Justiça nos Trilhos (JnT) se une à FIDH nos debates sobre transição energética justa e direitos humanos na COP 30

Justiça nos Trilhos (JnT) se une à FIDH nos debates sobre transição energética justa e direitos humanos na COP 30

Evento marca o lançamento do relatório da FIDH que denuncia ameaças aos direitos humanos nas negociações climáticas e reforça o protagonismo de defensores ambientais e comunidades tradicionais

À esquerda, a coordenadora política da JnT, Larissa Santos, e à direita, Paulo Carbonari, membro da coordenação nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH Brasil) na COP 30.

As negociações sobre a chamada “transição energética justa” ganharam protagonismo na COP 30, realizada em Belém, nesta terça (11). O lançamento do novo relatório da Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH) reacendeu o debate sobre o papel das comunidades tradicionais e defensores ambientais diante das contradições entre os discursos de sustentabilidade e as práticas que seguem reproduzindo violações.

A coordenadora política da Justiça nos Trilhos (JnT), Larissa Santos, participou da mesa de debates ao lado de Lúcia Posteraro, consultora em advocacy climática e comunicação da FIDH, e Hugo Gabbero, diretor do Programa de Proteção para Pessoas Defensoras de Direitos Humanos da FIDH, reforçando que a justiça climática não será possível enquanto as vozes dos povos diretamente impactados continuarem sendo marginalizadas nos espaços de decisão.

“Não se pode falar em transição energética justa se ela continuar sendo definida sem a presença dos povos que mais sentem os efeitos da crise climática e da mineração. O que está em disputa é o modelo de desenvolvimento, e não apenas a fonte de energia”, afirmou Larissa Santos.

Larissa Santos e Macaé Evaristo, ministra dos Direitos Humanos, acompanhando os debates sobre ttransição energética na COP 30.

Transição justa sob ameaça

A atividade intitulada “Defensores ambientais e comunidades: uma prioridade transversal nas negociações e decisões sobre o clima”, realizada na Zona Azul da conferência, contou ainda com a presença da ministra Macaé Evaristo e de representantes de organizações da sociedade civil de vários países.

Durante o evento, foi lançado o documento “COP30: As negociações sobre transição justa devem garantir os direitos humanos e a proteção dos defensores”, elaborado pela FIDH em parceria com o Observatório para a Proteção de Defensores de Direitos Humanos (FIDH–OMCT) e outras 12 organizações internacionais.

Discussões na COP 30.

Em um novo documento voltado aos negociadores da COP 30, a Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH) e 16 de suas organizações membros e parceiras analisam por que e de que maneiras os caminhos de transição devem proteger genuinamente os direitos humanos, as comunidades e os defensores. O material, que conta com o apoio do Observatório para a Proteção dos Defensores dos Direitos Humanos (parceria entre a FIDH e a Organização Mundial Contra a Tortura – OMCT), está disponível apenas em inglês e pode ser acessado neste link: “Human Rights Principles and Defenders’ Role in Just Transition Pathways”.

O relatório traz um diagnóstico contundente: as proteções aos direitos humanos dentro dos textos das negociações climáticas estão sendo diluídas, em um movimento que favorece grandes corporações e governos interessados em lucrar com o mercado de carbono e novas fronteiras energéticas.

“Uma transição energética que ignore os direitos humanos e a participação efetiva de comunidades indígenas e quilombolas não pode ser chamada de justa”, alertou Hugo Gabbero, diretor do Programa de Proteção para Pessoas Defensoras de Direitos Humanos da FIDH. “Precisamos de ação efetiva para encerrar o uso de combustíveis fósseis, garantir processos de consulta prévia, livre e informada, e incluir defensores de direitos humanos em todas as etapas de decisão.”

Contradições e disputas de narrativa

O documento também questiona a apropriação corporativa do termo “transição justa”. Enquanto governos e empresas anunciam metas verdes e pactos bilionários, comunidades na Amazônia, no Cerrado e em outros territórios seguem enfrentando expansão da mineração, projetos energéticos de larga escala e privatizações da natureza travestidas de soluções climáticas.

Na prática, as negociações que ocorrem dentro da COP, especialmente no eixo de mercado de carbono, tendem a reafirmar desigualdades históricas e abrir novas frentes de exploração sob o selo de “sustentabilidade”.

