Força que vem do chão: Justiça nos Trilhos (JnT) inicia planejamento com foco na Amazônia Maranhense
6 de junho, 2025

Construção coletiva reuniu lideranças, juventudes e pesquisadores para enfrentar violações de direitos no Corredor Carajás

Um encontro, muitos rostos, a mesma vontade: seguir em defesa da vida e da Amazônia Maranhense. Foto: Arquivo JnT

Entre os dias 24 e 25 de maio, a Associação Justiça nos Trilhos (JnT) realizou, em Açailândia (MA), o Seminário de Preparação para o Planejamento Estratégico do triênio 2026, 2027 e 2028. Durante dois dias, lideranças comunitárias, juventudes, movimentos sociais, pesquisadores e organizações da sociedade civil estiveram reunidos para escutar, analisar e propor caminhos diante dos desafios que atravessam os territórios impactados pela cadeia logística da mineração, ao longo do Corredor Carajás, rota de escoamento do minério de ferro extraído pela mineradora Vale, que conecta o sudeste do Pará ao litoral maranhense.

Hoje, essa mesma infraestrutura tem servido como vetor da expansão do agronegócio e de outras formas de exploração intensiva da terra. Com base nas urgências e denúncias apresentadas pelas comunidades, o encontro buscou preparar o terreno para o novo plano de ação da Justiça nos Trilhos, organização que há mais de 15 anos atua em defesa dos direitos humanos, da natureza e da soberania dos povos da Amazônia Oriental.

O cenário atual é alarmante. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o ano de 2024 já concentra o segundo maior número de conflitos no campo em toda a série histórica iniciada em 1985, atrás apenas de 2023. Foram registradas 2.185 ocorrências, com destaque para a Amazônia Legal, região marcada por incêndios, desmatamento e pela intensificação das ofensivas do agronegócio e da mineração sobre florestas, territórios tradicionais e modos de vida comunitários.

Um dos dados mais graves debatidos no encontro foi o crescimento expressivo dos casos de envenenamento por agrotóxicos no Maranhão. Segundo levantamento realizado por organizações como a RAMA (Rede de Agroecologia do Maranhão), a Tijupá e a própria Justiça nos Trilhos, dos 276 casos rastreados no país, 228 ocorreram no estado, muitos deles provocados por pulverizações aéreas que atingem comunidades, escolas e áreas de produção agroecológica.

“Vivemos um consenso político-ideológico no país que insiste em chamar de desenvolvimento a destruição dos nossos territórios por meio das commodities como soja, minério e petróleo”, alertou o professor e pesquisador Bruno Malheiro, da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA), que abriu o primeiro dia de atividades ao lado da professora Cíndia Brustolin, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), com uma análise de conjuntura sobre os impactos da cadeia extrativista na região.

Rotas de sacrifício, territórios de resistência

No turno da tarde, jovens de territórios como Sítio do Meio (Santa Rita), Terra Indígena Rio Pindaré (próxima a Santa Inês), quilombo Santa Rosa dos Pretos e Bacabal, esta última com representação do GT de Juventude da Rama, compartilharam as principais lutas de suas comunidades e os impactos socioambientais que enfrentam diariamente. Em seus relatos, destacaram-se as consequências da mineração, da expansão do agronegócio com o monocultivo de soja, do uso intensivo de agrotóxicos e da implementação de grandes obras de infraestrutura, como linhões de energia e duplicações de rodovias.

As falas reforçaram um alerta já exposto por pesquisadores: os megaprojetos de infraestrutura, muitas vezes legitimados sob o discurso de desenvolvimento, têm servido como gatilhos para violações sistemáticas dos direitos humanos e da natureza. “Onde tem assassinato, desmatamento e conflito na Amazônia, tem estrada, tem ferrovia”, afirmou o professor Bruno Malheiro. “Com os olhos do mundo voltados para a Amazônia, vão se criando novas rotas de sacrifício, por onde os projetos de mineração e agronegócio pretendem sangrar os territórios.”

Bruno chama a atenção para o que denomina engenharia do colapso, a lógica que substitui os antigos eixos de integração nacional por verdadeiros corredores de destruição. “Se a gente pensa no asfaltamento de rodovias, estamos falando de sacrifícios de populações. Está na hora de nos posicionarmos, inclusive enquanto academia, para afirmar que isso não é um projeto de desenvolvimento, mas de massacre e destruição.”

As juventudes presentes no encontro reafirmaram com contundência que essas violações têm rosto, nome e idade. Seus depoimentos escancararam os impactos diretos da atuação de grandes empresas e do Estado, que avança sem considerar a autonomia dos povos e suas formas próprias de existência.

A advogada popular Fernanda Souto, da JnT, reforçou a importância do encontro como espaço de articulação entre os territórios. “Foi um momento importante para nos fortalecermos e para ampliar nossa visão. Ver os jovens falando com tanta firmeza e verdade mostra que o futuro da luta está vivo e pulsante. O planejamento da JnT precisa nascer dessa escuta”, destacou.

Construindo o amanhã com os pés no chão

No segundo dia do encontro, a escuta ativa das comunidades e de parceiros foi o centro da programação. Em rodas de conversa, foram compartilhadas prioridades e propostas para os próximos três anos de atuação da JnT, a partir das vivências concretas nos territórios.

Entre as demandas levantadas durante o encontro, ganharam força o fortalecimento da comunicação popular, o apoio às práticas agroecológicas, a formação política das juventudes e a incidência internacional diante das violações cometidas por grandes corporações transnacionais.

Ana, liderança da comunidade de Piquiá de Baixo, território marcado há décadas pela contaminação causada pelas siderúrgicas do polo Carajás e recentemente reconhecido por sua luta em defesa dos direitos humanos, falou sobre a realidade e a força de seu povo: “O que vivemos não é só dor e violação, é também luta e conquista coletiva. É nesse chão que precisamos fincar nossas estratégias.”

Para Ana, participar dos encontros da JnT é mais do que um momento de debate, é um exercício de pertencimento. “Os encontros da JnT pra mim são sempre muito bons. Trazem aprendizado, novas experiências e, principalmente, a convivência com outras comunidades. Isso me deixa ainda mais à vontade. É muito significativo ver que a mulher participa do planejamento da Justiça nos Trilhos.”

Ela também destacou o quanto é valioso perceber que a organização constrói junto, ouvindo, acolhendo e incorporando as vozes dos territórios. “Foi muito importante e admirável ver que a JnT está nas comunidades, ajudando no que é possível e ainda trazendo a gente pra participar do seu planejamento. Isso gera confiança e nos dá estímulo.”

Mikaell Carvalho, coordenador da JnT, enfatizou o compromisso da organização em caminhar ao lado das comunidades, com ações de enfrentamento, formação e incidência. “Saímos desse seminário com a certeza de que estamos no caminho certo. A participação das comunidades no processo de construção do nosso planejamento estratégico reafirma o compromisso da JnT com a defesa dos territórios e modos de vida comunitários ameaçados por empreendimentos ligados à mineração e ao agronegócio.”

O encerramento do encontro foi mais do que um momento de planejamento coletivo. Foi um exercício profundo de memória, resistência e construção de caminhos, um passo firme para manter viva a luta por justiça socioambiental, dignidade e direitos nos territórios atravessados pelo Corredor Carajás.


Supervisão editorial por Lanna Luz