A comunidade de Piquiá de Baixo, em Açailândia (MA), recebeu a visita de Constantin Bittner, geógrafo alemão e assessor de Misereor, que acompanha os impactos da mineração na América Latina. O encontro fez parte de uma agenda de atividades, mediadas pela Justiça nos Trilhos (JnT), que pretende mostrar os impactos do Projeto Grande Carajás e do agronegócio na vida de comunidades maranhenses.
Por isso, entre os dias 06 a 10 de fevereiro, a JnT acompanhou Constantin na visita a comunidades como Piquiá de Baixo e os assentamentos Francisco Romão e João do Vale, espaços atravessados pela Estrada de Ferro Carajás (EFC). No dia 06, o geógrafo participou de uma roda de conversa no Clube de Mães de Piquiá de Baixo, ouvindo as violações que a comunidade enfrenta. Esse momento também é muito importante para o bairro, pois as obras do reassentamento Piquiá da Conquista já estão em 60% de sua conclusão.
No reassentamento, 312 famílias pelo direito à vida, irão para o novo bairro com o objetivo de se afastar do foco direto dos impactos físicos, sociais e ambientais causados pelas siderúrgicas que cercam o bairro, assim como empresas de cimento. Os moradores e moradoras, que chegaram há pelo menos 15 anos antes das empresas que se instalaram no final dos anos 1980, sofrem com os impactos da estrada de ferro e do entreposto de minério da Vale S.A.
A Misereor é uma agência financiadora com sede na Alemanha e comprometida com a luta contra a pobreza na África, Ásia e América Latina. A organização é parceira dos trabalhos em Direitos Humanos desenvolvidos pela Justiça nos Trilhos desde o seu início, em 2007, quando a organização ainda era somente uma campanha por moradia digna e saudável longe da poluição. Representada nesta visita por Constantin, veio conhecer esses impactos a partir das pessoas violadas.
A luta pela memória e ao direito de pertencer
Concentradas no Clube de Mães, cerca de 10 mulheres esperavam a chegada de Constantin ao local. O espaço foi conquistado com muito esforço para que as mulheres, que lideram a luta hoje em Piquiá, pudessem fazer seus eventos e atividades. Também conta com mesinhas e cadeiras com objetos de brinquedo para que as crianças da comunidade possam brincar.
No local, as cadeiras estavam distribuídas em meio círculo, que não chegava a formar uma roda e, na frente delas, em uma mesa, estavam os artesanatos das mulheres artesãs de Piquiá de Baixo. Feitos com crochê, havia bolsas, filtros dos sonhos, roupas e panos de mesa produzidos pelas mãos de muitas. Esse trabalho é uma das fontes de renda que as mulheres utilizam para ganhar a vida.
Quando se fala de violação, Simone Costa, 34, nascida e criada em Piquiá, fala dos impactos da mineração em seu bairro. “Os filhos aqui no Piquiá nem tomar banho de chuva pode porque quando a água cai vem a poluição junto. Não presta nem pra uma criança brincar no chão, porque o chão é tudo cheio de pó de ferro. Cria irritação, feridas, pneumonia”, explica.
Ao consultar seu filho no médico por coceiras na pele que nunca acabavam, Simone diz que foi orientada por uma médica a sair da área onde mora. “Eu falei, mulher, eu vou pra onde? Vou pegar essa medicação aqui que a senhora passou e vou pra casa, vou continuar lá, porque eu moro lá”, respondeu.
As mulheres e os moradores de Piquiá exigem que as empresas se responsabilizem de fato pelos danos que causaram e ainda causam à vida das pessoas no bairro. Por conta da poluição, nada que se planta consegue crescer na terra envenenada. Há casos constantes de coceiras na pele, problemas respiratórios e gases tóxicos emitidos em horários diferentes do dia, causando dor de cabeça nos/as moradores/as.
Quando perguntadas por Constantin quanto ao que gostariam que a área virasse quando as pessoas forem reassentadas, a opinião da maioria é a de que o espaço seja um parque de preservação ambiental. A luta pelo direito à preservação da memória e dos sentimentos de cada um que viveu e vive em Piquiá é uma das prioridades.
“A gente tem que tomar de conta desse espaço que é nosso. A gente não pode deixar que eles tomem de conta do que vai continuar sendo nosso. Temos que continuar preservando e lutando. Por mais que o reassentamento esteja quase concluído, a nossa luta vai continuar. Não é porque estamos em um ambiente menos poluído que isso vai parar”, finaliza Antônia Flávia, 28, outra moradora do bairro.
Um sonho resistência chamado Piquiá da Conquista
No dia 07 de fevereiro, Constantin visitou o reassentamento para onde as famílias vão se mudar. Nesse dia, acompanhou a reunião da Associação Comunitária dos Moradores de Piquiá de Baixo (ACMP) com a equipe da obra, para se atualizarem de seu andamento. As reuniões acontecem às terças de cada semana.
A previsão é que já no final de 2023, as pessoas possam se mudar para Piquiá da Conquista. A conclusão da obra estava programada para abril deste ano, no entanto, houve um atraso e está sendo avaliado o novo prazo.
Visita na zona rural de São Luís
Parte da agenda de Constantin aqui na região se deu na visita de comunidades mais próximas a Açailândia, como o bairro de Piquiá de Baixo, o reassentamento Piquiá da Conquista e os assentamentos Francisco Romão e João do Vale, atravessados pela cadeia da mineração e do agronegócio.
Em São Luís, o geógrafo visitou as comunidades da ilha de Upaon Açu, em especial, Cajueiro, onde as mais diversas estratégias dos grandes empreendimentos têm sufocado o modo de vida e as subjetividades dos moradores. A expansão de portos e áreas industriais na região é a principal queixa dos moradores.
Atuação em rede e parceria com organizações internacionais
As violações dos Direitos Humanos e da Natureza sofridas pelas comunidades atravessadas pela Estrada de Ferro Carajás (EFC), no Maranhão, como Piquiá de Baixo, são apenas uma parte dos impactos que a Vale S.A. provoca no Brasil e em outros países. Por isso, é de fundamental interesse da Justiça nos Trilhos (JnT) atuar em redes, através de parcerias locais e internacionais.
Para a coordenadora política da JnT, Larissa Santos, o “nosso intuito sempre foi ampliar o debate sobre os impactos da mineração para além do nosso lugar de fala, entendendo que as conexões globais são também responsáveis pelo que ocorre em nossas comunidades”, explica.
Segundo ela, a possibilidade de construir laços com pessoas e organizações europeias que também defendem os direitos humanos, é um caminho para pressionar empresas e governos também europeus, que são responsáveis ou corresponsáveis pelas violações que as comunidades sentem localmente.
“Empresas transnacionais precisam ser denunciadas pelas violações que cometem, seja no Brasil, seja em outros países. Assim, esperamos que leis internacionais de proteção à natureza e as populações sejam criadas, revisadas e implementadas, para que territorialmente possamos provocar mudanças positivas”, pressiona Larissa.
Denunciar os impactos da mineração a partir das vozes e realidades das próprias comunidades que mais sofrem sempre foi missão da Justiça nos Trilhos. Por isso, a conexão com parceiros europeus e as vivências em territórios, corpo a corpo, fazem com que eles [os parceiros] vejam pessoalmente as denúncias que são feitas. Além disso, as pessoas das comunidades têm a oportunidade de fortalecer suas lutas, divulgar suas demandas e conhecer outros parceiros que estão atuando pela mesma causa que elas.
Revisão Lanna Luiza