Por isso, a Cúpula dos Povos, que ocorre paralelamente à COP 30 e teve início nesta quarta (12), tem assumido um papel central de contraponto político. O encontro reúne povos indígenas, quilombolas, movimentos sociais e defensores ambientais de várias partes do mundo, os mesmos que denunciam as violações provocadas por esse modelo de desenvolvimento.

Resistências globais, solidariedades locais

O relatório da FIDH reúne exemplos de violações e resistências em diferentes regiões, com destaque para experiências latino-americanas. Movimentos comunitários no Brasil, na Colômbia e no México são citados como linhas de frente da defesa dos direitos humanos e da luta por justiça climática, enfrentando megaprojetos energéticos e minerários impostos sem consulta e sem reparação.

A presença da Justiça nos Trilhos no debate reforça a necessidade de conectar as agendas global e local, destacando as lutas de comunidades atingidas pela mineração no Maranhão e em outros territórios brasileiros.

A mensagem que ecoa de Belém é clara: não há transição energética justa sem justiça social e ambiental. E, enquanto governos e corporações buscam redefinir o futuro do planeta, são os povos da terra, das águas e das florestas que continuam apontando o verdadeiro caminho para uma mudança real.

Fotos por Larissa Santos

Reportagem de Lanna Luz e Yanna Duarte

Brasil para a África Ocidental: Justiça nos Trilhos (JnT) compartilha práticas de resistência no Indaba das Comunidades Afetadas pela Mineração

Brasil para a África Ocidental: Justiça nos Trilhos (JnT) compartilha práticas de resistência no Indaba das Comunidades Afetadas pela Mineração

Encontro internacional em Abuja conecta vozes do Maranhão e da África Ocidental na luta contra os impactos da mineração e pela defesa de uma transição justa.

Renato Lanfranchi, coordenador da JnT, durante fala via transmissão online.

A experiência das comunidades brasileiras na defesa de seus territórios cruza o oceano e se conecta às vozes da África Ocidental. A Justiça nos Trilhos (JnT), organização que atua na Amazônia maranhense no enfrentamento aos impactos da mineração, participou da 5ª edição do Indaba das Comunidades Afetadas pela Mineração na África Ocidental, em Abuja, Nigéria, levando práticas de resistência e justiça ambiental construídas junto aos povos da região.

Organizado pela Global Rights, o encontro reuniu comunidades anfitriãs, lideranças tradicionais e organizações da sociedade civil, além de promover diálogo com agências reguladoras, formuladores de políticas e associações de mineradores da África Ocidental. O tema central foi: “Contextualizando a Mineração Verde dentro do Princípio do Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI)”. Mais do que um debate técnico, o Indaba se afirma como espaço de protagonismo popular e construção de alternativas.

Convidado para o debate por meio de transmissão online, um dos coordenadores da JnT, Renato Lanfranchi, apresentou um panorama das violações de direitos humanos e da natureza provocadas por empresas transnacionais como a mineradora Vale S.A. no Brasil e no Maranhão.

Ele destacou a atuação da JnT em conjunto com as comunidades ao longo do Corredor Carajás na articulação de enfrentamentos e citou o caso da comunidade de Piquiá de Baixo, que protagoniza uma luta histórica por reparação integral e justiça socioambiental. Renato também abordou a realidade de assentamentos e acampamentos rurais e urbanos impactados pelo avanço da monocultura de soja na região.

Sobre a discussão em torno dos “minerais críticos” e da transição energética, a JnT manifestou uma posição cautelosa e crítica diante do discurso das indústrias e empresas transnacionais no Brasil.

“Na Justiça nos Trilhos, somos muito cautelosos com a narrativa de sustentabilidade e com tudo que é chamado verde. Precisamos nos perguntar: será que a ‘transição energética’ não é, na verdade, mais do mesmo? Mais extração, mais agressões contra a Mãe Terra para retirar os minerais considerados críticos para a transição, ao mesmo tempo em que se mantém o uso de fontes de energia fóssil?”, questionou Lanfranchi.

O que é o Indaba e por que importa

“Indaba” significa “reunião importante” em zulu e xhosa. Trata-se de um território político no qual as comunidades afetadas pela mineração falam em seu próprio nome, compartilham experiências e definem estratégias conjuntas de defesa de seus direitos.

Em um cenário marcado pela corrida global por minerais críticos como lítio e cobalto, usados em baterias, o encontro questiona as promessas da chamada mineração verde e denuncia seus impactos sociais, ambientais e culturais.

