Realizado em São Luís (MA), o ERAM reuniu comunidades do Pará e Maranhão entre os dias 15 e 17 de agosto, mobilizando indígenas, quilombolas, ribeirinhos e organizações sociais para debater os impactos da mineração e traçar estratégias de resistência ao modelo extrativista.
No começo de agosto, comunidades do Pará e Maranhão se reuniram entre os dias 15 e 17, em São Luís (MA), para traçar análises e estratégias de enfrentamento aos projetos extrativistas na Amazônia. O XIV Encontro Regional de Atingidos e Atingidas pela Mineração (ERAM) mobilizou indígenas, quilombolas, ribeirinhos, comunidades urbanas, religiosos e organizações sociais que enfrentam o avanço da mineração e do agronegócio na região. Nesses três dias, cerca de 75 pessoas debateram o modelo mineral brasileiro, seus impactos na crise climática e as estratégias de (r)existência das comunidades.
Na manhã do sábado (16), o encontro foi aberto com uma mística de memória e espiritualidade, que resgatou os quatorze anos de construção conjunta da articulação. Em roda, os participantes lembraram nomes de defensores e defensoras dos direitos humanos e da natureza que se foram recentemente, como Anacleta Pires, liderança quilombola de Santa Rosa dos Pretos (MA), e dona Máxima Pires, da comunidade Rio dos Cachorros (MA). Ambas ancestralizaram em 2024, mas foram lembradas como sementes que seguem fortalecendo a defesa do Bem Viver nos territórios.
Conjuntura: territórios sob ataque
A primeira atividade reuniu lideranças para uma análise das ameaças socioambientais que atravessam Maranhão e Pará.
Vanusa Guajajara, liderança da Aldeia Piçarra Preta, na Terra Indígena Rio Pindaré (MA), destacou que a relação com o território é a base da luta por direito à terra, comida e segurança. Mas alertou: “Os jovens são os mais impactados. Grandes empresas destroem o sentido de comunidade e afetam a saúde mental deles”. Vanusa também mencionou a disputa em torno do Plano Básico Ambiental (PBA) do Componente Indígena, que ameaça direitos dos povos originários.
Joércio Pires, quilombola e educador popular do Quilombo Santa Rosa dos Pretos (MA), expôs a resistência da comunidade diante de cinco grandes empreendimentos que avançam sobre o território. Ele denunciou a cooptação de lideranças pelas empresas e as promessas não cumpridas de emprego, escolas e saúde: “Enquanto isso, a titulação do território segue emperrada no Incra”.
Eva Moraes, jovem da comunidade Praia Alta (PA), denunciou o projeto de explosão de 35 km de rochas no Pedral do Lourenção, etapa crucial para abrir uma hidrovia que transportará grãos e minérios. “Eles falam em derrocagem, mas nós falamos em explodir. Querem explodir o rio, que é vida, peixe e sustento das famílias”, afirmou. Ela lembrou ainda que a região já sofre com os impactos da barragem de Tucuruí.
Ana Nair, agricultora do movimento Xingu Vivo (PA), trouxe a realidade da Volta Grande do Xingu e criticou a postura do Incra: “O órgão que deveria garantir terra ao povo age como braço do Estado na reprodução da violência. Se o Incra não cumpre seu papel, por que existe?”. Para ela, resistir é também cuidar da “lagoa misteriosa”, símbolo da diversidade que as mineradoras tentam apagar: “Quando a mineração chega, para elas só existe o mundo da mineração. Nós sonhamos com todos os mundos possíveis”.
Resex Tauá-Mirim: o território que resiste à engrenagem da mineração e do agronegócio
Na tarde do sábado, os participantes do ERAM visitaram a comunidade do Taim, uma das 12 que formam a área da Resex Tauá-Mirim, reivindicada há mais de 22 anos. Cerca de 2.200 famílias aguardam a decretação oficial da reserva pelo presidente Lula, enquanto enfrentam a expansão de portos, indústrias e mineradoras.
Fran Gonçalves, moradora local, guiou a visita e relatou o cotidiano de violações: mortandade de peixes, contaminação do ar e expulsão de famílias. “A Resex é nosso direito de viver da pesca artesanal, da agricultura e das tradições. Enquanto o complexo portuário nos cobre de pó preto, nós seguimos preservando a natureza e nossa cultura”, afirmou.
A paisagem entre a saída de São Luís e a zona rural revela o impacto: estradas tomadas por lama marrom, ar saturado de partículas e instalações industriais cobertas pelo pó preto. Ainda assim, o território guarda a força do tambor de crioula, das encantarias e da agricultura tradicional, resistindo como contraponto ao avanço da destruição.
“Que progresso é esse?”
O domingo (17) começou com uma mística organizada por lideranças do Pará, que questionava:
“Que progresso é esse que nos divide, semeia discórdia, nos joga nas periferias e nos faz mais pobres?”
A provocação abriu espaço para a divisão em grupos de trabalho, que discutiram:
- Comunicação popular e uso crítico de tecnologias, como inteligência artificial;
- Orçamento público e CFEM (Compensação Financeira pela Exploração Mineral);
- Proteção de defensores e defensoras de direitos humanos e da natureza;
- Corredores logísticos (ferrovias, hidrovias, rodovias) e seus impactos nos territórios.
ERAM: 14 anos de articulação
O Encontro Regional de Atingidos e Atingidas pela Mineração (ERAM) surgiu da necessidade de unificar lutas que antes eram isoladas, explica Larissa Santos, coordenadora política da Justiça nos Trilhos (JnT):
“Era preciso juntar comunidades do Maranhão e Pará para debater como o modelo mineral violenta a vida cotidiana e traçar estratégias coletivas. Assim nasceu o ERAM, como espaço de intercâmbio e articulação regional”.
O encontro é hoje a principal articulação da JnT, com parceria histórica da CPT Marabá , do MST, do CEPASP, de sindicatos rurais e de inúmeras comunidades. Nos primeiros anos, houve até um espaço paralelo para a juventude – o Encontro de Jovens Atingidos pela Mineração (EJAM) –, que depois foi incorporado ao ERAM, ampliando metodologias e a participação de diferentes gerações.
Entre conquistas e novos desafios
Ao longo de 14 anos, o ERAM atravessou criminalizações, perseguições, assassinatos de lideranças e até a pandemia. Ainda assim, acumula conquistas: assentamentos consolidados no Pará, o reassentamento das 312 famílias de Piquiá de Baixo (MA) para o novo bairro Piquiá da Conquista, e contribuiu para criação de espaços nacionais e internacionais de articulação, como o MAM, a AIAAV e o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração.
Para Mikaell Carvalho, coordenador da JnT, o encontro amadureceu junto com as comunidades:
“O inimigo continua o mesmo – mineradoras e Estado que violam direitos. Mas hoje temos mais organizações mobilizadas, mais jovens em posições estratégicas e maior capacidade de articular resistências. O ERAM é a articulação mais importante que temos, porque nasce e se mantém com os pés no território”.
por Lanna Luz e Yanna Duarte