Vitória da Esperança: Piquiá de Baixo celebra a luta e conquista de moradias longe do foco de poluição direta 

Vitória da Esperança: Piquiá de Baixo celebra a luta e conquista de moradias longe do foco de poluição direta 

Cerca de 281 famílias já assinaram os contratos para suas novas casas no reassentamento Piquiá da Conquista.

Na segunda-feira (7), a comunidade de Piquiá de Baixo, em Açailândia (MA), viveu um dia histórico: a assinatura dos contratos que aproximam as famílias da realização de um processo de luta — morar em um lugar mais distante da poluição direta. Organizado pela Associação Comunitária de Moradores de Piquiá (ACMP) e pela Caixa Econômica Federal com apoio da Justiça nos Trilhos (JnT), o momento marca anos de resistência e perseverança da comunidade.

Com sorrisos e alívio visível, as equipes da Caixa, voluntários da ACMP e da JnT auxiliaram as famílias na leitura e assinatura dos documentos. “É muita alegria, esperamos por isso há tanto tempo!”, comemorou Maria Izabel, uma das moradoras, segurando emocionada o contrato. O mutirão, que segue até esta terça-feira (8), das 8h às 17h, contempla as 312 famílias da comunidade. Na semana anterior, aquelas que moram fora de Açailândia também tiveram a oportunidade de assinar seus contratos, demonstrando a união em torno dessa conquista.

Antes de o novo bairro Piquiá da Conquista se tornar realidade, a comunidade de Piquiá de Baixo enfrentou uma longa batalha contra a poluição causada pela cadeia logística da mineração, coordenada pela Vale S.A. e pelas siderúrgicas locais. A poluição começou na década de 1980, quando o escoamento de minério de ferro e a produção siderúrgica afetaram drasticamente a qualidade de vida dos moradores. Em 2008, a comunidade votou pelo reassentamento, que se concretizou após mais de uma década de intensa mobilização, com protestos e negociações envolvendo o Ministério Público, a Associação de Moradores e as empresas.

O clima foi de celebração e esperança. “Estou tão feliz! Agora podemos sonhar em viver longe da poluição direta e incessante”, desabafou Antônia Flávia, visivelmente emocionada. “Finalmente teremos um lugar para chamar de lar.” Em suas redes sociais, Antônia compartilhou uma foto da mãe assinando o contrato, com a legenda: “Esse momento merece feed❤️ Não consigo expressar a felicidade e que me fez ser forte. Minha nova tatuagem me lembra que ‘Até do avesso minha alma é força.’ Paizinho, assinamos o tão sonhado contrato😭🤍.”

O falecimento do pai de Antônia, Adelson Ferreira do Nascimento, em dezembro de 2020, faz desta conquista um momento de profunda emoção para a família. Ele foi um dos que lutaram e acreditaram no reassentamento, e sua memória permanece viva no esforço de todos que continuam essa batalha. Para Antônia, assinar o contrato é também honrar a trajetória de seu pai, tornando essa vitória ainda mais significativa.

Até o momento, 281 assinaturas foram registradas, e o número deve crescer com o avanço do mutirão. Em muitos casos, as assinaturas foram feitas por titulares e seus procuradores, evidenciando a determinação das famílias em garantir um novo lar.

Este momento representa um marco na história de Piquiá de Baixo, um símbolo da força e resiliência de uma comunidade que nunca desistiu de lutar por melhores condições de vida. Mais do que casas, essas famílias conquistam dignidade e a esperança de um futuro melhor.

Agora, a mudança das famílias para suas novas casas está se aproximando. Ainda é necessário registrar os contratos em cartório para que, finalmente, seja feita a tão esperada inauguração do bairro. Esse processo simboliza uma vitória coletiva, mas também serve como um lembrete de que a luta por reparação ambiental e justiça social é contínua, com a Vale S.A., as siderúrgicas e o Estado sendo diretamente responsáveis pelas violações que tornaram esse reassentamento necessário.

Justiça nos Trilhos compartilha atuação em Direitos Humanos e da Natureza em disciplina da pós-graduação em Políticas Públicas da UFMA

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Ao centro da foto, Mikaell e Fernanda junto com a turma da pós-graduação.

🔸 No último dia 16 de agosto, o coordenador de projetos e relações da Justiça nos Trilhos (JnT), Mikaell Carvalho, e a advogada popular Fernanda Souto representaram a organização em uma roda de conversa com alunos da pós-graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), em São Luís. A atividade foi realizada na disciplina “Racismo Institucional e Conflitos Socioambientais”, ministrada pelo defensor público da União e professor Yuri Costa.

