“Piquiá de Baixo é um dos casos mais audaciosos e de completo desrespeito pelos direitos humanos por parte das empresas”, enfatiza relator ao recomendar que é preciso garantir contribuições consistentes e imediatas do Governo e empresas envolvidas para satisfazer os desejos dos membros da comunidade.
Na última sexta-feira, 13 de dezembro, Baskut Tuncak, relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) na área de “Implicações da gestão e eliminação ambientalmente racional de substâncias e resíduos perigosos”, compartilhou observações preliminares de sua visita a Piquiá de Baixo e as demais comunidades.
Durante coletiva de imprensa, na sede da ONU em Brasília, ele fez recomendações para que o governo brasileiro e as empresas tomem as devidas providências para agilizar o andamento das obras do reassentamento como reparação efetiva dos direitos da comunidade de Pequiá de Baixo. Os repasses de recursos estão atrasados há três semanas, o que pode gerar paralisação das obras na semana que vem.
Para o relator, “a luta dos moradores de Piquiá de Baixo, que sofrem os impactos do transporte de minério de ferro e da siderurgia, literalmente em seu quintal, representa um dos casos mais audaciosos de um bando de companhias operando com um completo desrespeito pelos direitos humanos, e ao mesmo tempo uma história incrível de uma comunidade que continua lutando por seus direitos.”
“Muitos dos problemas ilustram a falta de respeito histórico das empresas brasileiras pelos direitos humanos e pela dignidade. A comunidade de Piquiá de Baixo está envenenada há décadas. Embora tenham sido feitos progressos no sentido de reassentamento dessa comunidade resiliente em um novo bairro onde possa viver com dignidade, as políticas caóticas e os cortes orçamentários do governo ameaçam abandonar essa comunidade porque sofre mais abuso de seus direitos pelas empresas. Vale, Viena Siderúrgica e Gusa Nordeste por tempo indeterminado”, ressaltou Tuncak.
Foram duas semanas de reuniões, encontros e conversas com as comunidades, membros do governo federal e dos estados por onde passou. Após averiguar a situação de violação de direitos humanos e ambientais no Maranhão e no Brasil como um todo, Baskut Tuncak deve elaborar um relatório completo com sua análise e recomendações ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, que será apresentado em setembro de 2020.
Vista a Piquiá de Baixo
Em missão institucional ao Brasil, o relator especial visitou a comunidade de Piquiá de Baixo (Açailândia – MA), no dia 07 de dezembro. A visita contou com o acompanhamento da Defensoria Pública do Estado do Maranhão (DPE/MA), de representantes da Justiça nos Trilhos, do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmém Bascaran, da assessoria técnica Usina – CTAH e da diretoria da Associação Comunitária de Moradores de Pequiá (ACMP).
Baskut visitou casas e ouviu moradores sobre os impactos e violações causadas pelas siderúrgicas e pela Vale. A primeira parada da comitiva foi no local onde ficam as pontes dos trilhos sob o Rio Pequiá. De lá, o relator teve uma visão geral do bairro, das siderúrgicas e dos trens e recebeu informações sobre impactos como a poluição do Rio.
Relator visitou casas e ouviu moradores sobre impactos causados pelas siderúrgicas (Foto: Idayane Ferreira)
Durante a visita, Baskut pôde ver a lona que os moradores utilizam entre os caibros e o telhado para tentar amenizar a entrada do pó de minério nas residências. Ouviu relatos sobre os problemas com o barulho e a poluição e as doenças que afetam principalmente as crianças e os idosos, como também, ouviu o relato de uma das vítimas de acidentes com a munha, resíduo incandescente derivado do processo de transformação do minério em ferro gusa, que é despejado próximo às casas dos moradores de Piquiá.
Foram apresentados dados de pesquisas realizadas no bairro referentes a poluição, como a que foi produzida pelo projeto Vigilância Popular em Saúde, composto por jovens moradores da comunidade, que após processo formativo com assessores da Fundação Osvaldo Cruz, realizaram medição dos particulados presentes no bairro, em 2016. “O que detectamos com a pesquisa foi que a poluição do ar em Piquiá de Baixo supera os índices recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que é de 25 microgramas por metro cúbico”, explicou João Paulo da Silva. “A gente realizava as medições nas casas dos moradores e constatou que os valores eram maiores durante a madrugada, ou seja, o horário em que as pessoas da comunidade estão dormindo é quando as siderúrgicas mais poluem”, pontou Gerliane Chaves.
Gerliane e João Paulo apresentaram dados de pesquisa sobre poluição em Piquiá de Baixo (Foto: Idayane Ferreira)
Além dos moradores de Piquiá, o relator também ouviu três moradores da zona rural de Açailândia e um morador do Tocantins sobre as problemáticas causadas na região pelos agrotóxicos utilizados na monocultura de soja e eucalipto. Ao final dos relatos, ele agradeceu aos moradores e explicou que será elaborado um relatório para conhecimento de toda comunidade internacional. A visita em Açailândia finalizou com a ida as obras do reassentamento, Piquiá da Conquista.
Comunidades da Grande Ilha São Luís: Taim, Cajueiro e estudiosos do Maranhão foram ouvidos
Baskut Tuncak esteve em São Luís, no dia 09 de dezembro, e ouviu pesquisadores e representantes de movimentos populares e comunidades impactadas pela cadeia da mineração. Na ocasião, moradores da zona rural da capital, que sofrem com o alto índice de poluição, relataram como os poluentes tem afetado a vida humana, fauna e flora na Grande Ilha São Luís. Os saberes e relatos das dificuldades para sobreviver nestas áreas, juntamente com estudos de especialistas desenharam a realidade das regiões impactadas.
Em São Luís, o relator esteve reunido com pesquisadores e moradores da zona rural (Foto: Yndara Vasques)
Participaram da reunião, Guilherme Zagallo – Movimento de Defesa da Ilha – Relator Nacional da Plataforma Dhesca para violações de direitos humanos, Horácio Antunes – Doutor em Sociologia, Coordenador do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) – Universidade Federal do Maranhão, Alberto Cantanhede Lopes – Pescador na comunidade do Taim, Maria Raimunda Cesar – Coordenação Nacional MST (Contaminação por agrotóxicos Fazenda Santa Barbara – Marabá/PA), Zulimar Marita Rodrigues – Doutora em Geografia Humana, Coordenadora do Mestrado em Geografia e Professora do Mestrado em Saúde e Ambiente da Universidade Federal do Maranhão e Clovis Amorim – Presidente eleito do Sindicato dos Pescadores de São Luís.
Por Lanna Luiza e Idayane Ferreira