Na prática, a mineração na região segue resultando em deslocamentos forçados, degradação ambiental, aumento das desigualdades e violência contra comunidades tradicionais. Ao colocar as populações diretamente afetadas no centro das discussões, o Indaba afirma a urgência de uma transição justa, que respeite o CLPI e a autonomia dos povos sobre seus territórios.

A contribuição brasileira

A participação da JnT reforça a dimensão internacionalista da luta. Ao compartilhar experiências da Amazônia, a organização conecta a realidade brasileira à africana, mostrando que os problemas causados pela mineração têm raízes comuns e exigem respostas coletivas.

Partilha de saberes via plataforma digital.

Essa troca amplia a incidência política e dá visibilidade a práticas construídas há décadas no Brasil, desde o monitoramento popular até a defesa da natureza como parte inseparável dos direitos humanos. O diálogo com as comunidades da África Ocidental reafirma que não há fronteiras quando se trata de proteger a vida diante do avanço predatório da mineração.

Um encontro para unir lutas

Durante três dias, o Indaba promoveu oficinas, fóruns comunitários, exposições e uma feira de conhecimento em um ambiente de aprendizado coletivo e fortalecimento de alianças. O objetivo central é construir um movimento informado e unido de comunidades anfitriãs da mineração na África Ocidental, capaz de reivindicar um setor extrativo centrado nos povos de toda a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO).

Mais do que denunciar violações, o espaço aponta caminhos possíveis: o fortalecimento da autonomia comunitária, a implementação efetiva do CLPI e a construção de uma governança que coloque os direitos humanos e a natureza no centro.

A presença da JnT demonstra que, do Brasil à África Ocidental, comunidades resistem e se articulam internacionalmente para transformar a lógica da exploração mineral. O Indaba é, assim, um marco da luta coletiva por justiça ambiental, provando que a força dos povos cresce quando se conecta além das fronteiras.

Justiça nos Trilhos (JnT) apresenta em Imperatriz (MA) experiências de comunidades atingidas por mineração e agronegócio

Justiça nos Trilhos (JnT) apresenta em Imperatriz (MA) experiências de comunidades atingidas por mineração e agronegócio

No encontro do CEBI, a luta por direitos humanos e cuidado com a Casa Comum se encontra com a fé e a resistência popular

Reencontros que carregam história: na roda do CEBI, revisitamos caminhos da Justiça nos Trilhos (JnT), lembramos lutas de Piquiá e ouvimos o som que acompanha nossa jornada, “Que Trem Esse”, de Paulo, trilha da nossa resistência. Entre memórias e perspectivas, a conversa se fez viva com Divina, do MST, e João Palmeira, da CRF de Coquelândia. | Foto: João Paulo


No último sábado (27), Imperatriz (MA) recebeu um encontro que reuniu fé, justiça social e cuidado ambiental. Promovido pelo Centro de Estudos Bíblicos (CEBI), o evento trouxe organizações e comunidades para discutir os impactos das mudanças climáticas e a urgência de proteger a Casa Comum, inspirado pela encíclica Laudato Si.

A iniciativa também contou com a participação da Justiça nos Trilhos (JnT), que compartilhou relatos de quem vive às margens da Estrada de Ferro Carajás (EFC) e sofre, diariamente, com os efeitos da mineração e do agronegócio. Segundo Mikaell Carvalho, coordenador da JnT, não se trata apenas de solo, água ou ar degradados: “Estamos falando de modos de vida inteiros sendo desestruturados, de comunidades ameaçadas, de vidas que clamam por justiça”.

Um espaço de troca, lembrança e força para seguir os caminhos da justiça socioambiental. | Foto: João Paulo


Um dos exemplos mais marcantes apresentados foi o de Piquiá de Baixo, em Açailândia (MA). A comunidade, sufocada pela poluição do polo siderúrgico, precisou ser realocada. A resistência histórica do povo resultou no reassentamento em Piquiá da Conquista, hoje referência em direitos humanos e proteção ambiental.

O papel da Igreja também foi lembrado, especialmente dos Missionários Combonianos, que acompanharam a comunidade ao longo da luta, mostrando que a fé pode ser instrumento de transformação social, e não apenas ritual nos templos.

O encontro reforçou uma mensagem clara: é possível articular fé, justiça social e cuidado ambiental mesmo diante de um modelo de desenvolvimento que privilegia lucro em detrimento da vida. Histórias como a de Piquiá provam que resistência e solidariedade caminham juntas, nos trilhos e fora deles.