🗣️ Durante o encontro, foram discutidas a atuação da JnT ao longo do Corredor Carajás, com destaque para o caso da comunidade de Piquiá de Baixo, em Açailândia (MA). Este caso envolve a realocação de famílias da comunidade original para Piquiá da Conquista, como parte de um processo contínuo de luta contra as violações de direitos humanos decorrentes da mineração e outros empreendimentos ligados à logística mineral.

👉🏿 A conversa também proporcionou uma troca de experiências entre os/as participantes, que compartilharam seus campos de estudo e tiveram a oportunidade de compreender melhor as dinâmicas dos movimentos sociais.

À esquerda, Yuri Costa, Mikaell carvalho ao centro e à direita, Fernanda Souto.
Conectando dores e resistências: encontro entre comunidades afetadas pela mineração na França e Brasil fortalece diálogo entre países

Conectando dores e resistências: encontro entre comunidades afetadas pela mineração na França e Brasil fortalece diálogo entre países

Para Flávia Nascimento, jovem liderança da comunidade de Piquiá de Baixo, no Maranhão, Brasil, viajar pelo território do Vale do Orbiel, na França, significa reconhecer que ela e sua comunidade não estão isoladas na luta. “Trazer um pouco da minha comunidade para esse território significa unir nossas lutas e forças. Às vezes, achamos que somos únicos e estamos sozinhos”, reflete ela.

Durante os dias 26 e 28 de maio, jovens defensores do Brasil, que vivem em territórios violados ou acompanham comunidades nessa situação, visitaram o Vale do Orbiel, uma localidade francesa afetada pelo extrativismo mineral. Há anos, essa população lida com a contaminação e doenças em suas terras, agravos à saúde, além de enfrentar o modelo econômico predatório do Norte Global.

Essa ação ocorreu no âmbito da Campanha de Desinvestimento no setor da Mineração, promovida pela Rede Igrejas e Mineração, juntamente com a organização de direitos humanos Justiça nos Trilhos (JnT) e suas atividades de defesa para enfrentar e pôr fim à violência na Amazônia brasileira, em parceria com a Cáritas França, com quem reforça os diálogos Norte-Sul.

Para Mikaell Carvalho, membro da JnT, esse intercâmbio com as comunidades afetadas na França o faz pensar que as línguas não são um impedimento para se encontrarem, e que o encontro é uma parte fundamental da luta. Para o defensor, esse isolamento a que se quer submeter as comunidades é intencional.

Durante esses dias de intercâmbio entre as comunidades atingidas, surgiram reflexões que nos permitirão continuar a luta contra essas violações. “O que nos impede de nos reunirmos de forma mais ampla é justamente a violação de direitos, pois tentam nos isolar em nossos próprios territórios. Nos unirmos é essencial”, disse ele.

Para Gérard, representante do Vale do Orbiel, o intercâmbio é importante porque nos permite conhecer a experiência dos outros, saber como agem, como reagem, qual é o seu contexto, o seu universo.

Para Milha Wainer, uma das facilitadoras deste encontro graças à Cáritas França, o encontro também ajuda a perceber e a tocar no fato de que o modelo que sacrifica vidas e territórios, que desapropria e saqueia, também está presente no Norte Global. Há comunidades que estão pedindo reparação pela contaminação de seus territórios.

Mikaell, do Brasil, sublinha que o modelo que pressiona os territórios é predatório. “Esse modelo econômico olha para os nossos territórios como um espaço de exploração desenfreada e não os vê como eles realmente são: espaços de vida, partilha, comunhão e celebração”.

O intercâmbio permitiu unir o sentido das lutas, reconhecer o inimigo dentro do modelo que extrai e despossui, e promover uma unidade que transcende as fronteiras. Para Flávia Nascimento, percorrer as localidades afetadas na França amplia as perspectivas. Ao retornar aos territórios em resistência, ela afirma: “Isso está muito relacionado com a realidade, tudo é muito semelhante, tudo está muito interligado”.

As lutas e os sofrimentos também estão muito interligados. Os diálogos e a unidade devem ser entre territórios, intergeracionais e entre povos do norte e do sul.

Texto pela ‘Campanha de Desinvestimento em Mineração’ e ‘Rede Igrejas e Mineração’.