Confira a versão online do relatório sobre Direitos Humanos e Empresas com foco nos impactos sobre a água e as mulheres
O relatório é resultado de uma pesquisa sobre os impactos da mineração a partir de narrativas de mulheres e homens de comunidades cortadas pela Estrada de Ferro Carajás (EFC).
Nesta sexta-feira (13), a Justiça nos Trilhos (JnT) por meio da Campanha Água Para os Povos, disponibiliza a versão online do relatório “Direitos Humanos e Empresas: a Vale S.A. e as estratégias de dominação, violações e conflitos envolvendo territórios, água, raça e gênero” em suas plataformas.
O estudo faz parte do projeto “Empresas Transnacionais e Princípios Orientadores: em busca de mecanismos efetivos para a proteção de direitos humanos na América Latina”, uma parceria formada por Justiça nos Trilhos (Brasil), Bienaventurados Los Pobres (Argentina), CooperAcción (Perú), Piensamiento e Accción Social (Colômbia) e Cospe (Itália), com cofinanciamento da União Europeia.
O lançamento oficial do relatório foi realizado em Açailândia (MA) no dia 06 de março. A ação fazia parte da programação de semana da mulher, uma parceria entre a JnT e o Centro de Defesa da Vida e do Direitos Humanos Carmen Bascarán. Estiveram presentes mulheres de Piquiá de Baixo e comunidades rurais açailandenses.
O grupo de dança afro Afixirê abriu o evento com a apresentação de Dona, performance que trata sobre a violência contra a mulher. A mesa de lançamento, composto apenas por mulheres, contou com a presença de Mariana Lucena (advogada e pesquisadora em Direitos Humanos, responsável pelo relatório), Larissa Santos (representante da Justiça nos Trilhos), Maria Adriana Oliveira (moradora do Assentamento Novo Oriente e membra do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Açailândia), Jordana de Oliveira (representante do Centro Espiritualista Filhos do Oriente Maior) e Lucicléia Cardoso (moradora de Piquiá de Baixo).
O relatório é resultado de uma pesquisa sobre os impactos da mineração a partir de narrativas de mulheres e homens de comunidades cortadas pela Estrada de Ferro Carajás (EFC). O estudo, que foi realizado na comunidade de Mutum II, município de Arari-MA, traz uma reflexão crítica sobre a implementação dos Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos da ONU, com atenção para os impactos provocados pela Vale S.A. no Corredor de Carajás, especialmente sobre as vidas das mulheres de comunidades tradicionais.
Segundo Joana Emmerick, que assessorou o estudo com enfoque em gênero: “esta pesquisa teve uma ousadia em buscar trazer as vivências de mulheres e uma perspectiva interseccional na análise de contextos de conflito com grandes empresas. Ousadia, porque foi necessário ‘inventar’ caminhos de pesquisa que contribuíssem a dar mais visibilidade para situações muitas vezes silenciadas, em nossas próprias organizações e movimentos”. Ela ressaltou a importância de se fazer pesquisa e de valorizar os saberes cotidianos das mulheres. “Vejo essa como uma tarefa: reconhecer que somos todas construtoras do conhecimento, pesquisadoras e que a investigação está em nosso cotidiano, em nossos territórios. E que iniciativas como esta são necessárias e possíveis para trazermos outros olhares e pensamentos que edifiquem nossas lutas contra todas as formas de opressão”.
A pesquisa evidencia problemáticas da comunidade de Mutum II, localizada na baixada maranhense, que assim como outras comunidades cortadas pela ferrovia, vivencia um longo histórico de devastação ambiental, com impactos sobre fontes de água, igarapés e rios. O estudo também enfoca impactos nem sempre visibilizados, mas vivenciados pelas mulheres: a sobrecarga de trabalho, precarização da vida e aumento da violência. “O sentimento de perda é muito forte, principalmente para as pessoas mais velhas. Antes se tinha água, se banhava nos rios, nos igarapés, mas isso tudo mudou com a chegada dos grandes empreendimentos, no lugar da água a Vale criou um verdadeiro corredor seco”, apontou Mariana Lucena.
A EFC corta mais de 100 comunidade, em 27 municípios entre os estados do Pará e Maranhão. “A insegurança é uma violência que a gente sofre no dia a dia. Eu moro na beira da linha, às vezes o trem fica parado uns três dias e a gente tem que passar por debaixo. A gente não sabe quando que ele vai sair, mas precisa passar pro outro lado”. “Eu digo para vocês que já ajudei a juntar cadáver na ferrovia”. “A única coisa que a gente quer é viver, viver na nossa terra, do nosso modo de vida. Quando a linha de ferro chegou a gente já estava lá”. “O corredor da Vale, por onde passa o trem, é um corredor da morte das comunidades”. Esses são alguns trechos do relato de Maria Adriana Oliveira, moradora do Assentamento Novo Oriente, localizado na zona rural de Açailândia.
Maria Adriana também trouxe problemáticas como a chegada do monocultivo e o uso de agrotóxicos, além da falta de assistência do poder público e de oportunidades para a juventude do campo. Lucicléia Cardoso abordou impactos na saúde dos moradores de Piquiá de Baixo, causados pelas siderúrgicas e Vale. E por fim, Jordana de Oliveira, tratou sobre a intolerância e o preconceito contra religiões de matriz africana e ciganos com enfoque nas mulheres: “Mais de 60% dos terreiros são comandados por mulheres”, “as mulheres ciganas lidam com uma série de preconceitos, dificuldade para educar os filhos, intolerância, falta de assistência”.
Confira trechos do relatório
“Não obstante a propaganda da empresa sobre sua responsabilidade social, prevalece, nesta região, uma série de graves injustiças e conflitos socioambientais. Atenta-se com ainda mais ênfase, neste trabalho, à forma como as mulheres são atingidas pelas práticas empresariais, em suas vidas e corpos. A pesquisa reflete o esforço coletivo de uma equipe de educadoras e pesquisadoras em diálogo e aprendizagem com distintas comunidades e lideranças”.
“Ao projetar histórias e percepções de mulheres e suas comunidades desde os territórios, revelando outros olhares e práticas sobre as vidas atingidas, este trabalho afirma também seus modos de ser e viver”.
“São analisadas algumas das estratégias jurídicas e institucionais propagadas pela empresa em tensão ou imbricação com o Estado. Na análise da documentação concernente ao Maranhão, por exemplo, depreende-se a prevalência da estratégia de fragmentação do licenciamento ambiental, a não consideração da Convenção 169 nos processos de tomada de decisões referentes a estes projetos de “desenvolvimento”, a criminalização e tentativas de desmoralização de lideranças e comunidades, entre outros”.
Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos da ONU
Documento apoiado sobre o tripé “proteger, respeitar e remediar” que foi aprovado pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU em 2011. Tem apenas caráter voluntário e sua aprovação foi marcada por significativas lacunas quanto à consulta e à participação popular em seu processo de elaboração. Por não ser vinculante, o documento se demonstra inábil para a diminuição das violações de direitos e para a punição de empresas transnacionais que cometem crimes.
Baixe o relatório aqui: “Direitos Humanos e Empresas: a Vale S.A. e as estratégias de dominação, violações e conflitos envolvendo territórios, água, raça e gênero”
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