Diante do cenário sociopolítico e econômico, a Justiça nos Trilhos (JnT) promoveu espaços para tecer junto com parceiros uma análise de conjuntura em seus dois polos de trabalho, Açailândia (07) e São Luís (09 e 10). A realidade das comunidades maranhenses que lutam para preservar seus modos de vida contra a expansão da soja e eucalipto nos territórios, bem como a pulverização de agrotóxicos que vem adoecendo os/as trabalhadores/as e a expansão da zona portuária na capital São Luís e Alcântara foram temas centrais.
No início deste mês de fevereiro, a JnT recebeu a visita do geógrafo alemão e assessor de Misereor, Constantin Bittner, ao Maranhão. A organização parceira da JnT desde 2007, veio ao Brasil para ouvir e conhecer de perto as comunidades afetadas pela cadeia da mineração e agronegócio no Brasil, com paradas em Brumadinho (MG) e Açailândia e São Luís (MA).
Nesse contexto, as comunidades enfrentam os impactos causados pela mineradora Vale S.A. na região, com o processo de escoamento do minério que sai do Pará ao Porto de Ponta da Madeira, em São Luís (MA), para ser exportado para outros países. Essas atividades causam sérias violações de direitos humanos às comunidades atravessadas pela Estrada de Ferro Carajás (EFC), por onde é transportado os minérios.
Em Açailândia (MA), a reunião contou com movimentos sociais como o MST, vereadores, defensores dos direitos humanos, militantes e comunidades que vivem na pele essa situação, onde após a análise de conjuntura, a JnT apresentou seus eixos de trabalho para Constantin.
Invasão da soja
Entre as lutas enfrentadas pelas comunidades que são atravessadas pela Estrada de Ferro Carajás (EFC), há a expansão da soja e eucalipto nos territórios. É o caso dos assentamentos Francisco Romão, João do Vale, Planalto 1 e o acampamento Agroplanalto, localizados na zona rural próximos a Açailândia.
Com o avanço dos empreendimentos industriais, essas comunidades vivem um acirramento de conflitos frente ao avanço da soja em suas áreas. Os sojeiros entram nas comunidades por meio da compra de lotes, arrendamentos ou contratos florestais, no caso do plantio de eucalipto. Com isso, homens e mulheres acabam saindo de suas terras e, por isso, tem o feitio de suas roças e modos de vida tradicionais ameaçados pelo avanço do agronegócio.
Divina Lopes, da coordenação do MST Nacional, aponta para a realidade avassaladora do projeto de expansão do agronegócio no Estado, com as commodities. “Essa região foi pensada também dentro de um projeto de desenvolvimento focado na extinção de nossas diversidades. Viver nessa região onde a gente vive é estar na ponta de lança do desenvolvimento dos projetos do capital”, analisa.
Para ela, um dos inimigos das comunidades é a soja que entra com agressividade nos territórios. Com a eleição do atual presidente Lula, o terreno é mais seguro para disputas, mas não facilita os desafios que a organização popular e movimentos sociais têm pela frente.
“A gente está vendo agora a vitória do Lula com a participação do povo. E esse povo é o que está com mais risco de não ser contemplado nas decisões deste governo. Acho que passa pela política do clima e temos que ter cuidado, o capitalismo verde também ameaça a autonomia dos povos e pode acabar com os modos de vida das populações. As privatizações vão continuar. Essas questões só vamos pensar com participação popular. O que vamos pautar para esse novo governo? Quais os direitos que vamos pautar? Estamos em outro chão, mas o desafio continua”, questiona.
As violações dos direitos humanos e da natureza aumentaram e o acesso à terra pelas comunidades se tornou cada vez mais difícil com a construção da Estrada de Ferro Carajás (EFC) que, junto a cadeia da mineração, expulsam moradores/as de suas terras por causa de uma estrutura colocada a favor das empresas. Nessas terras, hoje, as pessoas são convencidas a vender e/ou arrendar, o que coloca os trabalhadores em mais uma dependência”, analisa um dos integrantes da equipe de fortalecimento comunitário da JnT.
