Entre os dias 15 e 17 de junho, a Caravana Popular pela Vigilância em Saúde realizou encontros em cinco territórios maranhenses cercados pela monocultura de soja e eucalipto na região de Açailândia (MA). A caravana passou pelo Jardim Bela Vista (Reta) e pelos assentamentos Califórnia, João do Vale e Francisco Romão. A atividade é fruto de uma parceria entre pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz Ceará (Fiocruz), Ministério da Saúde, Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO) e a Justiça nos Trilhos (JnT).
Fazem parte também da parceria a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Rede de Agroecologia do Maranhão (RAMA), Associação Comunitária de Educação em Saúde e Agricultura (ACESA), Comissão Pastoral da Terra (CPT-MA) e Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR).
Protagonismo popular em defesa da vida
A Caravana de Vigilância Popular em Saúde busca “promover autonomia e conhecimentos para que as comunidades que sentem na pele o avanço dos agrotóxicos, possam identificar esses impactos em seus corpos e saúde”, esclarece Fernando Carneiro, pesquisador em Saúde Pública da Fiocruz Ceará e membro da Abrasco.
Significa munir as comunidades de conhecimentos científicos para que elas defendam os seus direitos, sem ignorar os saberes tradicionais que fazem parte de suas vidas. Por meio do protagonismo popular em defesa da vida, aliando os saberes dos pesquisadores com as vivências dos trabalhadores e trabalhadoras rurais, a vigilância popular em saúde constrói instrumentos para que as pessoas monitorem de forma participativa os impactos dos agrotóxicos na saúde e no meio ambiente.
Durante o governo de Jair Bolsonaro, o veneno chegou com mais facilidade às casas dos brasileiros. Segundo levantamento da Agência Pública e Repórter Brasil, de 2019 a 2022, foram registrados mais de 14 mil casos de intoxicação por agrotóxicos e 439 mortes no sistema do Ministério da Saúde. Isso significou um óbito a cada três dias durante esses três anos. Os números podem ser ainda maiores, se considerarmos os casos não registrados de maneiras adequadas.
Quando falamos em veneno, as plantações de soja, milho, cana-de-açúcar e algodão são o destino de 79% das vendas de agrotóxicos no Brasil. Entre 2019 e 2022, os casos de intoxicação registrados aconteceram principalmente em lavouras de soja, fumo e milho. A soja correspondeu a 802 registros, o milho 523 e o fumo 734. De acordo com o Atlas Geográfico do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia (2017), 52% do veneno vai para plantações de soja e 10% para o milho.
Segundo Fernando, a Vigilância Popular em Saúde não substitui o Sistema Único de Saúde (SUS), mas é uma ferramenta extremamente importante onde pesquisadores e pesquisadoras desenham um plano de ação coletiva com as comunidades para esses enfrentamentos. No projeto, tanto a sociedade quanto os movimentos sociais, a academia e o SUS, participam.
“Quem chega primeiro no território é o capital”
Entre os principais problemas enfrentados pelos povos do campo, estão os impactos da Estrada de Ferro Carajás (EFC), que escoa grãos e minérios atravessando 23 municípios no Maranhão; o agronegócio, que adoece produções da agricultura familiar com seus venenos e o êxodo rural, promovido pela venda dos lotes em áreas de assentamentos para sojeiros.
Esses grandes empreendimentos trouxeram doenças para as pessoas e poluição de seus rios, do ar, e da água. De acordo com Adriana Oliveira, assentada e presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Açailândia (STTR), o agronegócio e a mineração andam juntos.
“A gente tem morrido muito aqui dentro, devido à linha de ferro [EFC]. Salta um pó do minério quando o trem passa que enche as nossas casas. A poeira é muito forte. E agora o agrotóxico, o avião, passa em cima da minha casa. A cada dia, a cada minuto, a gente morre um pouco. Devido à linha, ao minério, à violência no assentamento”, reflete.
O Novo Oriente, assentamento a qual Adriana pertence, foi o primeiro de Açailândia. De 66 famílias que moram na comunidade, apenas cinco nunca venderam seus lotes para outro comprador. Quando Adriana chegou na comunidade, não havia estradas, os transportes chegavam com dificuldades e não tinha água encanada. “A única coisa que temos aqui do poder público é a escola”, diz.
