Mulheres maranhenses partilham histórias de luta e resistência contra a mineração em encontro no Vale do Ribeira (SP)

Mulheres maranhenses partilham histórias de luta e resistência contra a mineração em encontro no Vale do Ribeira (SP)

O encontro “Territórios do Comum”, realizado entre os dias 5 e 8 de junho, reuniu mulheres lideranças de vários estados para debater justiça climática, racismo ambiental e a resistência de quilombolas, caiçaras e povos do campo diante das ameaças do capitalismo extrativista

No Sesc de Registro, próximo a São Paulo, mulheres de diferentes regiões do país, como Maranhão, Ceará, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Acre, se encontraram para trocar experiências, relatos de luta e traçar estratégias para proteger seus territórios em comum. Entre as lideranças estavam Adriana Oliveira, mulher negra, assentada e presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Açailândia (MA), e Larissa Santos, pesquisadora e coordenadora política da Justiça nos Trilhos (JnT).

O evento, organizado pela Fundação Rosa Luxemburgo, reuniu movimentos sociais, comunidades tradicionais, organizações feministas e grupos da agroecologia. Entre os temas mais debatidos estiveram a economia solidária, a importância da agroecologia e o papel fundamental das mulheres nas frentes de resistência contra a expansão de grandes projetos que ameaçam modos de vida tradicionais.

A presença de Larissa e Adriana também marcou o lançamento do livro Mulheres em defesa do território-corpo-terra-águas, uma obra coletiva construída por mulheres que resistem ao avanço do capitalismo extrativista. O livro é fruto de anos de formação e diálogo, financiado pela Fundação Rosa Luxemburgo — que disponibiliza a obra gratuitamente em seu site — e publicado pela editora Funilaria.

Durante o lançamento, Larissa falou sobre o processo coletivo de escrita do artigo Mulheres e Mineração: resistências feministas à mineração e ao garimpo ilegal no Corredor de Ferro Carajás, que traz um panorama das violações de direitos humanos e ambientais no Maranhão e no Pará. O artigo também tem a coautoria da pesquisadora Ailce Margarida Alves.

Larissa compartilhou ainda a dura realidade das comunidades maranhenses impactadas pelos grandes projetos de mineração e agronegócio, e como grupos, associações e coletivos de mulheres vêm resistindo a esses ataques.

Adriana Oliveira, agricultora e assentada, aprofundou o debate ao relatar sua experiência pessoal e coletiva. Moradora de Açailândia (MA), região cercada pelo entreposto de minério da Vale S.A. e pela monocultura da soja, ela sente no corpo, na história do seu povo e nos modos de vida cultivados desde a infância, os efeitos devastadores desses projetos econômicos.

“Para mim, foi uma experiência muito viva. Vivemos em um território cheio de ameaças e, muitas vezes, pensamos que estamos sozinhas. Já pensei em desistir. Mas, nesses encontros, vejo que não estou só, que há muitas pessoas defendendo a terra, o território e o próprio corpo com suas vidas”, conta Adriana.

Outro momento importante para ela foi o diálogo com professoras e acadêmicas sobre as dificuldades enfrentadas pelos povos do campo. “Vi que existem universidades realmente interessadas em investigar e dar voz às lutas e angústias desses povos. Me senti acolhida”, afirma.

A professora e pesquisadora Fabrina Furtado, do Departamento de Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (DDAS/UFRRJ) e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA/UFRRJ), destacou a importância do lançamento do livro Mulheres em defesa do território-corpo-terra, realizado no Vale do Ribeira.

Para ela, o momento foi profundamente significativo, por reunir mulheres agricultoras da região e permitir a partilha com lideranças de diferentes territórios. “Tive a honra de compartilhar a mesa com mulheres inspiradoras e enraizadas na luta pelos territórios: Nilce de Pontes Pereira dos Santos, quilombola do próprio Vale do Ribeira; Natália Lobo, da SOF; e também Larissa Pereira Santos e Adriana Oliveira, de Açailândia (MA).”

Fabrina ressaltou o protagonismo das maranhenses no enfrentamento às grandes ameaças que recaem sobre os territórios tradicionais. “Larissa, militante da Justiça nos Trilhos e coautora de um dos artigos do livro, é alguém que tenho o privilégio de acompanhar há alguns anos. Adriana, trabalhadora rural, quilombola e assentada da reforma agrária no Assentamento Novo Oriente, também é uma guerreira incansável. Ambas dedicam suas vidas à luta contra a mineração, o agronegócio e as empresas que ameaçam os modos de vida dos povos tradicionais. Estar ao lado dessas mulheres foi não apenas emocionante, mas politicamente inspirador.”

O lançamento fez parte de um encontro maior, que buscou debater a vida e a luta dos povos do Vale do Ribeira e outros territórios da Mata Atlântica no Brasil, conectando essas histórias às discussões da Cúpula dos Povos rumo à COP30 e às lutas por justiça ambiental ao redor do mundo. O Vale do Ribeira, região que abrange os estados de São Paulo e Paraná, é reconhecido pela sua rica diversidade ecológica e pelas fortes resistências em defesa da natureza.