Larissa Santos, coordenadora política da JnT, ressaltou a importância que a organização assumiu recentemente na mudança de sua missão. “Nós tínhamos essa especificidade de atuação só no âmbito da mineração – entendendo também que a gente não dá conta de tudo –, mas achamos importante atualizar a nossa missão. Entendemos que a expansão do agronegócio é uma consequência da abertura dos caminhos que o projeto de mineração trouxe para a nossa região”, afirma.
Pulverização de agrotóxicos pode ser causa de doenças nas comunidades
Uma moradora e produtora rural de um dos assentamentos citados, não mencionada aqui por questões de segurança, explica que na entrada das comunidades é possível ver as violações. O avanço da soja e do eucalipto, bem como a proximidade com as plantações dos/as moradores/as e a casa das pessoas, vêm causando doenças e possíveis mortes nessas comunidades, devido à pulverização aérea de agrotóxicos lançados nas plantações de soja.
As pessoas relatam dores nos ossos, dificuldades de respirar, coceiras e outros problemas que se localizam nesse contexto de avanço do agronegócio e da mineração. As violações são ambientais e sociais, e a moradora acredita que “a força entre os movimentos sociais é que deve indicar as nossas estratégias para nós permanecermos em nossas comunidades com saúde e terra […] porque a gente quer continuar pertencendo. A gente quer o pão e a terra pra continuar vivendo”, ressalta ela.
Trabalho escravo no Maranhão
Mariana de la Fuente Gómez, do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmen Bascarán, chamou atenção para a realidade do trabalho escravo no Estado, que se conecta com o avanço dos grandes empreendimentos. Segundo o Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo, o Maranhão é o maior exportador de mão de obra escrava do país. Entre 2003 e 2021, 8.636 maranhenses foram resgatados em situação de trabalho análogo à escravidão.
Com isso, “o trabalho do Centro de Defesa em Açailândia, concentra-se no atendimento de trabalhadores/as e em comunidades para tentar desenvolver atividades econômicas nesses territórios. Estamos falando de pessoas que são forçadas a modos de trabalho que tiram as suas dignidades”, explica ela.
Açailândia é uma cidade cercada por empreendimentos industriais como siderúrgicas, empresas de cimento e o agronegócio, movimentando uma riqueza que não fica na cidade e muito menos no Estado. No entanto, dados do CECAD – Sistema de Consulta, Seleção e Extração de Informações do CadÚnico, apontam que 30,9% da população do município vive em situação de pobreza e extrema pobreza. O Maranhão tem um dos IDHs mais baixos do país, ao seu redor e no seu interior, se concentram muitos casos de violações de direitos humanos.
Expansão e criação de novos portos em São Luís e Alcântara ameaça a vida de comunidades tradicionais
No polo de São Luís, a JnT a análise se concentrou nos impactos da cadeia da mineração e agronegócio nas comunidades da ilha de Upaon Açu – São Luís – em especial, Cajueiro, onde as mais diversas estratégias dos grandes empreendimentos têm sufocado o modo de vida e as subjetividades dos moradores. A expansão da zona portuária na região é a principal queixa dos moradores.
Na reunião estiveram presentes os pesquisadores do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), Ana Lourdes Ribeiro e Jadeylson Ferreira, compartilhando suas pesquisas sobre os impactos e estratégias da expansão portuária nas comunidades ancestrais de São Luís e Alcântara.
Há dois projetos (portos e ferrovia) em andamento a serem implantados:
1 – TUP Porto São Luís, em Cajueiro, pela empresa COSAN.
2 – Terminal Portuário de Alcântara e a Estrada de Ferro do Maranhão, pela empresa Grão Pará Multimodal em parceria com Deutsche Bahn (DB). Nesse caso, a ferrovia terá um cruzamento em Açailândia para seguir até Alcântara. Há investimentos de capital privado e do Governo do Estado do Maranhão. Esse porto ainda não saiu por causa das relações entre Brasil e China no governo Bolsonaro, mas precisamos ficar atentos para as cenas dos próximos capítulos dessa implementação.
Por Yanna Duarte e Lanna Luz.