No próximo dia 25 de janeiro completa-se um ano de um dos maiores crimes socioambientais cometidos pela mineradora Vale no Brasil: o rompimento da barragem da mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), que matou pelo menos 259 pessoas já identificadas, além de dois nascituros, Lorenzo e Maria Elisa, que morreram no ventre de suas mães. Onze pessoas seguem desaparecidas.
A avalanche de cerca de 12 milhões de metros cúbicos de lama tóxica que soterrou mulheres, homens, animais e vegetação também matou o rio Paraopeba a 40 km de distância da barragem rompida, impactando povos originários, fauna e flora que dele dependiam.
Em 2015, a Samarco, subsidiária da Vale e da anglo-australiana BHP Billiton, já tinha cometido o mesmo crime em Minas Gerais. O rompimento da barragem do Fundão, no município de Mariana, matou 19 pessoas e deixou um rastro de destruição com 40 milhões de metros cúbicos de lama tóxica arrasando animais, vegetação, comunidades, casas, o Rio Doce e parte do litoral brasileiro.
Tanto Samarco quanto Vale sabiam, de antemão, do risco real de rompimento das barragens, mas não tomaram nenhuma providência para evitar as tragédias. Até agora, ninguém foi punido por nenhum dos dois crimes.
A indignação com a impunidade, com a conivência e omissão do Estado e o poder de atuação de mineradoras em Minas Gerais levou integrantes do Movimento pelas Serras e Águas de Minas (MovSAM) a criarem a campanha “Janeiro Marrom”. O objetivo da campanha, segundo Maria Teresa Corujo, integrante do movimento e ambientalista em Minas Gerais, é lembrar, ao longo do mês de janeiro, o crime da Vale em Brumadinho e visibilizar o papel do Estado e dos aliados das empresas de mineração que também são responsáveis pelo crime.
Além disso, há o alerta “sobre a mineração que mata e assombra pessoas, destrói comunidades e biomas, vidas, fauna, flora, paisagem, qualidade do ar e solo, nascentes, aquíferos e rios e, de forma implacável, avança sobre territórios inviabilizando outras formas de viver, viola direitos e faz uso das mais diversas estratégias para deixar refém a população”, completa Maria Teresa, que também integra o Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela e o SOS Serra da Piedade.
Aliança entre Água para os Povos! e Janeiro Marrom
Durante o mês de janeiro, o capítulo brasileiro da campanha “Água para os Povos” estará unido à campanha “Janeiro Marrom” publicando reportagens neste site sobre o crime da Vale e conteúdos exclusivos no Twitter, Facebook e Instagram sobre Brumadinho e sobre a resistência de povos e comunidades às violações cometidas por empresas do setor de mineração. As tragédias de Mariana e Brumadinho deixam entrever, de maneira superlativa, as tragédias diárias de centenas de comunidades brasileiras, como Piquiá de Baixo (Açailândia/MA) e Santa Rosa dos Pretos (Itapecuru-Mirim/MA), violadas há décadas pela Vale e pela mineração.
A seguir, confira a entrevista concedida por Maria Teresa Corujo ao site.
Viver ao lado das siderúrgicas ficou impossível na comunidade Piquiá de Baixo. Vale é uma das principais responsáveis pelas violações contra moradores do local. Foto: Marcelo Cruz
O que é o “Janeiro Marrom” e como surgiu?
O Janeiro Marrom é uma campanha de conscientização e alerta, à semelhança do Outubro Rosa e Novembro Azul, que hoje fazem parte do calendário anual de campanhas. Surgiu em dezembro a partir da ideia de Guto que, junto com outros integrantes do Movimento pelas Serras e Águas de Minas (MovSAM) do qual participa, desenvolveram o plano inicial que foi compartilhado com outros ativistas para sua realização.
Em que consiste a iniciativa?
A iniciativa consiste numa campanha por meio das redes sociais a partir da adesão de organizações, movimentos e pessoas que se unem em um coletivo para abraçar e realizar o seu objetivo. Durante todo o mês de janeiro será divulgado material que reúne dados, informações, esclarecimentos, reflexões e notícias relevantes sobre a mineração e seus impactos sobre comunidades e ambientes e como o Estado tem sido omisso ou conivente. A campanha também irá dar visibilidade a atos, eventos e manifestações relacionados com o marco de um ano do rompimento ocorrido em 25 de janeiro de 2019, como a 1ª Romaria Arquidiocesana pela Ecologia Integral a Brumadinho.
Como pessoas, grupos e entidades podem apoiar o “Janeiro Marrom”?
