Do prêmio internacional à urgência nacional: Justiça nos Trilhos (JnT) denuncia desmonte ambiental no Dia do Meio Ambiente
5 de junho, 2025

Organização que lutou pelo reassentamento de famílias impactadas pela mineração critica avanço do PL 2159/21 e alerta, “O risco é nacional”

Obra do artista maranhense Walison Melo denuncia as marcas da mineração sobre a natureza e os territórios tradicionais no Maranhão, em meio à ameaça do PL 2159/21, que pretende desmontar o licenciamento ambiental no Brasil.

Neste 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, o Brasil se vê entre o reconhecimento e a ameaça. De um lado, a conquista histórica da organização maranhense Justiça nos Trilhos (JnT), que recebeu em Washington (EUA) o Prêmio Internacional de Direitos Humanos Gwynne Skinner 2025 por sua luta contra violações ambientais e corporativas. Do outro, a iminência da votação, na Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei 2159/21, que pode desmontar o licenciamento ambiental no país e abrir caminho para a devastação de mais de 3 mil áreas protegidas.

A premiação foi concedida pela International Corporate Accountability Roundtable (ICAR) e destacou a atuação da JnT ao lado das comunidades atingidas pela cadeia da mineração, como o emblemático caso de Piquiá de Baixo, em Açailândia (MA). A cerimônia de entrega contou com a presença de Renato Lanfranchi, um dos coordenadores da JnT, e da advogada e educadora popular Valdênia Paulino, referência nacional na luta por reparação no caso de Piquiá de Baixo, um bairro da cidade de Açailândia que foi transformado, sem consulta popular, em distrito industrial, tornando-se símbolo de racismo socioambiental no Brasil. Respirando há décadas os resíduos da produção de ferro gusa, as famílias enfrentaram uma rotina de doenças, contaminação e ausência de políticas públicas.

Na entrega do Prêmio Gwynne Skinner, a equipe da ICAR, Renato, Valdênia e representantes da Fundação Sage se uniram pela defesa da justiça ambiental

“Essa vitória não é só nossa, é de todo mundo que acreditou que a gente merecia viver melhor”, disse Sebastiana Costa, moradora do bairro e fundadora do grupo Mulheres Saudáveis de Piquiá.

A conquista do reassentamento de 312 famílias no novo bairro Piquiá da Conquista representou um marco na luta popular por justiça ambiental. No entanto, o prêmio também escancarou o que ainda precisa ser feito, muitas famílias seguem vivendo em Piquiá de Baixo, onde recentemente a Defesa Civil deu início à derrubada de casas com moradores ainda dentro, sem alternativas dignas e sem indenização pelos danos causados ao longo de décadas.

Do reconhecimento internacional ao risco nacional

Enquanto o mundo reconhece a urgência da reparação e da justiça ambiental, o Congresso brasileiro ameaça rasgar uma das mais importantes ferramentas de proteção da natureza e dos povos que dela dependem, o licenciamento ambiental.

O PL 2159/21, conhecido como #PLdaDevastação, pode ser votado a qualquer momento. Se aprovado, vai desobrigar diversas atividades econômicas, inclusive de grande impacto, de passarem por processos de licenciamento. Com isso, Terras Indígenas, Quilombolas e Unidades de Conservação serão empurradas para um colapso ambiental e humanitário.

Uma Nota Técnica divulgada pelo Instituto Socioambiental (ISA) evidencia os retrocessos mais graves do projeto:

  • Autolicenciamento generalizado, empreendimentos de médio porte e alto impacto ambiental poderão obter licença automaticamente pela internet, sem análise técnica.
  • Dispensa de licenciamento, 13 atividades, como agricultura, pecuária e obras de saneamento, seriam automaticamente liberadas, mesmo com grande potencial de dano ambiental.
  • Poder descontrolado a estados e municípios, cada ente poderá criar suas próprias regras e isenções, o que abre espaço para competição predatória e insegurança jurídica.
  • Ignora comunidades tradicionais, terras indígenas não regularizadas e territórios quilombolas sem titulação, mais de 96% dos casos, não seriam sequer considerados nos processos de licenciamento.
  • Eliminação de condicionantes, o PL isenta empreendimentos privados de compensar ou reparar danos causados ao meio ambiente e à população.
  • Renovação automática, licenças poderão ser renovadas com um clique, sem fiscalização ou comprovação de cumprimento de obrigações.
  • Bancos sem responsabilidade, instituições financeiras não poderão mais ser responsabilizadas por danos ambientais de obras que financiarem, mesmo em áreas desmatadas ilegalmente.

Entre a vida e a licença para matar

A luta de Piquiá de Baixo é símbolo do que está em jogo. Por décadas, a ausência de um controle efetivo sobre grandes empresas, como a Vale S.A. e as empresas de siderúrgias, resultou em contaminação, adoecimento e morte. O reassentamento das famílias foi uma resposta tardia, mas necessária. Agora, o país corre o risco de institucionalizar a negligência que tantas vezes denunciou.

“Receber esse prêmio é, sim, motivo de celebração, mas também um chamado urgente”, alertou Mikaell Carvalho, coordenador da JnT. “É um alerta para que o Brasil olhe com seriedade para os territórios sacrificados e para que a justiça deixe de ser exceção.”

O desmonte do licenciamento ambiental seria um retrocesso com consequências irreparáveis, não apenas para o meio ambiente, mas para milhares de pessoas cujas vidas dependem da terra, da água e do ar que o Estado deveria proteger.

Memória, justiça e futuro

No local da premiação, nos Estados Unidos, a advogada popular Valdênia Paulino invocou os nomes dos que perderam a vida calados pela contaminação:

“Dona Aninha, 29 anos, mãe de quatro filhos. Lurdes, 36. Seu Edvard, 76. Nenhuma dessas mortes foi reconhecida como consequência da poluição. Mas nós sabemos. E hoje, invocamos a memória de todas as vidas levadas pela cadeia da mineração, no Brasil e no mundo.”

Enquanto o Brasil celebra essa vitória histórica com olhos voltados ao Maranhão, o país precisa decidir se seguirá avançando rumo à justiça ambiental ou se vai abrir as portas para a devastação. A escolha que a Câmara fizer nos próximos dias pode definir o futuro de milhares de comunidades, e o destino ecológico do próprio Brasil.