Revisão e Edição por Lanna Luz.

Força que vem do chão: Justiça nos Trilhos (JnT) inicia planejamento com foco na Amazônia Maranhense

Força que vem do chão: Justiça nos Trilhos (JnT) inicia planejamento com foco na Amazônia Maranhense

Construção coletiva reuniu lideranças, juventudes e pesquisadores para enfrentar violações de direitos no Corredor Carajás

Um encontro, muitos rostos, a mesma vontade: seguir em defesa da vida e da Amazônia Maranhense. Foto: Arquivo JnT

Entre os dias 24 e 25 de maio, a Associação Justiça nos Trilhos (JnT) realizou, em Açailândia (MA), o Seminário de Preparação para o Planejamento Estratégico do triênio 2026, 2027 e 2028. Durante dois dias, lideranças comunitárias, juventudes, movimentos sociais, pesquisadores e organizações da sociedade civil estiveram reunidos para escutar, analisar e propor caminhos diante dos desafios que atravessam os territórios impactados pela cadeia logística da mineração, ao longo do Corredor Carajás, rota de escoamento do minério de ferro extraído pela mineradora Vale, que conecta o sudeste do Pará ao litoral maranhense.

Hoje, essa mesma infraestrutura tem servido como vetor da expansão do agronegócio e de outras formas de exploração intensiva da terra. Com base nas urgências e denúncias apresentadas pelas comunidades, o encontro buscou preparar o terreno para o novo plano de ação da Justiça nos Trilhos, organização que há mais de 15 anos atua em defesa dos direitos humanos, da natureza e da soberania dos povos da Amazônia Oriental.

O cenário atual é alarmante. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o ano de 2024 já concentra o segundo maior número de conflitos no campo em toda a série histórica iniciada em 1985, atrás apenas de 2023. Foram registradas 2.185 ocorrências, com destaque para a Amazônia Legal, região marcada por incêndios, desmatamento e pela intensificação das ofensivas do agronegócio e da mineração sobre florestas, territórios tradicionais e modos de vida comunitários.

Um dos dados mais graves debatidos no encontro foi o crescimento expressivo dos casos de envenenamento por agrotóxicos no Maranhão. Segundo levantamento realizado por organizações como a RAMA (Rede de Agroecologia do Maranhão), a Tijupá e a própria Justiça nos Trilhos, dos 276 casos rastreados no país, 228 ocorreram no estado, muitos deles provocados por pulverizações aéreas que atingem comunidades, escolas e áreas de produção agroecológica.

“Vivemos um consenso político-ideológico no país que insiste em chamar de desenvolvimento a destruição dos nossos territórios por meio das commodities como soja, minério e petróleo”, alertou o professor e pesquisador Bruno Malheiro, da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA), que abriu o primeiro dia de atividades ao lado da professora Cíndia Brustolin, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), com uma análise de conjuntura sobre os impactos da cadeia extrativista na região.

Rotas de sacrifício, territórios de resistência

No turno da tarde, jovens de territórios como Sítio do Meio (Santa Rita), Terra Indígena Rio Pindaré (próxima a Santa Inês), quilombo Santa Rosa dos Pretos e Bacabal, esta última com representação do GT de Juventude da Rama, compartilharam as principais lutas de suas comunidades e os impactos socioambientais que enfrentam diariamente. Em seus relatos, destacaram-se as consequências da mineração, da expansão do agronegócio com o monocultivo de soja, do uso intensivo de agrotóxicos e da implementação de grandes obras de infraestrutura, como linhões de energia e duplicações de rodovias.

As falas reforçaram um alerta já exposto por pesquisadores: os megaprojetos de infraestrutura, muitas vezes legitimados sob o discurso de desenvolvimento, têm servido como gatilhos para violações sistemáticas dos direitos humanos e da natureza. “Onde tem assassinato, desmatamento e conflito na Amazônia, tem estrada, tem ferrovia”, afirmou o professor Bruno Malheiro. “Com os olhos do mundo voltados para a Amazônia, vão se criando novas rotas de sacrifício, por onde os projetos de mineração e agronegócio pretendem sangrar os territórios.”

Bruno chama a atenção para o que denomina engenharia do colapso, a lógica que substitui os antigos eixos de integração nacional por verdadeiros corredores de destruição. “Se a gente pensa no asfaltamento de rodovias, estamos falando de sacrifícios de populações. Está na hora de nos posicionarmos, inclusive enquanto academia, para afirmar que isso não é um projeto de desenvolvimento, mas de massacre e destruição.”

As juventudes presentes no encontro reafirmaram com contundência que essas violações têm rosto, nome e idade. Seus depoimentos escancararam os impactos diretos da atuação de grandes empresas e do Estado, que avança sem considerar a autonomia dos povos e suas formas próprias de existência.

A advogada popular Fernanda Souto, da JnT, reforçou a importância do encontro como espaço de articulação entre os territórios. “Foi um momento importante para nos fortalecermos e para ampliar nossa visão. Ver os jovens falando com tanta firmeza e verdade mostra que o futuro da luta está vivo e pulsante. O planejamento da JnT precisa nascer dessa escuta”, destacou.

