Comitê Estadual de Controle Social da CFEM do Maranhão exige repasse imediato de recursos da mineração para comunidades afetadas

Comitê Estadual de Controle Social da CFEM do Maranhão exige repasse imediato de recursos da mineração para comunidades afetadas

Organizações e movimentos sociais uniram forças para monitorar e garantir o uso dos recursos da CFEM de maneira adequada e justa, em benefício das comunidades afetadas pela mineração nos municípios maranhenses

Apresentação de Eixos de Debates no III Seminário Estadual “CFEM: Participação e Controle Social em Itapecuru-Mirim (MA) em maio de 2023

Preocupado com a situação dos territórios impactados pela mineração no Maranhão, o Comitê Estadual de Controle Social da CFEM (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais) do Maranhão, uma coalizão de associações e movimentos sociais representando os municípios afetados pela indústria da mineração, encaminhou à direção da Agência Nacional de Mineração (ANM), na última sexta-feira (29/09), uma solicitação de urgência no repasse dos recursos.

A CFEM é uma importante fonte de recursos destinados aos munícipios impactados pela mineração, em especial, as comunidades diretamente impactadas pela cadeia da mineração no Maranhão. A aplicação adequada desses recursos é fundamental para mitigar os impactos negativos dessa atividade nas áreas afetadas. No entanto, o Comitê observou que, apesar do lucro bilionário gerado pela mineração na região, os recursos atrasados por parte da Agência Nacional de Mineração, estão aquém do necessário.

A carta enderaça à ANM enfatiza que a arrecadação é superior ao que é repassado, como também, destaca as áreas que esses recursos têm sido destinados. “A extração mineral gera lucro de bilhões anuais, a exemplo da Mineradora Vale S.A. cujo lucro líquido contábil em 2022 foi de R$ 95,9 bilhões – esse recurso, desde 2019, passou a integrar a Receita dos Municípios afetados, mas não minerados, principalmente no apoio às áreas de infraestrutura, educação e saúde. Não há dúvida que as comunidades mais impactadas nesses municípios são as primeiras a sentirem a ausência desse recurso”, afirma o Comitê.

“Sabemos que esse recurso é o minímo se comparado com os lucros que as empresas ganham, mas, para muitos territórios impactados e atravessados pela cadeia da mineração, esse recurso advindo da CFEM é a única garantia de políticas públicas e assistências mínimas. O atraso aumenta as problemáticas. A nossa intenção com essa carta é garantir que as políticas públicas e sociais que são geridas com esses recursos, possam ter continuidade”, destaca o educador popular e quilombola, Joércio Pires.

O comunicado ainda ressalta que os atrasos no repasse desses recursos têm exacerbado problemas sociais em diversos municípios do estado. Por exemplo, em Açailândia, a comunidade de Piquiá de Baixo, as 312 famílias estão prestes a serem reassentadas, por causa de impacto das atividades ligadas a mineração. No entanto, o atraso no repasse da CFEM pode atrasar a transferência dessas pessoas, devido a não conclusão de obras essenciais de infraestrutura, que tem sido custeadas com esses recursos.

Adriana Oliveira, moradora da comunidade Novo Oriente, também do município de Açailândia, descreve a importância desse recurso chegar ao destino final. “A gente mora às margens da linha de ferro, onde esse recurso deve ser muito bem aplicado. A CFEM deve contribuir diretamente para o nosso fortalecimento com saúde, educação, infraestrutura entre outras coisas básicas”, afirma.

“Nós sabemos que esse recurso não é uma compensação direta pelos danos causados pela mineração, mas sim uma maneira de garantir políticas públicas nos estados que os minérios saem e dos municípios que fazem parte dessa logística do lucro para essas grandes empresas. Por isso, precisamos do compromisso das estâncias do Governo Federal para que libere o quanto antes esse recurso. Continuaremos aqui fiscalizando e em campanha para essas comunidades tenham seus pedidos atendidos”, completa Adriana.

O Comitê finaliza a carta ressaltando a urgência da situação, e solicitando que os repasses sejam realizados ainda no mês de outubro de 2023, com prioridade absoluta ao Estado do Maranhão. Pontua também que essa prioridade é uma questão humanitária, ética e moral para combater a desigualdade social.

Ciente de que os servidores da ANM encerraram também na sexta-feira (29), a greve geral que já durava mais de um mês, que tinha como objetivo reivindicar melhores condições para o órgão regulador do setor mineral, o Comitê aguarda o retorno com propostas e resoluções do problema enfrentado pelos territórios.

