Crime ou Acidente? Impactos socioambientais da mineração de Minas Gerais ao Maranhão

Crime ou Acidente? Impactos socioambientais da mineração de Minas Gerais ao Maranhão

Entenda como o modelo mineral no Brasil segue deixando marcas irreversíveis na natureza e na vida de pessoas para além do território mineiro, como é caso das comunidades maranhenses, Piquiá de Baixo e Santa Rosa dos Pretos.

No dia 25 de janeiro de 2020, o crime socioambiental de Brumadinho completa 1 ano. Exatamente às 12h28 de uma sexta-feira, a barragem da Mina do Córrego Feijão, da mineradora Vale se rompeu na Região Metropolitana de Belo Horizonte, despejando 12 milhões de metros cúbicos de resíduo. Um verdadeiro mar de lama com rejeito de minério matou o rio Paraopeba, destruiu casas da região do Córrego do Feijão, matou mais de 250 pessoas (11 ainda seguem desaparecidas) e continua afetando a vida da população mineira, em especial aquela que vive próxima à barragem de rejeito.

A Vale também está envolvida com o rompimento da barragem do Fundão, no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), que ocorreu em 2015.  Além de Minas, a empresa também segue ceifando o bem viver de comunidades no Maranhão, como é o caso de Piquiá de Baixo, comunidade impactada pela Estrada de Ferro Carajás (EFC) – de responsabilidade da Vale – e pelo polo siderúrgico, e Santa Rosa dos Pretos, que sofre impactos aos seus costumes, tradição e ao direito básico ao acesso a água em seu território, provocados pela implantação e ampliação da EFC, usada para transporte do minério, que é exportado principalmente para a China. 

Em todos os casos, a água é o bem universal mais afetado. Por exemplo, em Barcarena no Estado do Pará, em fevereiro de 2018, o despejo de rejeitos tóxicos da refinaria Hydro Alunorte, da norueguesa Norsk Hydro, atingiu comunidades e rios. Em Mariana, o Rio Doce foi contaminado com 43 milhões de metros cúbicos de rejeitos. Piquiá sofre com problemas de abastecimento de água e o rio que passa pela comunidade é poluído pelas siderúrgicas. Santa Rosa dos Pretos teve um dos seus maiores igarapés concretados durante a duplicação da ferrovia.

A onda gigante de lama tóxica e os impactos diários causados pela infraestrutura logística e cadeia mineral como um todo, revelam que a exploração mineral no país segue anulando sonhos de crianças, mulheres e homens e toda e qualquer possibilidade de vida saudável próximo aos grandes empreendimentos.

É uma cadeia de impactos irreversíveis a vida humana e ao meio ambiente e que causam ainda mais indignação pela impunidade. Em todas as situações citadas, as empresas tentam eximir-se de suas responsabilidades, utilizando um recurso também violento: o discurso de que foi um acidente. Em várias entrevistas coletivas após a tragédia ambiental de Brumadinho, o então diretor presidente da Vale, Fábio Schvartsman disse não ter sido alertado sobre os riscos e caracterizou o rompimento da barragem como acidente, entretanto, documentos internos apreendidos durante as investigações apontaram que havia pelo menos dez barragens acima do limite aceitável e que de forma deliberada, o comando da empresa “se blindava de informações que poderiam incriminá-los para evitar ser responsabilizados, com práticas de táticas de retaliação e intimidação em um setor que a companhia dominava”, segundo matéria da Agência Brasil

Acidente ou crime tem pesos diferentes no imaginário coletivo e judicialmente para a responsabilização penal.

Para entender melhor o que caracteriza um e outro, entrevistamos Danilo Chammas, advogado que atua em prol de direitos humanos em comunidades impactadas pela mineração no Maranhão e Minas Gerais. Na entrevista, o advogado comenta sobre a diferença entre crime e acidente, como também, sobre os impactos do grande projeto de mineração operado pela Vale no Brasil, em especial Brumadinho e comunidades no Maranhão.

Qual a diferença entre crime e acidente?

Esse tema é importante porque mostra de maneira explícita a disputa de narrativas que ocorre em contextos de conflitos socioambientais. Não por acaso, temos visto a todo o tempo maneiras diferentes de se referir ao mesmo fato, a depender do autor do discurso.

No caso de Brumadinho, vemos por um lado a Vale S.A., maior responsável pelo fato, esforçando-se para qualificar o rompimento da barragem (e suas trágicas consequências) como um “acidente”. Foi assim por exemplo no inesquecível depoimento do então diretor presidente da empresa, Fabio Shvartsman, à Comissão Externa da Câmara dos Deputados, ainda em fevereiro de 2018, em que ele declarou que: “a Vale é uma joia brasileira que não pode ser condenada por um acidente que aconteceu em uma de suas barragens, por maior que tenha sido a tragédia.”

