Moradores/as do Bairro Piquiá de Baixo, em Açailândia (MA), sofrem os impactos da mineração e das siderúrgicas desde meados da década de 1980, mas foi nos últimos sete anos que a luta dos moradores se intensificou. Mesmo com a proximidade da entrega das 312 casas no novo bairro em construção (Piquiá da Conquista), as famílias que residem em Piquiá de Baixo ainda sofrem das mesmas violações de direitos.
Para a advogada e educadora popular da Justiça nos Trilhos (JnT), Valdênia Paulino, as empresas que se instalaram na comunidade são responsáveis pelos impactos. “A princípio, quando essas empresas chegaram, na época, a primeira foi a Gusa Nordeste, não havia somente as siderúrgicas, nós tínhamos também as carvoarias que foi um problema muito sério. Hoje, na região, elas [carvoarias] não estão tão presentes, mas as siderúrgicas continuam. E essas famílias, então, passam a sentir imediatamente o impacto de empresas que se instalam sem observar minimamente as exigências legais, que são os cuidados com a saúde coletiva. Eu estou falando de emissão de gases tóxicos, do transporte sem o mínimo de proteção de seus veículos que ainda ocorre em uma das empresas mais poderosas da mineração, que é a empresa Vale S.A. Hoje, os trens transitam com os vagões a céu aberto 24 horas por dia, ou seja, sem nenhuma proteção”, afirma Valdênia.
Náuseas e fortes dores de cabeça fazem parte do dia a dia dos/as moradores/as
Nos últimos meses, um forte odor vindo das empresas instaladas ao redor do bairro Piquiá de Baixo, tem assustado os moradores, principalmente, os que têm as suas casas a menos de 100 metros das empresas.
“A comunidade inteira também sofre com o cheiro do gás das empresas, né. Muito forte, dói a cabeça, dá náuseas. A última vez que eu senti o cheiro do gás eu tava lá na BR, e tava um cheiro muito forte. A gente tava aguardando a chegada da van e o cheiro ainda bastante forte. Ela [uma colega] botou a máscara, eu não botei porque eu tava sem, e doeu muito a cabeça dela e eu também senti dor de cabeça. A gente chegou muito mal ao nosso destino, passamos o final de semana com dor de cabeça”, conta Simone Costa, moradora de Piquiá de Baixo.
A moradora Francisca Conceição relatou que, além dela, o seu filho, Leonardo Conceição, 10, que é uma pessoa com deficiência, também sofre com vários problemas devido ao forte odor.
“O meu filho que vem sofrendo com um problema de saúde que ele já tinha, está sofrendo mais ainda devido a uma dor nos olhos. Um dia desses, foi obrigado a gente pagar uma consulta. Aí o médico falou que ele não tem problema de vista, que é devido a alguma coisa que o local onde a gente mora vem causando. Ele também tá tendo umas feridas nas pernas. Consultei ele e o médico pediu um exame. Eu fiz e o médico também falou que esse problema está relacionado ao lugar que a gente mora, que é muito poluído. Ele pediu que a gente saísse do local, mas eu não tenho como pagar aluguel fora [de Piquiá de Baixo]”, confessou Francisca.
A exposição a diversos tipos de poluição tem deixado a comunidade adoecida, problema que afeta principalmente as crianças. “Passa remédio no corpo, nos ferimentos dela e também não some. A gente vai no posto e não tem agente de saúde pra nós e o posto não funciona frequentemente como é pra funcionar. Aí sempre aparece no corpo dela. Esses dias, comprei o remédio, aí sumiu e voltou de novo. Acho que é por conta do tempo e também por causa do pó de minério [de ferro] e cimento também que frequentemente aparece. Aí não some de jeito nenhum do corpo dela não”, denuncia outra moradora de Piquiá, Lucivânia Cardoso.
“Tem essas partículas que podem ser sólidas ou líquidas e que tem uma interferência muito grande na saúde humana. A OMS (Organização Mundial da Saúde) fala desse material particulado como um dos principais causadores de problemas de saúde coletiva, que vai desde o respiratório até câncer. Tudo isso também está relacionado com Piquiá por conta que já foi feito também outro estudo que relaciona doenças respiratórias, doenças como o câncer de pulmão e tantos outros cânceres que tem na comunidade. E outras pessoas já morreram por conta dessas doenças que estão relacionadas à poluição”, explica João Paulo Alves, gestor ambiental e membro do Grupo de Vigilância Popular em Saúde.
