Mulheres atingidas por grandes projetos discutem transição energética e financeirização da natureza em encontro no Rio de Janeiro (RJ)
Cerca de 30 mulheres compartilharam estratégias de enfrentamentos aos projetos de energia, mineração e agronegócio que se instalam em suas comunidades e mudam seus modos de vida
Mulheres de diferentes estados do Brasil se encontraram no início de outubro, nos dias 5 e 6, para discutir os impactos dos grandes projetos de “desenvolvimento” instalados em seus territórios e comunidades, assim como a relações deles com a “transição energética” e a “financeirização da natureza”. Nos últimos anos, esses assuntos têm tomado conta das narrativas empresariais, governamentais e das organizações não governamentais.
O encontro, organizado pela Fundação Rosa Luxemburgo e pelo Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), alertou para a necessidade de uma análise feminista, antirracista e decolonial sobre os temas.
Foi com esse alerta que em torno de 30 mulheres se reuniram no Rio de Janeiro (RJ) para refletir sobre os impactos de projetos que estão baseados na ideia de que não afetam a natureza, porque são desenvolvidos a partir de energias ditas limpas e renováveis. De acordo com Fabrina Furtado, pesquisadora do CPDA e organizadora do encontro, “os governos e as empresas consideram hidrelétricas como energia renovável porque a água é naturalmente reabastecida, ela não acaba. As eólicas também, já que os ventos não acabam. Mas essa definição não leva em consideração os diversos impactos negativos ambientais e sociais que estes projetos causam: a perda de acesso à água limpa, aos peixes, aos territórios; da identidade de ribeirinho, de camponês; da possibilidade de praticar o agroextrativismo”, afirma a pesquisadora em relatório.
Hoje, as energias renováveis pensadas no Brasil, desconsideram as relações dos povos quilombolas, indígenas e camponeses com a natureza. Para essas populações, não há separação entre gente e natureza, e quem pensa a transição energética não considera os valores dos povos tradicionais, essenciais para a preservação da natureza. Quem explica melhor essa situação é Cleomar Ribeiro da Rocha, quilombola e Pescadora do Quilombo do Cumbe, localizado no estado do Ceará. Ela diz que “as eólicas chegam com um discurso de energia limpa, mas tira a gente da duna. Na duna a gente plantava, pescava, colhia frutas, tinha uma relação, né? Uma relação muito ancestral naquele lugar de afeto, há muito afeto. E a chegada do parque eólico nos tira da duna”, afirma ela.
Segundo a Fio Cruz, no Quilombo do Cumbe vivem mais de 100 famílias que se sustentam da pesca, agricultura, da criação de animais, artesanato e turismo comunitário. Mas, Cleomar Rocha relatou que essas práticas estão ameaçadas e as pessoas sofrem com a apropriação do território feita pelas empresas privadas, responsáveis pelo parque eólico. Além disso, sofrem com os impactos da carcinicultura. “Como é que essa energia é limpa e vem destruindo comunidades, vem destruindo povos, vem destruindo ancestralidade, vem destruindo as minhas práticas culturais?”, denuncia ela.
A água, que é um bem natural usado como argumento para a instalação do parque eólico, passa a ser apropriada pela empresa e deixa de ser usada como bem comum da comunidade. A Fio Cruz também denuncia “contaminações químicas, que têm gerado o desaparecimento de espécies nativas de peixes e a destruição do mangue”. O parque eólico instalado no território do Cumbe tem 67 aero geradores e foi o primeiro parque instalado no estado do Ceará, segundo Cleomar.
Mulheres como Cleomar, que sofrem os impactos negativos dos Parques Eólicos, também são as responsáveis pelos processos de lutas e resistências. São elas que sentem de maneira mais forte e específica a falta de acesso à agua e as ameaças à alimentação causadas por esses empreendimentos. Cabe ressaltar que não são apenas os parques eólicos os exemplos de projetos que dizem ser renováveis e limpos. Essas comunidades cearenses são apenas dos principais exemplos que sofrem com a produção de energia produzida pelo vento, mas esses modelos e outros tipos de produção de energia se reproduzem por todo o país.
Por isso, as mulheres são as que também precisam construir estratégias de enfrentamentos aos projetos de energia, mineração e agronegócio que se instalam em suas comunidades e mudam suas práticas. Algumas dessas estratégias são a articulação coletiva, a formação, a partilha de conhecimentos e a integração entre grupos, movimentos, organizações e universidades.
Discutir os desafios da transição energética sob uma perspectiva feminista significa não só considerar os impactos dos grandes projetos sobre as vidas das mulheres, mas entender que sem a participação efetiva delas as transformações necessárias para os modelos de produção enérgica não serão possíveis. Continuaremos em ciclos de modelos que não reconhecem e não respeitam os direitos das comunidades indígenas, quilombolas, camponesas, ribeirinhos, mulheres, pessoas negras e pessoas pobres.
Por Larissa Santos – Coordenadora Política da Justiça nos Trilhos.
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