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Enquanto o governo corre contra o tempo para tirar do papel o polêmico substitutivo ao projeto de lei 1610/96, que regulamenta a mineração em terras indígenas, solicitações para pesquisa mineral nessas áreas não param de chegar ao Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM). Levantamento feito a pedido do GLOBO revela que existem 4.519 requerimentos de pesquisa em terras indígenas aguardando o aval do Congresso.
Eles estão concentrados em 17 reservas na Amazônia Legal, como as dos ianomamis (RR) e dos caiapós, e têm como alvo desde ouro e cobre até níquel e estanho. Entre as empresas interessadas estão gigantes, como a Vale, e até multinacionais, como a anglo-sul-africana Anglo American.
Organizações defensoras dos direitos indígenas temem que a atividade provoque danos ambientais e comprometa os costumes de povos tradicionais, tornando-os dependentes de recursos financeiros externos. Também criticam o substitutivo por não dar poder de veto às comunidades e não resguardar áreas dentro das reservas para cultos, cultivo de grãos e moradia. Após grita do movimento indígena, a Funai fixou um calendário de audiências públicas, de forma que os grupos étnicos afetados pudessem ser ouvidos. A primeira está prevista para a próxima quinta-feira, em Rio Branco (AC).
Embora a maioria dos 4.519 pedidos seja da década de 90, nos últimos dois anos o número de solicitações voltou a subir: 102 em 2011 e 127 em 2012. Este ano, já há 12. Quem lidera a lista é a Mineração Silvana, do grupo Santa Elina (738). Em seguida vêm Vale (211, dos quais três protocolados em 2011), Mineração Tanagra (176); Mineração Serra Morena (166) e Mineração Itamaracá (125), controlada pela Anglo.
A Anglo disse que “desde 1996 mantém diversos pedidos de pesquisa mineral junto ao DNPM, a fim de identificar e mapear recursos minerais que possam abrigar operações no futuro”. Representantes da Serra Morena não foram encontrados. As demais companhias não se manifestaram.
O substitutivo prevê que as solicitações sejam anuladas e que sejam feitas licitações para a pesquisa nas reservas. Mas as mineradoras as mantêm ativas, na expectativa que as regras atuais sejam mantidas. Hoje, os pedidos são analisados por ordem de chegada no DNPM.
O que está por trás desse movimento é a recente alta dos preços das commodities e a proximidade do esgotamento das reservas minerais de qualidade no mundo, o que tem levado empresas a pressionar o governo a liberar a mineração em terras intocadas. Desde 2008, o preço do ouro dobrou. Não por acaso, é ele o alvo de metade (2.263) dos pedidos.
A liberação de novas fronteiras exploratórias deve ser entendida ainda no bojo das mudanças do Código Mineral no país:
— Há uma tendência na América do Sul de os governos mudarem as regras da mineração, com o objetivo de fomentar o desenvolvimento econômico e, ao mesmo tempo, ampliar a participação do Estado nessas riquezas, visando à obtenção de recursos para programas sociais. É o chamado neoextrativismo — diz Bruno Milanez, da Universidade Federal de Juiz de Fora, que estuda mineração e conflitos ambientais.
O maior número de solicitações (664) incide sobre as terras dos ianomamis. Segundo cálculos do Instituto Socioambiental (ISA), esses requerimentos cobrem 55% de seu território. Casos ainda mais alarmantes são os das reservas de Xikrin do Cateté e Baú, ambas no Pará, onde os pedidos cobrem 100% e 93% do território.
Além do risco de degradação ambiental, representantes do movimento indígena temem que a mineração crie uma dependência dos índios em relação a recursos externos, uma vez que estão previstos no substitutivo repasses de no mínimo 5% do faturamento bruto das mineradoras para as comunidades afetadas. Receiam ainda que haja uma substituição das obrigações do Estado, como o provimento de saúde, por contrapartidas oferecidas pelas empresas.
— Os povos indígenas que estão nas áreas de influência de grandes empreendimentos recebem cesta básica e dinheiro, o que inibe os mais velhos a passarem adiante conhecimentos tradicionais sobre lavoura e caça. O mesmo vai acontecer com a mineração. Quando a atividade acabar e a fonte de recursos cessar, as novas gerações não saberão tirar da terra sua subsistência — diz Cleber Buzatto, secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Constituição prevê consulta a índios
Os críticos também se opõem ao substitutivo porque este não prevê poder de veto aos índios. Se eles não aceitarem a mineração em suas terras, uma comissão da qual não participam, decidirá por eles. Outro ponto polêmico é que não há salvaguardas para as reservas. Em tese 100% das terras podem ser alvo de mineração.
A Constituição não prevê que os índios deem a palavra final sobre a lavra em suas reservas. No parágrafo terceiro do artigo 231, é dito que essa decisão cabe ao Congresso, mas os indígenas devem ser consultados, “ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei”. Na ausência desta, vale a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais, ratificada pelo Brasil em 2002, que insiste na consulta aos índios “por meio de procedimentos adequados”.
O problema é que ainda não há parâmetros para esses procedimentos — se a audiência deve ser em língua nativa, por exemplo. Um grupo interministerial foi formado com esse intuito em 2012, mas não chegou a conclusão alguma. A Funai, então, decidiu organizar as audiências, que serão realizadas até junho. Sobre a mineração em terras indígenas, a Fundação afirma que as discussões devem ser feitas “em conjunto com o Estatuto dos Povos Indígenas”, sob revisão. Para os críticos, o tema é tratado em projeto de lei para dar celeridade à sua aprovação. O Ministério de Minas e Energia, por sua vez, diz que “a regulamentação das atividades em terras indígenas é essencial para formalização das lavras ilegais”.
— O texto da Constituição foi o possível em 1988, tamanha a pressão das mineradoras. Não podemos deixar os índios de fora da discussão — afirma o antropólogo Ricardo Verdum, da Universidade de Brasília.
O autor do substitutivo, o deputado federal Édio Lopes (PMDB/RR), frisa que seu projeto cria fundos a longo prazo para que os índios não fiquem desprotegidos e que as reservas de povos cujo “estágio cultural” não lhes permita entender o debate serão preservadas. Ele descarta o poder de veto aos índios e espera votar o projeto ainda este ano.
— A mineração em terras indígenas vai acontecer com ou sem consentimento, então, é melhor que eles negociem.
Fonte: O Globo, 02 de março de 2013