Secretaria do meio ambiente não possui equipamento especializado para identificar a origem dos gases tóxicos
“Isso foi denunciado à secretaria do meio ambiente do município de Açailândia, que é o órgão que deve fazer essa fiscalização, mas, até agora, não obtivemos resposta e o que nos foi encaminhado era que estavam tomando providências. Então, nós estamos falando de vidas, de saúde, de risco iminente. Então, eu não posso aguardar uma providência a médio prazo. Isso tem que ser imediato. Agora, infelizmente, tomamos conhecimento de que a nossa secretaria do meio ambiente não tem o aparato tecnológico para fazer uma inspeção dessa natureza. Então, o que nós temos feito é insistido na crença nas instituições públicas, porque nós acreditamos no estado democrático de direito, mas nós não calamos. Nós queremos realmente que as providências sejam tomadas porque essa criança que hoje tem quatro meses, quando ela for pra escola daqui a seis anos, ela terá dificuldade de aprendizagem provavelmente por sequelas agora, por essa ingestão desse gás tóxico e, provavelmente, lá na frente, não saberão diagnosticar a origem disso”, explica Valdênia Paulino.
Veja a reportagem especial sobre esse assunto no Youtube.
Em janeiro de 2023 o crime socioambiental da Vale em Brumadinho, Minas Gerais (MG), completou 4 anos. Exatamente às 12h28 de uma sexta-feira, do dia 25 de janeiro de 2019, a barragem da Mina do Córrego Feijão, da mineradora Vale, rompeu na Região Metropolitana de Belo Horizonte, despejando 12 milhões de metros cúbicos de resíduos.
Foi o maior crime de trabalho do Brasil, pelo número de vítimas: 272 mortes, sendo que ainda há 3 pessoas desaparecidas. Além das vítimas humanas, a tragédia-crime contaminou o ecossistema da região, em especial os rios Paraopeba e São Francisco, do qual o primeiro é um dos afluentes.
A Vale também está envolvida com o rompimento da barragem do Fundão, no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), que ocorreu em 2015. Além de MG, a empresa também segue impactando vidas humanas e a natureza, prejudicando o bem viver de comunidades no Maranhão, como é o caso de Piquiá de Baixo, em Açailândia-MA, comunidade impactada pela Estrada de Ferro Carajás (EFC) – de responsabilidade da Vale – e pelo pólo siderúrgico.
Além do impacto da mineração e da poluição gerada pelas empresas que cercam Piquiá de Baixo, a região de Açailândia também é impactada pelo agronegócio que intensifica os conflitos na região e que se utiliza da EFC para escoar a produção de soja e commodities.
A cadeia de mineração causa impactos irreversíveis à vida humana e ao meio ambiente e que causam ainda mais indignação pela impunidade. Em todas as situações citadas, as empresas tentam eximir-se de suas responsabilidades.
Desde 2020 a Justiça nos Trilhos (JnT) participa de atividades e mobilizações em memória das vítimas da Vale em Brumadinho, esse ano, a JnT foi representada por três pessoas, nas quais estava Valdênia Paulino Lanfranchi, que é defensora de Direitos Humanos, Advogada, doutora em Serviço Social e Educadora Popular na JnT.
Em brumadinho, Valdênia Paulino participou do seminário “4 Anos da Tragédia-Crime e os Impactos em Brumadinho e Municípios Mineradores”, na Faculdade ASA. Participou da “Carreata por Justiça”, que partiu do Cemitério Parque das Rosas, com uma parada no Cemitério Municipal (Brumadinho), participou também da celebração de uma missa no estacionamento central de Brumadinho que marcou a “IV Romaria pela Ecologia Integral a Brumadinho”, organizada pela equipe da Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário. De lá, Valdênia e os presentes foram em caminhada até o letreiro da cidade, onde se somaram ao ato mensal em honra às 272 vítimas.
Como educadora popular, Valdênia Paulino atua diretamente com as comunidades impactadas pela Vale no Maranhão, dentre elas, Piquiá de Baixo. Nesse sentido, ela foi convidada a nos contar sobre suas impressões diante da visita feita a Brumadinho este ano.
Na entrevista, a advogada comenta sobre as conexões e diferenças entre as comunidades impactadas pela mineração em Minas e no Maranhão.
Confira a entrevista na íntegra:
Repórter: Como você avalia os eventos que participamos? Esperava uma mobilização maior ou menor? Qual o impacto das homenagens para você que atua diretamente com pessoas impactadas pela Vale no Maranhão?