Entenda as mudanças na Lei que disciplina os repasses

De acordo com a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), os repasses aos Municípios que acessam os recursos como impactados não estão ocorrendo com a mesma regularidade de anos anteriores no decorrer deste exercício, diferentemente das transferências aos Entes produtores que têm ocorrido normalmente. “A motivação se dá por conta de dispositivos da Lei 14.514/2022, que trouxe mudanças importantes na distribuição CFEM. Ainda segundo a CNM, os Municípios que estão na condição de afetados dependem da publicação de um decreto da Presidência da República que estabelece o percentual de distribuição da Cfem.

Além disso, o Decreto 11.659/2023, publicado em 24 de agosto de 2023, disciplina a distribuição dos recursos aos Municípios afetados pela atividade e delega à ANM a definição de critérios e da forma de cálculo da parcela destinada aos afetados. Também estabelece os critérios em casos onde o Município produtor tenha direito a receber também como afetado, o valor corresponderá à diferença entre a parcela devida ao Município afetado e a parcela recebida como produtor.

Alguns porcentuais foram modificados, a depender do tipo de impacto. Ficou assim:
⇒ de 50% para 55%, a compensação as infraestruturas utilizadas para o transporte ferroviário de substâncias minerais;
⇒ de 30% para 35%, a alíquota de cidades com localizadas estruturas de mineração, que viabilizem o aproveitamento industrial da jazida, tais como pilhas de estéreis e de rejeitos, usinas de beneficiamento, bacias de rejeitos;
⇒ de 15% para 7%, a compensação aos Municípios afetados por operações portuárias; e
⇒ de 5% para 3%, a compensação às cidades com minerodutos.


Sobre o Comitê Estadual de Controle Social da CFEM do Maranhão

O Comitê Estadual de Controle Social da CFEM (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais) do Estado do Maranhão é uma organização composta por uma ampla variedade de associações, movimentos sociais e entidades de diferentes municípios do estado. Esse comitê tem o propósito de monitorar e controlar a aplicação dos recursos provenientes da CFEM, que são destinados às comunidades impactadas pela atividade de mineração.

As organizações e movimentos sociais que compõem o Comitê Estadual de Controle Social da CFEM no Estado do Maranhão, com base nas informações fornecidas, incluem:


– Associação Justiça nos Trilhos – Açailândia / São Luís
– Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmen Bascaran – Açailândia
– Associação Frei Tito de Alencar
– Associação das/os Trabalhadoras/es de Material Reciclável de Açailândia
– Associação Mulheres Sementes da Terra
– Associação de Moradores Assentamento Francisco Romão – Açailândia
– Sindicato dos Comerciários de Açailândia – SITICMA – Açailândia
– Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Açailândia – MA
– Sindicato dos Bancários do Maranhão/Açailândia
– Sindicato da Construção Civil de Açailândia
– Associação dos Deficientes – ADEFIA – Açailândia
– Associação de Moradores do Jacu – Açailândia
– Associação Comunitária de Moradores de Piquiá – Açailândia
– Centro Comunitário Frei Tito – Açailândia
– Paróquia Santa Luzia – Açailândia
– Associação de Moradores do Bairro Barra Azul – Açailândia
– Movimento Sem Terra / Açailândia – MST
– Congregação Religiosa Missionários Combonianos – Açailândia
– Congregação Religiosa Companhia Santa Teresa de Jesus – Açailândia
– Academia de Letras de Açailândia
– Associação dos Moradores do Bairro Novo Horizonte – Açailândia
– Associação Comunitária do bairro Laranjeiras – Açailândia
– Coletivo Ayá (LGBTQIAPN+) de Açailândia
– Associação dos Catadores de Materiais Recicláveis de Açailândia – ASCAMAREA / Açailândia
– Associação de Pessoas com Patologias de Açailândia
– Sindicato dos Metalúrgicos de Açailândia
– Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de Açailândia
– Liga Esportiva de Açailândia
– Associação das Escolinhas de Futebol de Açailândia
– Centro Espiritualista Filhos do Oriente Maior
– Associação Comunitária de Moradores de assentamento rural Vila União e Vila Concórdia – Buriticupu
– Vila Pindaré – Buriticupu
– Centro de Defesa dos Direitos Humanos e da Natureza de Buriticupu
– Vila Labote – Buriticupu
– Fórum de Políticas Públicas de Buriticupu
– União das Associações de Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Município de Itapecuru Mirim/Maranhão (UNICQUITA)
– Comunidade Quilombola Santa Helena – Itapecuru Mirim
– Comunidade Quilombola Santa Rosa dos Pretos – Itapecuru Mirim
– Comunidade Quilombola Vila Fé em Deus – Itapecuru Mirim
– Comunidade Quilombola São Bento – Itapecuru Mirim
– Comunidade Quilombola – Felipa– Itapecuru Mirim
– Comunidade Quilombola – Estopa– Itapecuru Mirim
– Comunidade Quilombola Vista Alegre– Itapecuru Mirim
– Comunidade Quilombola Santa Joana – Itapecuru Mirim
– Comunidade Quilombola Brasilina – Itapecuru Mirim
– Associação Mutum II – Arari
– Associação de Moradores do Município de Santa Rita
– Terra Indígena Piçarra Preta – Bom Jardim
– Associação de Moradores Vila Fufuca – Alto Alegre do Pindaré
– Coletivo de Mulheres – Alto Alegre do Pindaré
– Centro de Defesa dos Direitos Humanos e da Natureza de São Jesus das Selvas
– Associação de Pescadores de Cajueiro – São Luís
– Associação de Moradores de Taim – São Luís
– Missionários Combonianos – Vila Embratel – São Luís
– Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) – UFMA

