 23 a 26 de janeiro foram realizadas em Brumadinho atividades para reivindicar justiça e reparação integral à natureza e às famílias impactadas.
“Dia 25 de janeiro é um dia difícil pra mim, viver esse processo de luta é se colocar em frente ao universo do outro, que muitas vezes é completamente diferente do meu. Isso pra mim tem sido a forma de cura mais profunda que pude viver”, é assim que Marcela Rodrigues, descreve o primeiro ano sem o pai, Denílson Rodrigues, levado pelo mar de lama tóxica da Vale, em Brumadinho (MG).
O rompimento da barragem no Córrego do Feijão mudou completamente a rotina das famílias das 272 vítimas e das pessoas que vivem na cidade e comunidades no entorno, em especial, o povo indígena das etnias Pataxó e Pataxó Hã Hã Hãe, que teve seu modo de vida destruído pela morte do rio Paraopeba.
Convicta de que é preciso ter garra e lutar pelo direito à vida na Terra, a jovem Marcela se uniu ao Movimento Águas e Serras de Casa Branca e a Arquidiocese de Belo Horizonte, para, em memória de seu pai, fazer justiça e construir uma nova forma de viver na região castigada pela mineração.
“Não podemos mais aceitar que a nossa Terra seja sugada, que os povos sejam expulsos da nossa região!”
“Tentaram nos enterrar, mal sabiam que éramos sementes.”
As frases de apoio e protesto ecoaram após a fala de Marcela, em um dos momentos de homenagem às vítimas. Para que jamais se esqueça do maior crime socioambiental do Brasil, cometido pela Vale S/A, foi realizada pelo Movimento Águas e Serras de Casa Branca e Associação Comunitária Jangada, de 23 a 26 de janeiro, uma série de atividades pela Verdade, Justiça, Memória e Reparação Integral em Minas Gerais, em especial, no município de Brumadinho.
Marcela Rodrigues perdeu o pai Denílson Rodrigues, funcionário da Vale, que atuava na barragem da Mina do Córrego do Feijão
Para não esquecer – O mês de janeiro de 2020 foi marcado por uma campanha de alerta e conscientização sobre os impactos da mineração: o Janeiro Marrom. Além de material específico para as redes sociais, a Campanha Água Para Povos participou das ações da Campanha Janeiro Marrom durante a semana da data do crime socioambiental em Brumadinho.
No dia 23 de janeiro, na Escola Municipal Carmela Caruso Alluoto, em Casa Branca, a atividade “Valorizando a memória para ação presente”, trouxe à tona, por meio de expressões artísticas e rodada de diálogo, a história de luta e resistência entre 2010 a 2019, frente à mineração. Moradores, defensoras e defensores do bem viver na região participaram da ação. “Nestes 10 anos, vimos inúmeras violações de direitos e muitas mentiras. Se nossas diversas denúncias e críticas qualificadas tivessem recebido a devida atenção das autoridades competentes, o crime Brumadinho poderia ter sido evitado”, afirma Carolina Moura, coordenadora geral da Associação Comunitária Jangada.
Durante o evento, a Associação homenageou o Sr. Edvard Dantas, primeiro presidente da Associação Comunitária de Piquiá (Açailândia – MA), falecido na madrugada do dia 23, após 1 mês e 5 dias internado numa UTI, em Salvador (BA), por complicações resultantes da poluição a que esteve exposto durante mais de 30 anos. Morando em uma das comunidades afetadas pela Vale S/A no Maranhão, Sr. Edvard teve seus pulmões comprometidos pelas siderúrgicas que trabalham para manter o lucro da mineradora.
“Bruma de Brumadinho se foi embora…”, narra a canção de Dom Vicente Ferreira, autor do livro “Brumadinho: 25 é todo dia”, lançado durante a programação da 1ª Romaria da Arquidiocese de Belo Horizonte pela Ecologia Integral. Nos dias 24 e 25, movimentos em defesa da vida em Minas Gerais e no Brasil estiveram reunidos para homenagear os familiares das vítimas. O clima de fraternidade entre as pessoas renovou as esperanças.
Durante os 365 dias, a mística da igreja católica manteve viva a chama da solidariedade entre as pessoas, que vivem até hoje às sombras de um dia que jamais terminou.
Jorge Rasuck, diácono de Belo Horizonte (MG), ao celebrar a missa destacou a importância de manter o espírito de união. “Durante todos esses 365 dias, não faltou abraços e, foi exatamente isso que deu força para continuarmos fortes e resistentes. Que não esqueçamos disso. Abrace sua irmã e seu irmão ao lado. Dê a paz que essa comunidade precisa”, destacou o diácono.
A aldeia Naô Xohã com cerca de 200 indígenas das etnias Pataxó e Pataxó Hã Hã Hãe, vai às ruas em solidariedade aos familiares das vítimas e para reivindicar a realocação para outro território.
Segurando as fotos das vítimas, os familiares e pessoas de todo canto do país, desceram pelas ruas de Brumadinho relembrando o dia 25 de janeiro de 2019, com a mensagem: “Para que nunca se esqueça e nunca mais aconteça”.
O teólogo Leonardo Boff, participou da Romaria e trouxe durante a caminhada, uma sábia reflexão sobre a manifestação e o cuidado coletivo que uma tragédia como essa nos convida a fazer. “Assim como Jesus Cristo ressuscitou, a Terra precisa ressuscitar, e isso depende de nós. Depende de nossa capacidade inteligente de criar outras formas de utilizar os recursos naturais. Outro tipo de mundo, mais fraterno, bondoso e cuidadoso, onde podemos ter a discreta alegria de viver juntos.”
#Jangada Água Viva
Mesmo com o crime socioambiental no Córrego do Feijão, em Brumadinho, a Vale S/A ameaça retornar e ampliar as atividades extrativas no município, diretamente ou por meio de sua subsidiária (MBR), e com isso, podendo expandir a mina de Jangada, e consequentemente destruir as nascentes da região. Foi realizado dia 26 de janeiro, o pré-lançamento da campanha Jangada Água Viva, que tem o objetivo de defender as fontes naturais de água da comunidade de Jangada, lugar onde os moradores fazem a autogestão da água.
Ainda em clima de solidariedade após o evento de pré-lançamento da campanha #JangadaÁguaViva e em memória às vítimas do crime em Brumadinho, da sede do Movimento Águas e Serras de Casa Branca, as defensoras e defensores do bem viver, moradoras e moradores das comunidades em Brumadinho, seguiram em ato de manifestação até a praça São Sebastião, em Casa Branca.