Por sua vez, também em Brumadinho, vê-se a insistência de alguns familiares de vítimas fatais e atingidos em geral em afirmar que “não foi acidente, foi crime”. Essa narrativa traz em si o anseio pelo reconhecimento de que os causadores sejam punidos (justiça) e sejam obrigados a reparar os danos sofridos (reparação integral).

Voltando ao depoimento de Fabio Shvartsman, a palavra “acidente” não foi casualmente empregada por ele. Por um lado, perante a opinião pública, essa palavra passa a ideia de que o que aconteceu foi algo inesperado, imprevisível e que não podia ter sido evitado pela Vale. Espalhar essa ideia é fundamental para a preservação da imagem e reputação da empresa perante a opinião pública. Uma empresa com boa reputação tem mais facilidade para estabelecer parcerias, firmar contratos, conquistar financiamentos, angariar investidores, obter do poder público benefícios fiscais, licenças e outras autorizações para suas operações e desqualificar a narrativa daqueles que são atingidos por seus empreendimentos e lutam pelo reconhecimento de seus direitos.

Da mesma forma que a Vale busca ser absolvida no julgamento da opinião pública, o uso da palavra acidente também tem implicações do ponto de vista jurídico”. 

Em primeiro lugar, no âmbito do Direito Civil, quando uma situação é considerada inevitável, ela pode ser enquadrada como “caso fortuito” ou de “força maior” o que acaba por liberar o causador do dever de reparar o dano por ele provocado. “Caso fortuito” é justamente um evento proveniente de uma ação humana que é imprevisível e, portanto inevitável. “Força maior”, por sua vez, se refere às situações em que mesmo previsível, o evento é inevitável. Essa última expressão se refere aos eventos da natureza, como furacões e grandes tempestades, por exemplo.

Por outro lado, a palavra “acidente” também pode influir na responsabilização penal das pessoas físicas e jurídicas envolvidas. Lembremos que o “acidente” traz também a ideia de que o agente causador do dano não tinha a intenção de provocá-lo. Isso pode ter efeitos importantes do ponto de vista da responsabilização penal, posto que há vários delitos que, por definição, não preveem aplicação de pena ao infrator se a conduta se dá de forma culposa (não intencional). Por outro lado, para os crimes em que a forma culposa é também penalizada, a diferença se expressa na quantidade de pena, que normalmente é muito menor do que na forma dolosa (intencional). Basta ver o exemplo do crime de homicídio simples, que, se for doloso, tem como pena mínima a de 6 anos e pena máxima a de 20. Porém, se for culposo, a pena aplicada ficará entre 1 e 3 anos. 

Atuando em diversas comunidades com assessoria jurídica como você observa o discurso sobre acidente chegando nas comunidades? Existe algum fato que queira relatar?

O discurso sobre acidente também é empregado pela Vale S.A. e outras empresas da cadeia da mineração em outros contextos, exatamente com o objetivo de defender a sua reputação perante a opinião pública e de se esquivarem de seu dever de reparar o dano causado. Isso se dá por exemplo nos casos de atropelamentos ocorridos ao longo da Estrada de Ferro Carajás e também nos casos de queimaduras decorrentes do contato de crianças com os resíduos incandescentes da produção de ferro gusa depositados pela Gusa Nordeste na comunidade de Piquiá de Baixo, em Açailândia.  

De que maneira, o discurso de que em Brumadinho foi acidente reverbera nas demais comunidades impactadas? 

Tenho circulado por diversas comunidades e vejo que as pessoas em geral têm rejeitado essa expressão. Lembro inclusive de uma consigna que vem sendo entoada em muitos atos: “Não! Não! Não foi acidente! A Vale mata rio, mata peixe e mata gente!”, que é utilizada desde o rompimento da barragem de Fundão, na cidade de Mariana em 2015. Essa disputa de narrativa é, portanto, muito relevante para a definição do futuro, pois além de definir como a história será contada, influi diretamente sobre as condições de vida das pessoas: tanto aquelas que já sofreram os danos e que poderão não contar com medidas de reparação, quanto aquelas de outras localidades que poderão vir a sofrer dos mesmos males, se essas situações continuarem sendo vistas como meros acidentes.

Além das ações judiciais em busca da punição e reparação dos danos, a luta dos familiares das vítimas também é pela mudança de discurso: “foi crime e não acidente!”. Como esse reconhecimento se insere no conceito de reparação e qual tem sido o posicionamento dos familiares para disputar as narrativas? 