Por José Carlos e Lanna Luiza

Primeira lei no Brasil que garante a participação popular na gestão dos recursos da CFEM é aprovada em município maranhense 

Primeira lei no Brasil que garante a participação popular na gestão dos recursos da CFEM é aprovada em município maranhense 

Lei garante que 50% do recurso seja destinado diretamente às comunidades mais impactadas

O município de Itapecuru Mirim, no Maranhão, aprovou a primeira lei municipal do Brasil que garante a participação direta das comunidades afetadas pela mineração na gestão do dinheiro arrecadado pela Compensação Financeira Pela Exploração Mineral (CFEM) no município.

A lei de número 1601/2023, aprovada no dia 1º de junho deste ano, cria o conselho gestor para a deliberação e controle do recurso com a participação da sociedade e garante que 50% do recurso seja destinado diretamente às comunidades mais impactadas. A utilização da transparência no processo e o investimento do poder municipal em alternativas econômicas à dependência da exploração mineral na região, também foi destacado.

Trem transportando soja sobre a Estrada de Ferro Carajás. Foto: Ingrid Barros

A elaboração dessa lei partiu da união das comunidades impactadas ao longo do Corredor Carajás em conjunto com a Justiça nos Trilhos (JnT), um trabalho que vem sendo construído por meio de reuniões, seminários estaduais e formações sobre a CFEM. A elaboração do projeto de lei contou com a assessoria do jurista Marlon Reis.

Itapecuru fica a 122 km da capital São Luís e é atravessada pela Estrada de Ferro Carajás (EFC), que possui uma extensão de 892 km e escoa o minério de ferro de Canaã dos Carajás, no Pará, onde é realizado a extração, até o porto Ponta da Madeira, em São Luís. Ao longo desse percurso, a logística da mineração impacta mais de 100 comunidades nos dois estados, trazendo violações sociais e ambientais.

Considerando que os recursos minerais como o ferro são bens finitos e a extração desses minerais trazem sérias consequências para o meio ambiente e à vida de comunidades tradicionais, a Compensação Financeira Pela Exploração Mineral (CFEM) não é simplesmente uma “compensação”, como diz o nome. Ela é, na verdade, uma obrigação das mineradoras que realizam a extração de bens da União, e devem fazer isso buscando causar o menor impacto ambiental possível, com base na lei 13.540/2017.

Até o ano de 2017, somente os municípios e estados onde eram realizados a extração dos minérios recebiam CFEM. A partir da lei 13.540/2017, os municípios e estados não minerados, mas também impactados pela logística da mineração por meio da estrada de ferro, entrepostos, siderúrgicas ou portos, como é o caso do Maranhão, passaram a receber CFEM. No entanto, apesar da lei ter sido criada em 2017, apenas em 2019 isso passou a valer.

Comunidades unidas pelo controle social

Segundo a educadora popular da Justiça nos Trilhos, Valdênia Paulino, na maioria dos municípios impactados a população sequer tem conhecimento dessa lei, ou seja, não tem conhecimento dos recursos oriundos da CFEM. Para ela, o primeiro trabalho da Justiça nos Trilhos vem sendo o de formação nas comunidades a respeito dessa lei e como a população tem direitos de melhorias de vida por meio dela.

“Nosso trabalho vem sendo o de divulgar essa lei ao dizer para as comunidades como esse recurso pode ser empregado e a necessidade de sua fiscalização. Nesse processo, a Justiça nos Trilhos tem impulsionado também as autoridades desses municípios a criarem leis que reforcem a transparência do uso e destino desse recurso, bem como a participação da sociedade civil”, esclarece Valdênia.

