Entre relatos de luta e resistência, agricultores e movimentos sociais exigem políticas públicas para o campo e a cidade.
Aconteceu nesta quinta-feira (07), na Câmara Municipal de Açailândia (MA), o II Seminário Municipal de Desenvolvimento Rural, com o tema “Políticas Públicas para o Campo e a Cidade”. O encontro reuniu agricultores, assentados, sindicatos e movimentos sociais da região de Açailândia, incluindo representantes das comunidades Francisco Romão, Novo Oriente e João do Vale, para discutir e reivindicar a implementação de políticas públicas que integrem o campo e a cidade.
Organizado por uma coalizão que envolve a Justiça nos Trilhos (JnT), o Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST), a Casa das Mulheres Sementes da Terra, a Casa Familiar Rural e o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Açailândia, o seminário destacou as necessidades dos povos do campo em áreas como educação, cultura, lazer e saúde, enfatizando o dever das autoridades municipais recentemente eleitas de garantir esses direitos.
A primeira mesa abordou a “guerra química” contra as populações do campo, intensificada pela monocultura de soja e eucalipto, com a pulverização aérea de agrotóxicos nos acampamentos e assentamentos da região. As lideranças também discutiram questões como a violência nos assentamentos, a falta de postos de saúde nas comunidades, a precariedade das estradas e a necessidade de políticas de apoio às famílias que vivem da terra.
A história do agricultor Amarildo, apresentada no seminário, é mais um possível caso de câncer subnotificado, decorrente da pulverização de agrotóxicos. Ele contou que, há pouco mais de cinco anos, um de seus filhos foi diagnosticado com câncer. Desde então, a família costuma viajar entre Imperatriz e Açailândia para tratar a doença.
Amarildo calcula que já percorreram mais de 68 mil quilômetros nessas idas e vindas. Em determinado momento, ele precisou alugar uma moradia temporária em Imperatriz. O agricultor começou a suspeitar que o câncer do filho possa ter sido causado pela exposição ao veneno aplicado próximo à terra da família.
Segundo análise feita pelo veículo InfoAmazonia e por pesquisadores da Fiocruz no estado do Mato Grosso, quanto maior o cultivo de soja, maior o risco de câncer e mortes. Crianças e adolescentes de 79 dos 141 municípios do estado têm mais chances de desenvolver e morrer por linfoma não-Hodgkin e leucemia, de nascer com malformações congênitas ou de morrer antes do parto.
“Ninguém quer falar sobre agrotóxicos quando se discute o aumento de doenças como o câncer em comunidades impactadas pela pulverização de veneno. Isso nem aparece nas estatísticas; é subnotificado”, analisa Arlane.
Na segunda mesa, Alcione Rocha, do assentamento Novo Oriente, relatou que a comunidade, que não possui posto de saúde, recebe atendimento médico apenas uma vez por mês. As organizações presentes questionaram a ausência do poder público para ouvir as reivindicações. Embora o seminário tenha sido realizado na Câmara Municipal, apenas três vereadores compareceram ao evento.
A assistente social Silvia Rosana contou que soube do evento pelas redes sociais e destacou a importância de debates como esse entre os movimentos sociais e a população urbana. Ela comentou sobre seu trabalho de atendimento às comunidades e como estas parecem “esquecidas” pelo poder público.
“Cadê o apoio voltado para a comunidade rural? Atendo 29 povoados, vilas, assentamentos e acampamentos, e nossa equipe de assistência está desfalcada. Frequentemente encontro pessoas do campo que necessitam de atendimento psicológico”, reforça Silvia.
Na terceira e última mesa, “Juventude, Mulheres e Agroecologia para um Município Sustentável”, a agroecologia foi discutida não só como uma prática de produção sustentável no campo, mas também como uma filosofia de vida dos povos, um modo de ser e viver no campo.
“A ciência nos afirma que a agroecologia é uma ciência. Mas, para nós, que não vivemos somente da ciência, mas também dos conhecimentos tradicionais, entendemos que a agroecologia, além de ser uma ciência, é um jeito de viver, uma filosofia de vida, uma forma de produzir alimentos de maneira saudável e de construir uma relação harmônica com a natureza. Nossos ancestrais não usavam o conceito de agroecologia, mas já a praticavam desde muito antes”, descreve o educador popular Andrade.
Evento ocorreu na Câmara Municipal e teve como pautas principais a educação no campo, saúde e infraestrutura dos assentados na região
Movimentos sociais e organizações civis no Seminário Municipal de Desenvolvimento Rural, em Açailândia (MA).
“A gente não quer nada mais, a não ser o melhoramento da nossa terra pra gente poder ter mecanismos de permanecer dentro da nossa zona rural. A gente quer educação e saúde ampla, que seja realmente digna para a nossa comunidade e pros nossos filhos”, reivindica Alcione, agricultora e moradora de Francisco Romão, assentamento que enfrenta a invasão da soja em seu território, os impactos da Estrada de Ferro Carajás (EFC) e a pulverização aérea de agrotóxicos, no Maranhão.