Valdênia Paulino: O evento integra o conjunto de ações que visam a reparação integral perseguida pelas famílias das vítimas e pela sociedade, também vítima da mineração. Foi uma grande mobilização envolvendo familiares das vítimas, representantes de organizações e movimentos sociais locais, nacionais e internacionais, comunicadores, bem como religiosos indígenas, de matrizes africanas e cristãs. Contudo, esperava a presença de mais moradores da cidade. No decorrer dos dois dias de atividades e com as saudações de comerciantes e moradores durante a Romaria, pude compreender que essa ausência está relacionada ao minério-dependência tão presente no município de Brumadinho.
Quanto ao impacto sentido por mim, enquanto representante da associação Justiça nos Trilhos que trabalha com comunidades impactadas pela mineração e agronegócio no estado do Maranhão, o sentimento compreendeu dor, indignação, solidariedade, ânsia por justiça, sobretudo, uma grande conexão como se pertencêssemos a uma só família que sofreu e sofre com os impactos da mineração.
O lamento que não cala em meus ouvidos foi ouvir das famílias que além das três pessoas que não foram encontradas, nem mesmo nenhum fragmento, ainda faltam muitos outros corpos, pois muitas famílias encontraram apenas um antebraço, outras um dedo e elas clamam os corpos. Sinto que somos parte de um só corpo que ainda sangra, mas que vive pautado na utopia da JUSTIÇA.
Repórter: O que você leva de aprendizado para o Maranhão e para Piquiá de Baixo?
Valdênia Paulino: A vivência na celebração do 4º ano da tragédia de Brumadinho me trouxe como aprendizado a importância da simbologia para expressar as ações de resistência e a busca por justiça; a importância de envolver vários atores sociais (universidades, autoridades entre outros) na discussão coletiva sobre o caso central da luta por justiça em relação aos impactos da mineração; a relevância de criar agenda pública, como é o caso de algum ato todos os dias 25 de cada mês e a atividade de ano que é a Romaria. Penso que aqui no Maranhão, essas podem ser dicas importantes para fortalecer a nossa luta.
Repórter: Como você acha que a Justiça nos Trilhos pode conectar essas realidades de vidas impactadas pela mineração em Minas e no Maranhão?
Valdênia Paulino: Precisamos criar uma rede de famílias impactadas no Brasil, na América Latina e no mundo. Posso dizer que já começamos. Fizemos o convite para que familiares da associação venham nos visitar no Maranhão para conhecer como o impacto se dá aqui; conhecer as famílias das vítimas fatais atropeladas pelos trens da Vale e de outros acidentes ligados às empresas da cadeia da mineração. Penso que podemos ser protagonistas de uma iniciativa que, num futuro breve, estará conectada com outras coalizões de organizações sociais que estão na linha de frente nesta luta e em defesa dos direitos humanos e da natureza frente à mineração. Uma rede de famílias impactadas é fundamental nesse enfrentamento.
Repórter: Como a Vale pode ser responsabilizada por seus crimes no Maranhão? A JnT pode fazer o que exatamente para potencializar denúncias contra os crimes cometidos pela Vale? Quais crimes a Vale comete no Maranhão?
Valdênia Paulino: Estamos falando de responsabilização de uma empresa por crimes cometidos, ou seja, de crimes já previstos em lei. Assim, a responsabilização deve ocorrer em qualquer estado onde ela cometer os crimes. No caso do estado do Maranhão, há várias representações contra a empresa Vale, envolvendo vários municípios, seja no âmbito judicial como no administrativo. Essas representações versam sobre omissão no que tange a falta de passagens seguras nas comunidades atravessadas pela estrada de ferro Carajás; na ausência de proteção das ferrovias com muros com proteção anti ruídos; por indenizações em razão de mortes por atropelamentos de seus trens entre outras demandas. Também temos os TACs – termos de ajustamento de condutas e acordos administrativos no caso de Piquiá de Baixo, no município de Açailândia, no processo da construção do bairro para o reassentamento das 312 famílias.
O que a Justiça nos Trilhos precisa potencializar é a visibilidade dessas ações e fazer isso de forma articulada com os parceiros que estão juntos nessas frentes.
Repórter: Escreva aqui o que você acha que pode ajudar na produção da matéria. Escreva o que você acha importante ser mencionado.
Valdênia Paulino: Gostaria que essa entrevista fosse publicada na íntegra.
Repórter: Para finalizar, fale para mim quem é a Valdênia Paulino para que quem não a conheça possa saber um pouco mais sobre você.