Desde 2021, a Justiça nos Trilhos, junto a outros parceiros, já promoveu três seminários de âmbito estadual para discutir propostas de lei com a divulgação e participação da sociedade civil no destino desse recurso. Primeiro foi no município de Açailândia, depois em Buriticupu e, por último, em maio de 2023, em Itapecuru Mirim, que impulsionou a aprovação da primeira lei municipal do Brasil com esse objetivo.

Lideranças no III Seminário Estadual da CFEM, em Itapecuru Mirim.

A lei nacional da CFEM diz que o recurso não pode ser usado para pagamento de funcionários, exceto profissionais da educação, bem como não pode ser usado para pagar dívidas do município. E recomenda, na verdade, que ao menos 20% seja empregado em alternativas econômicas à atividade da mineração. No entanto, nem sempre isso é visto na prática. Comunidades acompanhadas pela Justiça nos Trilhos relatam a falta de postos de saúde em seus territórios, bem como a ausência de saneamento básico e escolas.

“Sabemos que a maioria dos prefeitos e prefeitas têm usado o recurso para manutenção da máquina administrativa, em detrimento, claro, do direito que as comunidades mais impactadas teriam de receber esse recurso dentro das políticas públicas que poderiam beneficiar essas comunidades”, avalia Valdênia.

O que a lei municipal estabelece

A nova lei aprovada por Itapecuru Mirim significa um avanço no entendimento sobre CFEM.

Apesar de não valer no país inteiro, por ser apenas municipal, ela estabelece mecanismos específicos que permitem na prática a participação das comunidades na gestão do recurso, algo que a lei nacional não especifica. Ainda, a lei nacional 13.540/2017 da CFEM não detalha como os recursos devem ser aplicados para criar condições sustentáveis que construam alternativas às atividades da mineração.

A lei de Itapecuru Mirim garante participação comunitária, transparência e gestão das comunidades em relação aos recursos. Inclui a minimização e mitigação dos impactos socioambientais provocados pela mineração, além da participação de pelo menos três pessoas de comunidades em um plano operacional dedicado aos assuntos da CFEM criado por várias secretarias municipais. Cria também uma Ouvidoria Municipal da CFEM, onde as pessoas podem fazer denúncias, tirar dúvidas e propor sugestões.

Segundo o jurista Marlon Reis, “a lei municipal de Itapecuru Mirim pode ser vista como uma maneira de complementar a lei nacional, estabelecendo mecanismos locais para garantir que os recursos da CFEM sejam usados de maneira que beneficie as comunidades afetadas pela mineração, permitindo a participação dessas comunidades nas decisões sobre o uso dos recursos”, explica.

Poder de escolha

Em 2021, a capital São Luís (MA), que lidera a arrecadação de CFEM no Estado, recebeu mais de 115 milhões em recursos da CFEM e, em 2022, mais de 79 milhões. Já Itapecuru Mirim, arrecadou quase 7 milhões em 2021 e quase 5 milhões em 2022. Apesar do alto valor, as comunidades não veem melhorias em seus territórios.

Segundo o educador popular Joércio Pires, do quilombo Santa Rosa dos Pretos, os impactos da Estrada de Ferro Carajás (EFC) são múltiplos: poluição sonora, do ar e morte dos igarapés, além das rachaduras nas casas por conta da passagem dos trens. Para ele, essa lei é um anseio das comunidades de poder participar diretamente desses processos e efetivar os direitos dos territórios tradicionais.

“Historicamente, os gestores é que definiam o que poderia se fazer nas comunidades, o que eles queriam fazer. Eram umas praças inacabadas, às vezes, um espaço ou uma quadra que não condizia com a necessidade desses territórios que às vezes era uma água, uma casa de farinha ou outra coisa que pudesse ser usada de forma coletiva, na própria produção dos territórios”, diz Joércio.

Segundo ele, com o projeto de lei 1601/2023, as comunidades vão poder acompanhar esse processo de chegada dos recursos, além de opinarem na efetivação das políticas públicas, garantindo autonomia e qualidade de vida às comunidades.

Confira quanto os municípios maranhenses arrecadaram de CFEM em 2022:

👁️‍🗨️ DICA de LEITURA | Para apronfudar o debate em torno da TRANSPARÊNCIA, o Comitê em Defesa dos Territórios frente a Mineração, com o Projeto De Olho na CFEM, preparou a Nota Técnica “Arrecadação e uso da CFEM: limitações nos portais de transparência dos municípios minerados.”

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