A comunidade, assim como as outras a qual a caravana visitou, é atravessada pela EFC e sofre com os impactos da pulverização aérea de agrotóxicos, com a duplicação da ferrovia e o tráfego de carros pesados, que fazem o transporte da soja e levam muita poeira para a comunidade.
A chegada da soja e eucalipto nesta região adicionam ainda mais violências para territórios que já são massacrados pelos impactos da cadeia da mineração. No assentamento João do Vale, que possui cerca de 85 famílias, as pessoas estão sendo cercadas pela monocultura, que traz doenças e consequentemente o arrendamento de lotes na área para sojeiros.
Segundo Divina Lopes, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a vida fica ainda mais difícil para os/as trabalhadores/as rurais com os empreendimentos que chegam primeiro que o investimento público nessa região.
“Essa alteração na paisagem e substituição da cultura dos assentados aconteceu durante o governo Bolsonaro e a pandemia porque, até então, a gente conseguia fazer o debate de resistência para o não arrendamento, pois sabíamos que isso ia trazer o veneno mais pra perto da gente. Isso aconteceu durante a pandemia e o governo Bolsonaro. O único órgão público que funciona relativamente aqui é a escola. Não tem um mecanismo de controle ambiental, nem políticas públicas “, afirma.
Segundo Divina, o investimento público deveria possibilitar condições de permanência dos trabalhadores em suas terras. Assim, os grandes fazendeiros utilizam o argumento de que a reforma agrária não traz benefícios para essas comunidades. “Quem chega primeiro nos territórios é o capital. Não são os benefícios, as políticas públicas”, afirma.
Em Francisco Romão, assentamento vizinho ao João do Vale, os problemas também se repetem. Alcione Rocha, apicultora e criadora de ovelhas, diz que a partir de 2018, com a chegada da soja, a comunidade passou a ter problemas recorrentes de saúde. Dores de cabeça, problemas respiratórios, a descoberta de doenças autoimunes em crianças, tudo isso vem sendo relatado pelos moradores.
“Não sabemos a qualidade da água que a gente bebe e o ar já sabemos que é poluído. As doenças vão se acumulando ao longo dos tempos e, quando são diagnosticadas, já estão em um grau avançado”, relata Alcione.
A luta coletiva que alimenta a vida
No sábado (17), último dia da caravana, cerca de 70 pessoas se reuniram em uma plenária no assentamento Califórnia, entre movimentos e organizações sociais, para debater e construir soluções acerca das violações que a pulverização aérea de agrotóxicos vêm causando aos corpos e territórios das pessoas.
Para Nieves Rodrigues, militante do MST- Pará e integrante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, é muito importante que se aprove uma lei que proíba a pulverização aérea de agrotóxicos no Maranhão, mas isso não é o bastante. “Não basta que a gente crie leis, a gente precisa continuar fiscalizando e cobrando para que elas sejam efetivadas”, afirma.
Ela ainda fez um panorama das ações e lutas da Campanha contra os Agrotóxicos, e explicou as articulações que foram e estão sendo feitas com as comunidades, movimentos, academia e pesquisadores.
Entre os temas discutidos, foi ressaltado a importância dos médicos notificarem ao SUS quando as queixas de seus pacientes se relacionam a um contexto onde são expostos a agrotóxicos. Sobre essa questão, o coordenador do eixo de Alternativas Econômicas à Mineração e ao Agronegócio da Justiça nos Trilhos (JnT), Xóan Carlos, ressaltou a importância dessa caravana para a luta dos trabalhadores rurais no Maranhão.
“A pessoa que é agricultora a vida toda, quem sou eu como agrônomo pra dizer se ela está errada? Ela que sabe. E o médico, a mesma coisa. Tem que confiar que as pessoas que se trataram da sua saúde durante a vida inteira, muitas vezes sem nunca ter ido ao médico, com plantas medicinais e outros métodos, sabem cuidar da vida delas. E isso tem que ser notificado”, ressaltou.
Para Lenora, da Comissão Pastoral da Terra (CPT – MA), esses espaços como a caravana alimentam a energia ao lutar contra essas violações. “É um lugar de alimentar a vida, essa luta coletiva”.
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