Valdênia Paulino: Vou resumir. Valdênia Paulino, é mulher negra, com ascendência indígena, filha da classe trabalhadora que aprendeu desde cedo que só é possível sobreviver com dignidade através da luta coletiva por um mundo capaz de superar o capitalismo, que só sobrevive com a exploração e a morte da classe trabalhadora – necropolítica.
Como a busca pelo conhecimento científico sempre foi uma necessidade e compreendendo-o como instrumento vital para a luta, fiz pedagogia, Direito, e fui para as pós-graduações na área do Direito e do Serviço Social. Agora, sigo buscando conhecimento na área do meio ambiente ligada ao direito. Aprendi desde as comunidades eclesiais de base, no movimento por moradia, na defesa das comunidades quilombolas e indígenas, na defesa da juventude negra e periférica e reafirmando na experiência com a Justiça nos Trilhos que a transdisciplinaridade é fundamental para a afirmação dos direitos.
Nas palavras de Paulo Freire, não há saber ou área de conhecimento mais importante que outros, cada área, cada pessoa têm saberes importantes e o diálogo entre eles é o que produz o novo revolucionário. Hoje estou na equipe de fortalecimento comunitário da Justiça nos Trilhos aprendendo muito com as comunidades impactadas pela mineração e o agronegócio e compartilhando o que aprendi no decorrer de 40 anos de militância, com humildade, ousadia e esperança.
Galeria de fotos tirada durante a vivência:
Seminário “4 Anos da Tragédia-Crime e os Impactos em Brumadinho e Municípios Mineradores”, na Faculdade ASA.
Carreata por Justiça
Missa da IV Romaria pela Ecologia Integral a Brumadinho
Nesta quarta (25), completaram 4 anos da tragédia-crime em Brumadinho, Minas Gerais. No dia 25 de janeiro a barragem I, da Mina Córrego do Feijão, de propriedade da mineradora Vale, rompeu. Foi o maior crime de trabalho do Brasil, pelo número de vítimas: 272 mortes, sendo que ainda tem 3 pessoas desaparecidas. Além das vítimas humanas, a tragédia contaminou o ecossistema da região, em especial os rios Paraopeba e São Francisco, do qual o primeiro é um dos afluentes.
As mobilizações começaram ainda no domingo, 22 de janeiro de 2023, com o Pedal em Homenagem às Vítimas, que teve concentração às 7h na praça das joias ao lado do letreiro em Brumadinho.
Na terça-feira, 24 de janeiro, foi realizado o Seminário “4 Anos da Tragédia-Crime e os Impactos em Brumadinho e Municípios Mineradores”, na Faculdade ASA. Também no dia 24 de janeiro, foi realizada a “Carreata por Justiça”, com concentração às 17h, que partiu do Cemitério Parque das Rosas, com uma parada no Cemitério Municipal (Brumadinho). Em ambos, várias vítimas da tragédia-crime foram sepultadas. Depois, a carreata seguiu até o letreiro de Brumadinho, onde foi realizado um clamor por “Justiça, Encontro e Memória” e um momento de oração pelas famílias das vítimas.
Hoje (25) a programação em homenagem às vítimas começou por volta das 7 horas da manhã. Às 10h, teve a celebração de uma missa no estacionamento central de Brumadinho que marcou a IV Romaria pela Ecologia Integral a Brumadinho, organizada pela equipe da Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário. De lá, os presentes foram em caminhada até o letreiro da cidade, onde se somaram ao ato mensal em honra às 272 vítimas.
São 4 anos de impunidade, 4 anos de dor, luto e luta por Justiça. Nenhuma pessoa ou empresa foi punida ao longo desses anos. Além das vidas humanas perdidas, as famílias das vítimas seguem adoecidas e com o sentimento de injustiça.
Além dos familiares das vítimas, estiveram presentes organizações sociais como a Justiça nos Trilhos (JnT), Associação dos Familiares das Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem em Brumadinho (Avabrum), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), entre outros.
Indígenas, religiosos católicos, evangélicos, integrantes de religiões afro-brasileiras, políticos, jornalistas e a integrantes do Ministério Público marcaram presença nas ações de hoje em Brumadinho.
A JnT se solidariza com os familiares das vítimas e exige justiça e reparação integral para os atingidos do crime da mineradora Vale em Brumadinho-MG. Que os culpados sejam responsabilizados, inclusive em relação aos crimes cometidos contra a natureza. A Vale precisa ser punida por seus crimes em todo o mundo, precisa ser condenada pelos crimes que comete contra a humanidade! Chega de Impunidade!
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