Em Brumadinho, muitos atingidos e atingidas também estão conscientes disso e por essa razão é comum encontrar em suas faixas e discursos a afirmação de que o rompimento da barragem não só se tratou de um acidente, mas também de um crime doloso. Há, porém, um complicador. A definição de “acidente de trabalho”, conceito do Direito Laboral, acaba ampliando a confusão, especialmente em um caso em que a grande maioria das vítimas fatais é composta de trabalhadores diretos ou indiretos da empresa. Isso porque esse conceito é aplicado mesmo quando o fato é previsível, evitável ou decorreu de uma conduta intencional de quem o causou.

Cabe também salientar que o referido discurso de Fabio Shvartsman, no qual ele qualificou a Vale como uma “jóia brasileira” fez com que os familiares de vítimas fatais adotassem como bandeira essa mesma expressão para se referir a seus entes queridos que perderam suas vidas em decorrência do rompimento da barragem. “A minha mãe, Malu, é que era uma joia brasileira. Não é a Vale quem julga quem é ou não uma joia”, disse Patricia Borelli, filha de Maria de Lourdes da Costa Bueno, em artigo publicado na Folha de São Paulo, poucos dias depois do depoimento de Shvartsman. “A Vale assassinou com requinte de crueldade todas essas pessoas que nós chamamos de joias”. “A Vale e outras empresas mineradoras não são joias. Elas matam a fauna, a flora, os rios, destroem famílias. Hoje eu vejo o minério como uma forma de crime. Crime contra a vida em todas as instâncias”, disse Andresa Rodrigues, mãe de Bruno Rodrigues. Essa disputa de narrativas se insere no que a jurisprudência do direito internacional dos direitos humanos definiu como o DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE.

Você poderia nos falar um pouco mais sobre o direito à memória e à verdade e também sobre o conceito de reparação integral?

O direito à memória e à verdade tem sido reivindicado com ênfase pelos movimentos e organizações de direitos humanos nos processos de transição de ditaduras para regimes democráticos. Esses atores buscam afastar o medo de se conhecer e de se contar os fatos tais como eles realmente aconteceram.  No caso do Brasil, embora muito tardiamente, contamos com o trabalho da Comissão Especial para Mortos e Desaparecidos Políticos, que publicou seu dossiê em 2007.

O conceito da reparação integral desenvolvido pela jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos inclui as “medidas de satisfação”, que são medidas a serem impostas aos violadores de direitos para aliviar a dor das vítimas através da reconstrução da verdade, da difusão da memória histórica e da dignificação das vítimas. Na prática, isso se expressa através do reconhecimento público de responsabilidade, pedidos de desculpas públicas, atos de homenagens, construção de memoriais ou de outras formas de se propagar a verdade sobre os fatos.

A mentira e o esquecimento são úteis aos perpetradores pois os ajudam a se livrar da punição, da responsabilidade de reparar o dano e do dever de tomar medidas efetivas para que os mesmos fatos nunca mais ocorram. O lema é: “que nunca se esqueça para que nunca mais aconteça”.  

Como essa disputa pelo direito à memória e à verdade tem ocorrido em Brumadinho?

No caso de Brumadinho, essa disputa também tem ocorrido na prática.  Em uma das ações judiciais, proposta por familiares de vítimas fatais, foi requerido que a Vale exibisse por 20 anos, nas entradas das sedes e filiais da empresa e de suas subsidiárias em todo o mundo, fotografias com texto em homenagem às vítimas, além da leitura de um texto no início de todas as assembleias de acionistas da empresa que começava com a frase “a vida vale mais do que o lucro”. Existe também a luta da associação de familiares de vítimas fatais (AVABRUM) pela construção de um memorial em homenagem às vítimas.

Na mesma linha, o Movimento Águas e Serras de Casa Branca está desenvolvendo uma frente de resgate e dignificação da memória histórica da luta de seus membros em defesa da água e em oposição à mineração na região. Uma exposição será lançada em um evento público a ser realizado no próximo dia 23 de janeiro, na Escola Municipal Carmela Caruso Alluoto, às 18h30, em Casa Branca, no contexto das atividades que marcarão o aniversário de 1 ano do rompimento da barragem. Nos dias 24 e 25 de janeiro a exposição estará no centro de Brumadinho. No dia 26 de janeiro, domingo, haverá uma coletiva de imprensa e uma caminhada pelas ruas de Casa Branca.