Construindo o amanhã com os pés no chão

No segundo dia do encontro, a escuta ativa das comunidades e de parceiros foi o centro da programação. Em rodas de conversa, foram compartilhadas prioridades e propostas para os próximos três anos de atuação da JnT, a partir das vivências concretas nos territórios.

Entre as demandas levantadas durante o encontro, ganharam força o fortalecimento da comunicação popular, o apoio às práticas agroecológicas, a formação política das juventudes e a incidência internacional diante das violações cometidas por grandes corporações transnacionais.

Ana, liderança da comunidade de Piquiá de Baixo, território marcado há décadas pela contaminação causada pelas siderúrgicas do polo Carajás e recentemente reconhecido por sua luta em defesa dos direitos humanos, falou sobre a realidade e a força de seu povo: “O que vivemos não é só dor e violação, é também luta e conquista coletiva. É nesse chão que precisamos fincar nossas estratégias.”

Para Ana, participar dos encontros da JnT é mais do que um momento de debate, é um exercício de pertencimento. “Os encontros da JnT pra mim são sempre muito bons. Trazem aprendizado, novas experiências e, principalmente, a convivência com outras comunidades. Isso me deixa ainda mais à vontade. É muito significativo ver que a mulher participa do planejamento da Justiça nos Trilhos.”

Ela também destacou o quanto é valioso perceber que a organização constrói junto, ouvindo, acolhendo e incorporando as vozes dos territórios. “Foi muito importante e admirável ver que a JnT está nas comunidades, ajudando no que é possível e ainda trazendo a gente pra participar do seu planejamento. Isso gera confiança e nos dá estímulo.”

Mikaell Carvalho, coordenador da JnT, enfatizou o compromisso da organização em caminhar ao lado das comunidades, com ações de enfrentamento, formação e incidência. “Saímos desse seminário com a certeza de que estamos no caminho certo. A participação das comunidades no processo de construção do nosso planejamento estratégico reafirma o compromisso da JnT com a defesa dos territórios e modos de vida comunitários ameaçados por empreendimentos ligados à mineração e ao agronegócio.”

O encerramento do encontro foi mais do que um momento de planejamento coletivo. Foi um exercício profundo de memória, resistência e construção de caminhos, um passo firme para manter viva a luta por justiça socioambiental, dignidade e direitos nos territórios atravessados pelo Corredor Carajás.


Supervisão editorial por Lanna Luz

MST ocupa Estrada de Ferro Carajás (EFC) no Pará denunciando descumprimento de acordos com a Vale S.A. e o Incra

MST ocupa Estrada de Ferro Carajás (EFC) no Pará denunciando descumprimento de acordos com a Vale S.A. e o Incra

Movimento também bloqueia estrada de acesso à mina do Projeto Cristalino, em Canaã dos Carajás (PA). A ação integra a Jornada de Lutas por Reforma Agrária Popular e cobra o reconhecimento de assentamentos na região, a liberação de fomentos para quintais produtivos e outras demandas ainda não atendidas.

Na manhã desta quinta-feira (22), a Estrada de Ferro Carajás (EFC) amanheceu ocupada por militantes do Acampamento Terra e Liberdade, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em Parauapebas, no Pará. O movimento cobra o cumprimento de acordos firmados com a mineradora Vale S.A. e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), ainda em dezembro de 2024. Cinco meses depois, chega ao fim o prazo estipulado para uma devolutiva por parte da empresa e dos órgãos responsáveis, e as famílias impactadas exigem respostas imediatas.

Simultaneamente à ocupação da EFC, cerca de mil famílias do Acampamento de Resistência Popular Oziel Alves bloquearam a estrada que dá acesso à mina de cobre e ouro do Projeto Cristalino, da Vale S.A., em Canaã dos Carajás (PA). O empreendimento ainda está em fase de análise documental para obtenção do licenciamento ambiental e, se aprovado, poderá desmatar quase mil hectares de floresta conservada — além de expulsar famílias que vivem da agricultura familiar na região —, conforme reportado pelo portal Sumaúma.

O movimento reivindica a aquisição de terras destinadas à criação de assentamentos para as famílias dos acampamentos Terra e Liberdade (Parauapebas) e Oziel Alves (Canaã dos Carajás), a liberação de fomento para dois mil quintais produtivos, a construção de uma escola de Ensino Médio no Assentamento Palmares II e a formalização de um Acordo de Cooperação Técnica entre a Vale e o Incra, que permita o desenvolvimento de ações voltadas aos assentamentos — entre outras demandas ainda não atendidas.

As mobilizações fazem parte da Jornada de Lutas por Reforma Agrária Popular em curso no país e reúnem cerca de seis mil agricultores e agricultoras da região sudeste do Pará. O movimento denuncia violações de direitos humanos e impactos socioambientais causados por grandes empreendimentos, como os da Vale S.A., e reforça a importância da democratização do acesso à terra, da reforma agrária e da agricultura familiar camponesa como caminhos estruturantes para o combate à fome no Brasil.

Informações: MST Pará