O I Seminário Municipal de Desenvolvimento Rural aconteceu em Açailândia (MA), e reuniu trabalhadores e trabalhadoras do campo para discutir as suas necessidades. A primeira girou em torno da construção de uma lei estadual que proíba a pulverização aérea de agrotóxicos, que vem causando problemas de pele e doenças respiratórias nas comunidades, além da contaminação da produção, dos animais e do meio ambiente.
A segunda, discutiu a melhoria na educação do campo e da infraestrutura, como condições dignas de estradas para os moradores e melhor fornecimento de energia elétrica. Na parte da tarde, houve o lançamento de dois estudos importantes para as comunidades: o Boletim de Cartografia Social, feito pela Justiça nos Trilhos (JnT) em parceria com o Programa de Pós-graduação em Cartografia Social e Política da Amazônia, da UEMASUL de São Luís. Esse trabalho é uma forma de fortalecer as comunidades para que elas conheçam seus territórios e os defendam.
Boletim Informativo, uma parceria da Justiça nos Trilhos com a UEMASUL de São Luís.
O segundo foi o lançamento do Estudo de Mercado de produtos da agricultura familiar, uma parceria da Jnt com a Caruanas Consultoria e a Inovadm Jr, um importante documento que melhora as condições de comercialização dos produtos da agricultura familiar, produção essa que não tem apoio na região, tanto na produção quanto na venda.
“Os agricultores produzem para comer mas também para vender e satisfazer outras necessidades. Podemos melhorar esse comércio para jogar a favor da agricultura familiar, por meio do estudo de mercado”, afirma Xóan Carlos, coordenador do eixo de Alternativas Econômicas à Mineração e ao Agronegócio da Justiça nos Trilhos (Jnt).
Durante o seminário, se discutiu muito a questão de um desenvolvimento pensado em conjunto com as comunidades, que cuide do meio ambiente, que construa as estratégias de permanência dos agricultores em suas terras: “a gente está há um bom tempo fazendo esse questionamento na nossa luta. Nossa resistência sempre foi em cima do desenvolvimento rural, que nada menos é do que a melhoria de vida, de uma vida digna dentro do nosso meio rural, nos assentamentos e nas comunidades tradicionais”, refletiu Alcione.
Entre os apoiadores do seminário, que aconteceu no dia 28 abril, construído pela Justiça nos Trilhos, estiveram em parceria o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) do Maranhão, o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR), a Casa Familiar Rural de Açailândia e a Paróquia Santa Luzia.
A monocultura causa desemprego no campo
Entre os principais problemas vividos pela população do campo maranhense está a mineração, a pulverização aérea de agrotóxicos e a monocultura de soja. Os assentamentos João do Vale, Francisco Romão, Planalto I e o acampamento Agroplanalto, vivem um acirramento de conflitos por conta dos empreendimentos industriais no Estado.
“A prova mais fácil de entender que a monocultura causa desemprego é você visitar um assentamento antes e depois da chegada da soja. Muitas famílias vão embora, não tem mais o que fazer lá, não tem mais a terra e não tem emprego. Então, diminuindo o número de famílias, diminui o número de crianças e as opções de educação para o povo”, explica Xóan Carlos.
Segundo dados do Projeto Mapbiomas e da Companhia Nacional de Abastecimento, o monocultivo de soja no Cerrado, em 2021, chegou a ocupar 52% da área plantada em todo o país. De acordo com dados da Embrapa, em 2016, o bioma Cerrado ocupava 64% do Estado do Maranhão. Já do consumo de agrotóxicos nesse cultivo, do total utilizado no Brasil, mais de 60% se destina à soja.
Durante a mesa redonda, composta pelo engenheiro agrônomo Xóan Carlos (Justiça nos Trilhos), a pedagoga Vânia Ferreira (MST) e Adriana Oliveira (STTR), também foram traçadas estratégias para as lutas das pessoas do campo.
À esquerda, Adriana Oliveira (STTR), ao centro, Xóan Carlos (JnT) e à direita, Vânia Ferreira (MST). Foto: Yanna Duarte
“Nós ainda temos terras públicas na região norte do país, na região amazônica. Como fazer com que essas terras públicas sejam áreas de preservação para assentamentos agroextrativistas? Com comunidades que já moram nessas regiões. Aí com a regularização fundiária da terra legal, ao invés de fazer assentamentos, cedem as terras para o agronegócio avançar. Fazendas que possuem dívidas com o banco e casos de trabalho análogo a escravidão, crime ambiental e grilagens”, pontuou Vânia.
Vereadores de Açailândia ignoram demandas dos trabalhadores do campo
As discussões construídas no seminário ficaram de fora dos temas considerados importantes pelos vereadores do município. Dos 17 vereadores, apenas um, Denes Pereira (PT), compareceu à agenda de debates organizada pela sociedade civil, organizações e movimentos sociais.
“É claro que o sentimento é de indignação, mas nós estamos buscando apenas um dos instrumentos de luta que são os meios legais. Nós estamos aqui, na Câmara dos vereadores, depois ninguém pode dizer que a sociedade, as comunidades e os trabalhadores não se organizaram e não buscaram discutir esses temas”, afirmou o educador popular da Justiça nos Trilhos, Alaíde Abreu.
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