Para Flávia Nascimento, jovem liderança da comunidade de Piquiá de Baixo, no Maranhão, Brasil, viajar pelo território do Vale do Orbiel, na França, significa reconhecer que ela e sua comunidade não estão isoladas na luta. “Trazer um pouco da minha comunidade para esse território significa unir nossas lutas e forças. Às vezes, achamos que somos únicos e estamos sozinhos”, reflete ela.
Durante os dias 26 e 28 de maio, jovens defensores do Brasil, que vivem em territórios violados ou acompanham comunidades nessa situação, visitaram o Vale do Orbiel, uma localidade francesa afetada pelo extrativismo mineral. Há anos, essa população lida com a contaminação e doenças em suas terras, agravos à saúde, além de enfrentar o modelo econômico predatório do Norte Global.
Essa ação ocorreu no âmbito da Campanha de Desinvestimento no setor da Mineração, promovida pela Rede Igrejas e Mineração, juntamente com a organização de direitos humanos Justiça nos Trilhos (JnT) e suas atividades de defesa para enfrentar e pôr fim à violência na Amazônia brasileira, em parceria com a Cáritas França, com quem reforça os diálogos Norte-Sul.
Para Mikaell Carvalho, membro da JnT, esse intercâmbio com as comunidades afetadas na França o faz pensar que as línguas não são um impedimento para se encontrarem, e que o encontro é uma parte fundamental da luta. Para o defensor, esse isolamento a que se quer submeter as comunidades é intencional.
Durante esses dias de intercâmbio entre as comunidades atingidas, surgiram reflexões que nos permitirão continuar a luta contra essas violações. “O que nos impede de nos reunirmos de forma mais ampla é justamente a violação de direitos, pois tentam nos isolar em nossos próprios territórios. Nos unirmos é essencial”, disse ele.
Intercâmbio no Vale do Orbiel (França).
Para Gérard, representante do Vale do Orbiel, o intercâmbio é importante porque nos permite conhecer a experiência dos outros, saber como agem, como reagem, qual é o seu contexto, o seu universo.
Para Milha Wainer, uma das facilitadoras deste encontro graças à Cáritas França, o encontro também ajuda a perceber e a tocar no fato de que o modelo que sacrifica vidas e territórios, que desapropria e saqueia, também está presente no Norte Global. Há comunidades que estão pedindo reparação pela contaminação de seus territórios.
Mikaell, do Brasil, sublinha que o modelo que pressiona os territórios é predatório. “Esse modelo econômico olha para os nossos territórios como um espaço de exploração desenfreada e não os vê como eles realmente são: espaços de vida, partilha, comunhão e celebração”.
Conferência na sede da Cáritas, França.
O intercâmbio permitiu unir o sentido das lutas, reconhecer o inimigo dentro do modelo que extrai e despossui, e promover uma unidade que transcende as fronteiras. Para Flávia Nascimento, percorrer as localidades afetadas na França amplia as perspectivas. Ao retornar aos territórios em resistência, ela afirma: “Isso está muito relacionado com a realidade, tudo é muito semelhante, tudo está muito interligado”.
As lutas e os sofrimentos também estão muito interligados. Os diálogos e a unidade devem ser entre territórios, intergeracionais e entre povos do norte e do sul.
Texto pela ‘Campanha de Desinvestimento em Mineração’ e ‘Rede Igrejas e Mineração’.
Organizações e movimentos sociais reunidos na audiência pública em São Luís, neste mês. Foto: Fetaema
Na terça passada (21), uma audiência pública em São Luís (MA) ouviu 18 denúncias graves de comunidades atingidas pela pulverização aérea de agrotóxicos no estado. Organizada pelo Conselho Estadual em Defesa dos Direitos Humanos, pela Rede de Agroecologia do Maranhão (Rama), Fetaema (Federação dos Trabalhadores Rurais do Maranhão) e Justiça nos Trilhos (JnT), a audiência reuniu cerca de 240 pessoas, entre modalidade online e presencial, e 80 comunidades reunidas no local.
De acordo com Xóan Carlos, do eixo de Alternativas Econômicas à Mineração e ao Agronegócio da JnT, as denúncias são graves porque demonstra que a pulverização aérea é muitas vezes utilizada “não só com a intenção de produzir mais barato, sem se importar com o meio ambiente, mas também com a intenção de repelir e expulsar as famílias”, seja com a motivação de que assentados da reforma agrária vendam os seus lotes ou para quilombolas que não tenham ainda a regularização completa de seus territórios desistam de lutar.
Segundo levantamento da RAMA e da FETAEMA, em quatro meses pelo menos 34 comunidades, em 12 municípios do Maranhão, denunciaram o uso indiscriminado de agrotóxicos em seus territórios. Esses venenos foram lançados por aviões e/ou drone sobre moradias, plantações, rios e igarapés. Impactando diretamente a vida de milhares de moradores.
O evento contou também com a participação de palestrantes e de várias entidades dos movimentos sociais e órgãos do poder público, tais como o Centro de Direitos Humanos de Barreirinhas, Açailândia, Caxias, Imperatriz, Buriticupu e de Santa Quitéria, da Diocese de Brejo, da AGLBES – Caxias/MA, Pastoral da Mulher, Centro de Direitos Humanos Marcos Passerini, MST, Centro de Cultura Negra do Maranhão, Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (Miqcb) e o Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) da UFMA de São Luís, entre outros.
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Campanha iniciada pela Rede Desc em parceria com a Justiça nos Trilhos e movimentos sociais. Confira o texto original aqui.
“Em 30 de janeiro de 2024, um grupo de mais de uma dezena de membros de movimentos sociais da Rede-DESC teve a oportunidade de visitar o território quilombola de Santa Rosa dos Pretos, no Maranhão, Brasil, como parte de um encontro regional de movimentos sociais. Os membros da comunidade de Santa Rosa dos Pretos têm enfrentado inúmeras violações de direitos humanos por parte de agentes estatais e não estatais, incluindo ataques físicos, ameaças e intimidação; restrição de mobilidade e acesso a seus meios de subsistência; exposição a resíduos tóxicos e poluição; e desrespeito a direitos fundamentais como o consentimento livre, prévio e informado, entre outros. A comunidade quilombola de Santa Rosa dos Pretos exige o respeito e o reconhecimento de seu território, o direito à educação, o acesso à saúde e garantias de proteção aos líderes comunitários ameaçados.
Os membros da Rede-DESC expressam sua total solidariedade a Santa Rosa dos Pretos e fazem um apelo para que seja realizada uma audiência pública com o governo brasileiro para a formação de um grupo de trabalho que atenda às demandas dos territórios, enfrente o racismo estrutural e garanta a proteção dos direitos humanos universais. Convidamos você a se juntar aos membros da Rede-DESC e acrescentar sua assinatura a esta carta coletiva em solidariedade à Justiça nos Trilhos e à comunidade Quilombola de Santa Rosa dos Pretos”.
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