Piquiá de Baixo luta!
28 de fevereiro, 2017

sábado, 18 de janeiro de 2014

“Nós lutamos contra gigantes.” “A nossa luta é por moradia digna”. Os moradores de Piquiá de Baixo (Açailândia – MA) sofrem os impactos da siderurgia e da mineração desde meados da década de 1980, mas foi nos últimos sete anos que a luta entre moradores e empresas se efetivou e garantiu resultados.

Em 2007 a Associação Comunitária dos Moradores ganhou apoio dos Missionários Combonianos, uma congregação da Igreja Católica, e do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia. A partir daí, a Associação tem participado de um conflito diário com as guseiras, responsáveis pela poluição no bairro, e com a empresa Vale S.A. que fornece a matéria prima para as siderúrgicas e escoa seu produto industrializado, tendo a concessão da Estrada de Ferro Carajás (EFC) que passa ao lado do bairro. A luta também denuncia a corresponsabilidade dos governos do Município de Açailândia e do Estado do Maranhão.

Os Missionários Combonianos formaram uma rede de articulação em busca dos direitos dos atingidos pela EFC e a problemática de Piquiá de Baixo se tornou uma das principais bandeiras de luta da rede, que ganhou o nome de Rede Justiça nos Trilhos e tem dado reconhecimento internacional para Piquiá.

Além da Rede Justiça nos Trilhos, os moradores contam com o acompanhamento e assessoria da Paróquia Santa Luzia do Piquiá, da Diocese de Imperatriz, do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) do Maranhão e do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Açailândia (STTR).

O caso de Piquiá de Baixo despertou a atenção de organizações de defesa dos direitos humanos em outros estados do Brasil e de outros países. Já foi objeto de estudo da Federação Internacional dos Direitos Humanos em parceria com as organizações Justiça Global e Rede Justiça nos Trilhos, que resultou em um relatório publicado em maio de 2011 denunciando os impactos sofridos pela comunidade.

De acordo com denúncias dos moradores e com pesquisadores que já estudaram o caso, as indústrias de ferro gusa não cumprem com as normas ambientais exigidas para a realização de suas atividades, principalmente com a Portaria nº111 da Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Maranhão. As Secretarias Estadual e Municipal de Meio Ambiente, responsáveis pelas licenças e autorizações que legitimam o pleno funcionamento das empresas, parecem não estar realizando as devidas fiscalizações e monitoramento, apesar de requisições encaminhadas pelo Ministério Público e pela Associação de Moradores, com entidades parceiras.

Desesperados pelos impactos da poluição e as condições de saúde precárias, sobretudo de crianças, gestantes e idosos, os moradores de Piquiá de Baixo em referendo realizado em 2008 decidiram por unanimidade que a solução mais eficaz seria o reassentamento para um local livre dos impactos socioambientais.

Negociações

O Ministério Público Estadual (MPE) instaurou um procedimento administrativo e, juntamente à Defensoria Pública do Estado do Maranhão, está conduzindo uma mesa de negociações visando a efetivação do reassentamento. Essa mesa inclui a participação das indústrias de ferro gusa, da Vale S.A., da Prefeitura Municipal de Açailândia e do Governo do Estado do Maranhão, além da Associação de Moradores e das entidades que a apoiam.

Com essas negociações, em maio de 2011 foi celebrado um Termo de Compromisso de Conduta (TCC) em que o município se responsabilizou para efetuar a desapropriação de um terreno no qual deverá ser construído o novo bairro. No mesmo TCC, as empresas siderúrgicas se responsabilizaram para repassar ao município o valor correspondente à indenização do proprietário do terreno, conforme avaliação realizada por perícia judicial.

Outro TCC definiu a possibilidade de contratação de uma assessoria técnica especializada, selecionada pelo MPE, para elaborar o projeto urbanístico e habitacional. A assessoria escolhida foi a Usina CTAH (Centro de Trabalhos para o Ambiente Habitado), de São Paulo. O trabalho da Usina foi custeado por uma contribuição do Sindicato das Indústrias de Ferro Gusa do Maranhão, conforme acordado no TCC, apresentado à Prefeitura de Açailândia, ao Governo do Estado do Maranhão, ao Ministério das Cidades e protocolado na Caixa Econômica Federal para aprovação.

Há, ainda, interesse e disposição do Ministério das Cidades para a inclusão do reassentamento do povoado Piquiá de Baixo no Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) financiando uma parte do projeto do bairro através do Fundo Nacional de Habitação Popular. O reassentamento não se enquadra apenas na entrega de condições mínimas de moradia a quem não tem casa, mas corresponde a uma indenização e devolução da qualidade de vida a mais de 300 famílias que tiveram seus direitos violados por mais de vinte anos.

Por isso, o projeto urbanístico e habitacional não pode corresponder simplesmente ao Programa MCMV, mas prevê complementações de financiamento para uma moradia e um lote que permitam às famílias, além do direito à moradia, a revalorização de sua vocação produtiva e o cultivo de relações comunitárias.

Uma luta ente Davi e Golias

Quem acompanha o caso de Piquiá de Baixo costuma comparar o conflito com a luta entre o gigante Golias e o jovem Davi. Davi derrubou o seu adversário com apenas uma pedra e o decapitou com a própria arma do gigante. Para muitos, o improvável aconteceu. Da mesma forma, a Associação de Moradores já garantiu resultados positivos nessa luta, desde que o reassentamento se tornou uma vontade coletiva da população.

Os moradores sempre realçam que nunca teriam desejado deixar suas terras e compreendem essa necessidade como o mal menor frente à violência dos impactos socioambientais da região. De toda forma, a luta em Piquiá é mais ampla que o reassentamento e exige a eliminação definitiva e permanente das emissões tóxicas, bem como recuperação das áreas degradadas e maior distribuição e diversificação dos empregos e da renda na região.

O caso de Piquiá de Baixo é emblemático, recebeu sinais concretos de solidariedade nacional e internacional e, se bem resolvido, poderá se tornar modelo de organização popular capaz de converter os impactos industriais, identificar responsabilidades dos poderes políticos e econômicos e construir modelos de vida e produção realmente sustentáveis e respeitosos das culturas e prioridades locais.