Unidade de saúde marca vitória histórica da comunidade de Piquiá da Conquista: entenda a luta por reparação integral
Famílias de Piquiá da Conquista celebram a inauguração do primeiro posto de saúde localizado na comunidade, um dos quatro equipamentos públicos construídos no bairro a fim de atender a população da região. O evento de inauguração aconteceu na última quinta-feira, 04 de setembro, em Açailândia (MA), e reuniu representantes do Governo do Maranhão, Prefeitura de Açailândia e setores de empresas da siderurgia como a Aço Verde Brasil (AVB).
Fruto de uma luta popular por moradia e reparação integral frente às violações de direitos humanos e da natureza provocadas pela logística da mineração, o reassentamento Piquiá da Conquista é resultado da mobilização de muitas mãos conjuntas. A Associação Comunitária dos Moradores e Moradoras de Piquiá (ACMP) e organizações sociais como a Justiça nos Trilhos (JnT) não receberam convite direto para participação da solenidade pelo governo municipal.
As obras públicas são fruto de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado em maio de 2021 entre Governo do Maranhão, Prefeitura Municipal de Açailândia, Ministério Público do Maranhão (MPMA) e ACMP. O acordo previa a construção de uma unidade básica de saúde pelo Governo Estadual (UBS) no valor de R$ 1,2 milhão, escola e creche avaliadas em R$ 1,3 milhão, quadra esportiva em R$ 1,2 milhão e um mercado municipal no valor de R$ 300 mil reais. Já o município ficaria responsável pelo funcionamento e manutenção das obras.
A ideia do reassentamento coletivo partiu das famílias de Piquiá de Baixo, lá em 2007, no qual elas decidiram pelo deslocamento forçado para longe dos impactos industriais da siderurgia na região. Na falta de uma política pública de habitação que atendesse às necessidades de famílias impactadas por violações socioambientais no Brasil, a comunidade foi atrás de uma solução. Em outubro de 2024, as 312 famílias de Piquiá de Baixo assinaram os contratos referentes à entrega das casas em Piquiá da Conquista, e puderam iniciar o processo de mudança já a partir desse mês.
As famílias de Piquiá de Baixo, hoje Piquiá da Conquista, participaram desde as mobilizações iniciais pela alternativa de reassentamento, quanto do desenho do projeto arquitetônico do bairro e até autogestão da obra por alguns anos. São 19 anos de luta desde a primeira mobilização do antigo Presidente da Associação de Moradores e Moradoras de Piquiá de Baixo, seu Edvard Dantas, que insatisfeito com a situação de poluição e dor que as famílias viviam, começou as primeiras mobilizações em 2004.
A inauguração recente do primeiro equipamento público em Piquiá da Conquista demonstra o poder da mobilização popular por direitos sociais no Brasil. A luta de Piquiá de Baixo é referência nacional e internacional por reivindicação de direitos como moradia no Brasil. Para a advogada popular Morgana Meirellys, a inauguração da unidade básica de saúde revela a importância da luta pela reparação integral por parte das famílias que tiveram seus direitos violados e foram obrigadas a deixar o rio, a natureza e tudo aquilo que era familiar por tantos anos no bairro Piquiá de Baixo. Até agora, apenas a unidade básica de saúde foi entregue. A previsão de entrega dos quatro aparelhos públicos era até 30 de junho de 2022.
“Esses moradores tinham, em Piquiá de Baixo, um bairro já sedimentado, construído com unidade básica de saúde, escola e associações comunitárias, e foram forçados a se deslocarem. Portanto, dentro desse conceito de reparação no que diz respeito a condições dignas de moradia e ao direito à saúde, a gente entende que essa reparação ainda está caminhando. E aí nós também temos três anos a mais além do prazo de conclusão dessas obras que o governo do estado não cumpriu. Em virtude disso, o próprio Ministério Público Estadual entrou com um processo judicial para execução desse TAC por conta do atraso”, explica Morgana.
O próximo passo é isentar as famílias do pagamento da taxa de financiamento na Caixa Econômica Federal (CEF), compreendendo que esse processo também faz parte de uma reparação integral de fato justa e ampla. A reparação integral é um conceito construído pelas próprias comunidades atingidas por violações de direitos, que reivindicam não apenas indenizações financeiras, mas a restauração de sua dignidade, modos de vida e territórios. Ela parte do princípio de que apenas as vítimas têm pleno conhecimento da extensão dos danos sofridos e, portanto, devem participar diretamente de todas as etapas do processo de reparação.
O conceito abrange uma série de medidas articuladas: mitigação emergencial dos danos; restituição dos direitos violados em condições iguais ou melhores; compensações e indenizações; reabilitação física, psicológica e social; ações de satisfação, como reconhecimento público da responsabilidade e resgate da memória das vítimas; e garantias de não repetição, que incluem mudanças estruturais e responsabilização para evitar que as violações se repitam.
Mais do que uma compensação material, a reparação integral busca reconstruir a vida das pessoas atingidas em todas as dimensões, reconhecendo a gravidade das violações, assegurando o acesso à verdade, à justiça e a políticas públicas efetivas. Trata-se de uma obrigação do Estado e das empresas responsáveis, que devem assumir seu papel na reparação histórica e coletiva dessas comunidades. No caso da comunidade de Piquiá de Baixo, o rio Piquiá, os pés de acerola, o brejo conhecido como banho do 40 e muitas outras memórias de infância nunca poderão ser recuperadas.
Revisão por Lanna Luz