Campanha “Janeiro Marrom” lembra um ano do crime da Vale em Brumadinho e alerta para violações constantes de mineradoras

Campanha “Janeiro Marrom” lembra um ano do crime da Vale em Brumadinho e alerta para violações constantes de mineradoras

No próximo dia 25 de janeiro completa-se um ano de um dos maiores crimes socioambientais cometidos pela mineradora Vale no Brasil: o rompimento da barragem da mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), que matou pelo menos 259 pessoas já identificadas, além de dois nascituros, Lorenzo e Maria Elisa, que morreram no ventre de suas mães. Onze pessoas seguem desaparecidas. 

A avalanche de cerca de 12 milhões de metros cúbicos de lama tóxica que soterrou mulheres, homens, animais e vegetação também matou o rio Paraopeba a 40 km de distância da barragem rompida, impactando povos originários, fauna e flora que dele dependiam. 

Em 2015, a Samarco, subsidiária da Vale e da anglo-australiana BHP Billiton, já tinha cometido o mesmo crime em Minas Gerais. O rompimento da barragem do Fundão, no município de Mariana, matou 19 pessoas e deixou um rastro de destruição com 40 milhões de metros cúbicos de lama tóxica arrasando animais, vegetação, comunidades, casas, o Rio Doce e parte do litoral brasileiro.

Tanto Samarco quanto Vale sabiam, de antemão, do risco real de rompimento das barragens, mas não tomaram nenhuma providência para evitar as tragédias. Até agora, ninguém foi punido por nenhum dos dois crimes.

A indignação com a impunidade, com a conivência e omissão do Estado e o poder de atuação de mineradoras em Minas Gerais levou integrantes do Movimento pelas Serras e Águas de Minas (MovSAM) a criarem a campanha “Janeiro Marrom”. O objetivo da campanha, segundo Maria Teresa Corujo, integrante do movimento e ambientalista em Minas Gerais, é lembrar, ao longo do mês de janeiro, o crime da Vale em Brumadinho e visibilizar o papel do Estado e dos aliados das empresas de mineração que também são responsáveis pelo crime. 

Além disso, há o alerta “sobre a mineração que mata e assombra pessoas, destrói comunidades e biomas, vidas, fauna, flora, paisagem, qualidade do ar e solo, nascentes, aquíferos e rios e, de forma implacável, avança sobre territórios inviabilizando outras formas de viver, viola direitos e faz uso das mais diversas estratégias para deixar refém a população”, completa Maria Teresa, que também integra o Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela e o SOS Serra da Piedade.

Aliança entre Água para os Povos! e Janeiro Marrom

Durante o mês de janeiro, o capítulo brasileiro da campanha “Água para os Povos” estará unido à campanha “Janeiro Marrom” publicando reportagens neste site sobre o crime da Vale e conteúdos exclusivos no Twitter, Facebook e Instagram sobre Brumadinho e sobre a resistência de povos e comunidades às violações cometidas por empresas do setor de mineração. As tragédias de Mariana e Brumadinho deixam entrever, de maneira superlativa, as tragédias diárias de centenas de comunidades brasileiras, como Piquiá de Baixo (Açailândia/MA) e Santa Rosa dos Pretos (Itapecuru-Mirim/MA), violadas há décadas pela Vale e pela mineração.

A seguir, confira a entrevista concedida por Maria Teresa Corujo ao site.

O que é o “Janeiro Marrom” e como surgiu?
O Janeiro Marrom é uma campanha de conscientização e alerta, à semelhança do Outubro Rosa e Novembro Azul, que hoje fazem parte do calendário anual de campanhas. Surgiu em dezembro a partir da ideia de Guto que, junto com outros integrantes do Movimento pelas Serras e Águas de Minas (MovSAM) do qual participa, desenvolveram o plano inicial que foi compartilhado com outros ativistas para sua realização.

Em que consiste a iniciativa?
A iniciativa consiste numa campanha por meio das redes sociais a partir da adesão de organizações, movimentos e pessoas que se unem em um coletivo para abraçar e realizar o seu objetivo. Durante todo o mês de janeiro será divulgado material que reúne dados, informações, esclarecimentos, reflexões e notícias relevantes sobre a mineração e seus impactos sobre comunidades e ambientes e como o Estado tem sido omisso ou conivente. A campanha também irá dar visibilidade a atos, eventos e manifestações relacionados com o marco de um ano do rompimento ocorrido em 25 de janeiro de 2019, como a 1ª Romaria Arquidiocesana pela Ecologia Integral a Brumadinho.