Aderindo à campanha como já está acontecendo com o uso do lacinho marrom nas fotos de perfil no facebook e nas logomarcas de organizações e movimentos que já participam do Janeiro Marrom. Seguindo a campanha @janeiromarrom no Instagram e no Twitter e compartilhando com amigos, gravando um vídeo de apoio à campanha usando a [hashtag] #janeiromarrom (máximo 1 minuto), realizando ações pelo Janeiro Marrom no seu município e enviando fotos/vídeos para serem publicados (janeiromarrom@gmail.com) e acompanhando as postagens no blog da campanha.
Em que contexto foi criada a campanha?
O Janeiro Marrom foi criado porque estamos indignados com a impunidade em relação aos crimes da Samarco (2015) e da Vale (2019) e a hegemonia e poder que a mineração tem em Minas Gerais apesar dos graves impactos e violações há décadas. A verdade é que para as empresas de mineração e grande parte de autoridades, governos, prefeituras, políticos e judiciário é como se nada tivesse acontecido em Brumadinho. É como se não tivessem morrido 272 pessoas (dois bebês morreram junto de suas mães grávidas), acabado com trecho do rio Paraopeba e destruído a captação de água que abastecia milhares de pessoas. É como se em 2015 o Rio Doce e o litoral não tivessem sido impactados da forma que foram, 19 pessoas não tivessem morrido, Bento Rodrigues e outras comunidades destruídas, povo Krenak perdido o seu rio Watu e milhares de pessoas sofrido diversos tipos de perdas.
O rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco, cujos donos são a Vale a anglo-australiana BHP, causou uma enxurrada de lama que inundou várias casas no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, na Região Central de Minas Gerais. Inicialmente, a mineradora havia afirmado que duas barragens haviam se rompido, de Fundão e Santarém. No dia 16 de novembro, a Samarco confirmou que apenas a barragem de Fundão se rompeu. Local: Distrito de Bento Rodrigues, Município de Mariana, Minas Gerais. Foto: Rogério Alves/TV Senado
Temos assistido o Estado pautar reiteradamente, com pareceres favoráveis, projetos minerários onde existem barragens que são “bombas relógio”. Por exemplo, no dia 20 de dezembro de 2019, em reunião da Câmara de Atividades Minerárias (CMI) do Conselho Estadual de Política Ambiental que durou doze horas ininterruptas, foi concedida Licença de Operação para um alteamento da barragem da Anglo American, em Conceição do Mato Dentro (MG) que vai ter cerca de 300 milhões de metros cúbicos de rejeito, mesmo com comunidades na chamada Zona de Autossalvamento (que nós chamamos de Zona de Alto Risco de Morte), o que a Lei, conhecida como Mar de Lama Nunca Mais, veda expressamente. Com parecer jurídico favorável da Advocacia Geral do Estado que não acatou uma recomendação do Ministério Público Estadual. Dez dos doze conselheiros votaram a favor da licença à revelia da lei.
A perspectiva de novos rompimentos é muito real pela forma como a questão vem sendo tratada porque não se vê por parte das autoridades qualquer ação eficaz. Temos regiões em Minas Gerais como Itabira, Alto Rio das Velhas e Paracatu com barragens de rejeito com uma quantidade enorme de pessoas no entorno. Em Itabira existem cerca de 10 mil pessoas morando na Zona de Autossalvamento das 17 barragens de rejeito da Vale e no ao Alto Rio das Velhas há mais de 50 barragens de rejeitos que, se romperem, descem pelo rio e inviabilizam o abastecimento de água de mais de dois milhões de pessoas de Belo Horizonte e sua região metropolitana. Algumas com volume que pode destruir até o Rio São Francisco.
Estamos indignados e repudiamos que as soluções dadas sejam, por exemplo, treinar pessoas para se autossalvar enquanto se permite que a mineração continue operando barragens e ampliando complexos minerários onde estas barragens estão incluídas, sem falar nas novas que vêm sendo licenciadas. Não aceitamos que as soluções sejam só colocar sirenes, placas de rotas de fuga e pontos de encontro, enquanto o status quo da mineração continua como se nada tivesse acontecido e se continuam licenciando “a rodo” empreendimentos minerários. E ainda temos o que chamamos de “terrorismo de barragens” que vem evacuando pessoas dos territórios alegando riscos que não são confirmados e ainda justificam grandes obras “emergenciais” que causam graves impactos socioambientais e são construídas depois das comunidades, o que significa que de nada servem, a não ser a interesses de expansão ou de novas minas nessas regiões.
Por isso a necessidade de ampliar a conscientização da população sobre a mineração e trazer à tona a verdade sobre essa atividade extrativista que é quase como uma caixa-preta porque o setor blinda e constrói estratégias de marketing para que a população seja enganada. A partir do momento que a maior parte da população conhecer o que nós, ambientalistas, já sabemos há anos, o que as comunidades do entorno da mineração já vivenciam há anos, o sofrimento e o impacto, nós vamos ter uma grande pressão social para colocar contra a parede essas empresas e autoridades. É vergonhoso, cruel e violento o que vivemos em Minas Gerais.