No último 25 de abril, oito acionistas críticos,representando organizações membros da Articulação Internacional de Atingidos e Atingidas pela Vale fizeram-se presentes na Assembleia anual de acionistas da empresa. Os objetivos da participação neste espaço frio e de cartas marcadas são firmar uma posição, gerar constrangimento, responsabilizar a empresa pelos danos que causa e exigir respeito. Como os diretores da Vale não se mostraram capazes nem sequer de ouvir, conclui-se que as críticas incomodam, especialmente neste espaço completamente dominado por eles.
Um primeiro embate na assembleia foi a tentativa dos diretores da Vale de inibirem o direito de fala, alegando a irrelevância de assuntos relacionados a problemas de responsabilidade socioambiental da empresa para a pauta da assembleia, e anunciando que intervenções da plenária, mesmo por intermédio da leitura de votos por escrito, fossem limitadas a três minutos. Em resposta, os membros da Articulação disseram com firmeza não entender o que mais eles teriam para fazer que não ouvir os acionistas na Assembleia anual que existe exatamente para este fim. Além disso, foi colocado que os pleitos de acionistas para se discutir assuntos de responsabilidade socioambiental devem ser tratados com naturalidade, pelo fato de se relacionarem diretamente com questões de desempenho econômico e financeiro que estavam colocados na ordem do dia da assembleia. Mesmo assim, o que predominou foi um ambiente burocrático e autoritário, com tentativas de cercear as falas dos acionistas. Na leitura dos votos dos acionistas críticos, os microfones eram cortados aos três minutos de fala; a única opção era seguir com a fundamentação dos votos com a coragem da garganta!
Sobre o formato e institucionalidade da Assembleia foi demandada, pelo sexto ano consecutivo, a elaboração da ata detalhada, com os votos escritos anexados em sua íntegra, ao invés da ata sumária que comumente é realizada. A falta de transparência da empresa, o péssimo fluxo de informações entre a companhia e seus acionistas e o desinteresse por boas práticas em sua governança são nítidos.
A base para todas as críticas apresentadas foi a omissão da empresa no Relatório de Administração. Nenhuma menção é feita aos elevados riscos financeiros, jurídicos e socioambientais de empreendimentos que atuam com irregularidades no licenciamento ambiental, inclusive com fortes evidências de violações dos direitos humanos denunciadas em diversas ações ajuizadas. Por trás do discurso do acionista preocupado com a imagem, com a reputação, com a credibilidade da empresa no mercado e com a rentabilidade dos negócios, foram relatados casos emblemáticos, como o rompimento da barragem de rejeitos da Samarco (Vale e BHP Billiton), quando se destacou os absurdos de a empresa tentar reiniciar suas operações em Mariana, antes de concluir e divulgar resultados da investigação de suas causas e formalizar um plano de reparação de danos socioambientais, e ainda implantar mais três grandes barragens de disposição hidráulica (usando a mesma tecnologia ultrapassada da barragem de Fundão, que rompeu em Mariana) em uma importante área para o abastecimento humano de água da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Outros casos destacados pelos acionistas críticos foram o Complexo Hidrelétrico de Belo Monte, com suas gravíssimas consequências socioambientais e esquemas de corrupção, a ilegalidade do funcionamento da Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), as violações no Corredor Logístico de Nacala (Moçambique), o acirramento dos conflitos nos estados do Maranhão e Pará, fruto do desenvolvimento do projeto S11D e da duplicação da ferrovia Carajás, entre outros.
Foi apontada ainda a falta de investimentos em pesquisa e desenvolvimento e na aplicação de novas tecnologias (mais caras, porém menos impactantes). Destaque recebeu a necessidade de uma completa revisão na política de responsabilidade social corporativa e, ainda bem marcadas as críticas às estratégias da empresa, dentre elas, a formação de joint ventures e o aumento de produção aliado à redução de custos, algo que muito amplia o risco de acidentes de trabalho e desastres tecnológicos, tal qual ocorreu com a barragem de Fundão.
O único ponto levantado pelos acionistas que teve alguma resposta dos diretores da Vale foi sobre o rompimento da barragem da Samarco (Vale e BHP Billiton) em Mariana, que causou danos socioambientais ao longo da Bacia do Rio Doce até o litoral do Espírito Santo e Bahia. A empresa disse ter apoiado a Samarco em várias ações, como a compra de água potável, entre outras ações que consideramos insignificantes diante da magnitude da destruição causada à Bacia do Rio Doce. Sobre a causa, informaram que estão realizando uma investigação própria que será finalizada em junho/julho. Nesse ponto, quando os acionistas críticos perguntaram sobre onde os resultados da investigação estarão disponíveis, a resposta recebida foi (pasmem!) “não sabemos se iremos publicar”, o que demonstra que a empresa considera que não deve uma resposta à sociedade.
A proposta de remuneração dos administradores e dos membros do Conselho Fiscal foi também alvo de voto divergente por parte dos acionistas críticos, que a consideram absolutamente incoerente com a situação financeira da empresa: “É vergonhoso que apenas um de nossos diretores receba 848 mil reais por mês (sem encargos) enquanto vidas, comunidades e cidades inteiras foram e continuam sendo destruídas e aniquiladas por nossas atividades.” A objeção dos acionistas críticos tinha ainda mais razão de ser diante do fato de que, no mesmo momento, aos trabalhadores da mina de Fábrica, em Ouro Preto/MG, era imposto um lay off de três meses, período em que receberão apenas metade de seus salários que atualmente gira em torno de R$ 1.400,00.
Foi protocolada uma Nota de Repúdio às empresas mineradoras, firmada por 34 organizações de 12 países que estiveram no VI Encontro do Observatorio de Conflictos Mineros de América Latina[1], por meio da qual se exige que nenhuma nova barragem seja licenciada no Brasil até que se tenha o resultado das causas do rompimento e se avalie criteriosamente novas premissas e normas técnicas. E, ainda, que a sociedade seja efetivamente ouvida para decidir a respeito delas.
Por fim, foi apresentada uma moção pela renúncia coletiva das pessoas que ocupavam os cargos da Diretoria Executiva, do Conselho de Administração e do Conselho Fiscal à época do rompimento da barragem do Fundão. A mesa da Assembleia recusou-se a receber o documento, alegando não ser item da pauta. Foi necessário abordar após a Assembleia a pessoa responsável pelo relacionamento com os investidores da empresa para conseguir um protocolo.
Paralelamente a Assembleia de Acionistas, a Articulação realizou ato no centro do Rio de Janeiro, com aula pública abordando os impactos da mineração e as violações de direitos humanos da empresa Vale no Brasil e no mundo. O Largo da Carioca foi palco de intervenções culturais, performance teatral e exposição de fotos sobre o desastre de Mariana/Bacia do Rio Doce. O grupo caminhou até a antiga sede da empresa, na Rua Graça Aranha, no centro, onde grafitou, desenhou e escreveu palavras de ordem nos tapumes pretos que protegem o edifício.
Com esse conjunto de ações, a Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale procurou, mais uma vez, visibilizar a prática operante da empresa Vale de desrespeito sistemático de direitos humanos de comunidades, trabalhadores, indígenas, pequenos agricultores, quilombolas e etc. no Brasil e no mundo.