Enquanto 312 famílias foram reassentadas em outubro de 2024, outras 67 famílias, formadas ao longo dos anos em que o processo de construção das casas estava em andamento, seguiram em luta até serem incluídas no projeto habitacional, garantindo a continuidade do direito à moradia digna para quem permaneceu em condições insustentáveis no bairro Piquiá de Baixo.
A luta por moradia digna em Piquiá de Baixo ganhou um novo capítulo no último dia 1º de agosto, com a entrega das chaves para 67 famílias no bairro Jardim Aulídia, em Açailândia (MA). Essas famílias se formaram durante o período de mobilização e construção, em um processo que, após décadas, já tinha as burocracias do reassentamento das 312 famílias no bairro Piquiá da Conquista encaminhadas.
Essas 67 famílias sempre estiveram acompanhadas e apoiadas pelas organizações parceiras, como Justiça nos Trilhos (JnT), Missionários Combonianos e a Associação de Moradores e Moradoras de Piquiá (ACMP), que seguiram atuando para garantir que seus direitos fossem contemplados. A situação de Piquiá de Baixo, marcada pela falta de condições adequadas de moradia, saúde e segurança, evidenciou a necessidade de avançar em novas medidas.
Diante desse cenário, e após forte mobilização popular junto aos órgãos públicos, essas famílias foram incluídas em uma nova etapa do programa Minha Casa Minha Vida, garantindo o acesso à moradia digna no Jardim Aulídia.
Na ocasião, a comunicadora popular e educadora física Sebastiana Ferreira, uma das lideranças da luta por moradia digna e justiça socioambiental em Piquiá de Baixo, relembrou as dificuldades enfrentadas até a entrega das casas:
“Tô muito feliz, finalmente a gente teve nossas casas entregues, depois de muita luta. O mato já estava invadindo as casas e a estrutura estava muito precária no antigo bairro”, disse ela.
Em fevereiro deste ano, as mulheres de Piquiá de Baixo, em conjunto com a Associação Comunitária dos Moradores de Piquiá (ACMP), protocolaram um pedido de aluguel social na Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas) de Açailândia, devido às condições precárias de moradia no bairro, abandonado pelo poder público municipal desde antes, mas cuja situação se agravou após a mudança das 312 famílias para Piquiá da Conquista.
Sebastiana e sua irmã, Simone Costa, representam um dos casos em que os pais foram contemplados com casas no bairro Piquiá da Conquista, em um processo coletivo e histórico de luta pelos direitos humanos e pela saúde, longe do foco de poluição industrial direta das siderúrgicas ao redor. No entanto, as duas irmãs decidiram não participar do processo na época e, quando ocorreu a entrega das casas em Piquiá da Conquista, elas e outras famílias ainda aguardavam as moradias no Jardim Aulídia.
Relembre um pouco do processo
Antes de o novo bairro Piquiá da Conquista se tornar realidade, a comunidade de Piquiá de Baixo enfrentou uma longa batalha contra a poluição causada pela cadeia logística da mineração, coordenada pela Vale S.A. e pelas siderúrgicas locais.
A poluição começou na década de 1980, quando o escoamento de minério de ferro e a produção siderúrgica afetaram drasticamente a qualidade de vida dos moradores. Em 2008, a comunidade votou pelo reassentamento, que só se concretizou após mais de uma década de intensa mobilização, com protestos e negociações envolvendo o Ministério Público, a Associação de Moradores (ACMP) e as empresas.
Vitória da Esperança: a luta de Piquiá de Baixo pela moradia digna
No dia 7 de outubro de 2024, os moradores assinaram os contratos das casas no novo bairro Piquiá da Conquista. A cerimônia foi organizada pela ACMP e pela Caixa Econômica Federal, com o apoio da Justiça nos Trilhos.
Finalmente, no dia 25 de outubro de 2024, um evento aguardado por mais de duas décadas se concretizou: a entrega das chaves do reassentamento Piquiá da Conquista para 312 famílias, marcando o encerramento de um ciclo de luta histórica do povo de Piquiá de Baixo. Embora o novo bairro tenha um nome diferente, para cada morador ele é, e sempre será, a continuidade de Piquiá de Baixo, um símbolo de união popular, preservação de raízes e força coletiva.
Luta pela memória e pela reparação integral
Com a inauguração de Piquiá da Conquista, a comunidade já vislumbra o próximo desafio: transformar o bairro Piquiá de Baixo em um Parque Ambiental. A mediação do Ministério Público visa garantir que áreas como o cemitério, a escola e algumas casas sejam preservadas, criando um espaço que atue como memorial vivo da resistência e das batalhas travadas por justiça ambiental.
A comunidade reforça que a reparação integral ainda está longe de ser alcançada. As empresas responsáveis pela degradação precisam ser responsabilizadas, e o Estado deve cumprir seu papel de fiscalização, para que a poluição na área total de Piquiá de Baixo seja controlada e mitigada. Embora 312 famílias tenham sido reassentadas, muitas outras continuam vivendo em Piquiá, ainda expostas à contaminação e necessitando de soluções urgentes.
Revista Não Vale V — uma edição histórica
Em uma edição histórica, que traça o início de todo o processo de luta por justiça socioambiental, desde a carta escrita por Edvard Dantas ao então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2007, a nova edição da Revista Não Vale escuta crianças, jovens e lideranças antigas para narrar toda a trajetória de resistência. Com lançamento previsto para setembro deste ano, a revista trará reportagens, perfis, ensaios e cordéis sobre a comunidade de Piquiá de Baixo.
Acesse as edições anteriores aqui.
Por Yanna Duarte
Edição de Lanna Luz