Como pessoas, grupos e entidades podem apoiar o “Janeiro Marrom”?
Aderindo à campanha como já está acontecendo com o uso do lacinho marrom nas fotos de perfil no facebook e nas logomarcas de organizações e movimentos que já participam do Janeiro Marrom. Seguindo a campanha @janeiromarrom no Instagram e no Twitter e compartilhando com amigos, gravando um vídeo de apoio à campanha usando a [hashtag] #janeiromarrom (máximo 1 minuto), realizando ações pelo Janeiro Marrom no seu município e enviando fotos/vídeos para serem publicados (janeiromarrom@gmail.com) e acompanhando as postagens no blog da campanha.

Em que contexto foi criada a campanha?
O Janeiro Marrom foi criado porque estamos indignados com a impunidade em relação aos crimes da Samarco (2015) e da Vale (2019) e a hegemonia e poder que a mineração tem em Minas Gerais apesar dos graves impactos e violações há décadas. A verdade é que para as empresas de mineração e grande parte de autoridades, governos, prefeituras, políticos e judiciário é como se nada tivesse acontecido em Brumadinho. É como se não tivessem morrido 272 pessoas (dois bebês morreram junto de suas mães grávidas), acabado com trecho do rio Paraopeba e destruído a captação de água que abastecia milhares de pessoas. É como se em 2015 o Rio Doce e o litoral não tivessem sido impactados da forma que foram, 19 pessoas não tivessem morrido, Bento Rodrigues e outras comunidades destruídas, povo Krenak perdido o seu rio Watu e milhares de pessoas sofrido diversos tipos de perdas.

Temos assistido o Estado pautar reiteradamente, com pareceres favoráveis, projetos minerários onde existem barragens que são “bombas relógio”. Por exemplo, no dia 20 de dezembro de 2019, em reunião da Câmara de Atividades Minerárias (CMI) do Conselho Estadual de Política Ambiental que durou doze horas ininterruptas, foi concedida Licença de Operação para um alteamento da barragem da Anglo American, em Conceição do Mato Dentro (MG) que vai ter cerca de 300 milhões de metros cúbicos de rejeito, mesmo com comunidades na chamada Zona de Autossalvamento (que nós chamamos de Zona de Alto Risco de Morte), o que a Lei, conhecida como Mar de Lama Nunca Mais, veda expressamente. Com parecer jurídico favorável da Advocacia Geral do Estado que não acatou uma recomendação do Ministério Público Estadual. Dez dos doze conselheiros votaram a favor da licença à revelia da lei.  

A perspectiva de novos rompimentos é muito real pela forma como a questão vem sendo tratada porque não se vê por parte das autoridades qualquer ação eficaz. Temos regiões em Minas Gerais como Itabira, Alto Rio das Velhas e Paracatu com barragens de rejeito com uma quantidade enorme de pessoas no entorno. Em Itabira existem cerca de 10 mil pessoas morando na Zona de Autossalvamento das 17 barragens de rejeito da Vale e no ao Alto Rio das Velhas há mais de 50 barragens de rejeitos que, se romperem, descem pelo rio e inviabilizam o abastecimento de água de mais de dois milhões de pessoas de Belo Horizonte e sua região metropolitana. Algumas com volume que pode destruir até o Rio São Francisco. 

Estamos indignados e repudiamos que as soluções dadas sejam, por exemplo, treinar pessoas para se autossalvar enquanto se permite que a mineração continue operando barragens e ampliando complexos minerários onde estas barragens estão incluídas, sem falar nas novas que vêm sendo licenciadas. Não aceitamos que as soluções sejam só colocar sirenes, placas de rotas de fuga e pontos de encontro, enquanto o status quo da mineração continua como se nada tivesse acontecido e se continuam licenciando “a rodo” empreendimentos minerários. E ainda temos o que chamamos de “terrorismo de barragens” que vem evacuando pessoas dos territórios alegando riscos que não são confirmados e ainda justificam grandes obras “emergenciais” que causam graves impactos socioambientais e são construídas depois das comunidades, o que significa que de nada servem, a não ser a interesses de expansão ou de novas minas nessas regiões.

Por isso a necessidade de ampliar a conscientização da população sobre a mineração e trazer à tona a verdade sobre essa atividade extrativista que é quase como uma caixa-preta porque o setor blinda e constrói estratégias de marketing para que a população seja enganada. A partir do momento que a maior parte da população conhecer o que nós, ambientalistas, já sabemos há anos, o que as comunidades do entorno da mineração já vivenciam há anos, o sofrimento e o impacto, nós vamos ter uma grande pressão social para colocar contra a parede essas empresas e autoridades. É vergonhoso, cruel e violento o que vivemos em Minas Gerais.