Planalto I quinta-feira, 19 de julho de 2018
“O meu sonho é ver essa sala de leitura funcionando.”
O dia 15 de julho de 2018 vai ficar marcado na história do Assentamento Planalto I como a data em que toda a comunidade começa a realizar o sonho de uma professora apaixonada pela leitura. Foi o dia em que os moradores inauguraram a primeira biblioteca do Assentamento, uma idealização da professora e diretora da escola que logo ganhou a adesão dos estudantes, pais e mães.
Planalto I é um assentamento rural fundado na década de 1990, localizado no município de Açailândia – MA. Atualmente cerca de 50 famílias moram nessa comunidade, vivendo principalmente do cultivo de roças e criação de animais. Na comunidade há uma escola que atende até o ensino fundamental.
A biblioteca comunitária, que foi inaugurada no último domingo (15) integra a estrutura física do prédio da escola, mas é fruto de arrecadações financeiras e trabalhos realizados pelos próprios moradores, como relatou a diretora. “Como eu sou apaixonada por leitura, eu organizei todo o pessoal da escola… Vamos construir uma sala de leitura! E como vamos fazer isso? Fazendo eventos, então a comunidade sempre participou em peso. Aqui é um trabalho conjunto da escola com a comunidade, os alunos, e a gente traçou essa meta, e fomos fazendo noite cultural, noite do hot-dog, desfile garota hot-dog 2016, 2017. E assim a gente construiu”.
A biblioteca não é grande e já está cheia de livros de todos os tipos. São doações das professoras que trabalham na escola e de várias pessoas que participaram de uma campanha realizada pela Rede Justiça nos Trilhos (JnT). “Soube por acaso sobre a biblioteca construída pela comunidade e fiquei pensando em como poderíamos contribuir com eles. Adoro livros e sei como a leitura é algo que transforma a vida da gente. Foi então que surgiu a ideia de fazer uma campanha pedindo a doação de livros. Recebemos mais de 200 materiais, entre livros, revistas e apostilas. Fiquei muito feliz e a comunidade também”, explica Idayane Ferreira, jornalista da JnT.
A biblioteca recebeu mais de 200 materiais, entre livros, revistas e apostilas. (Foto: Maju Silva)
O espaço também ganhou uma central de ar e está pronta para ser usada. “Essa é uma inauguração simbólica porque o que tá faltando é a prefeitura contratar uma pessoa para trabalhar na sala de leitura”, lamentou a professora. Mesmo com a falta de uma pessoa responsável para administrar a biblioteca, como disse a professora, o que anima estudantes e toda a comunidade é a realização de uma conquista coletiva. Fato que alegra diante de tantos outros problemas que os moradores denunciam.
A realidade dos estudantes das áreas rurais de Açailândia é precária, o ano letivo de 2018 só começou em maio e com carência e trocas frequentes de professores. Para aqueles que cursam o Ensino Médio ainda é mais difícil, pois precisam se deslocar de seus assentamentos para chegarem até a Escola. A prefeitura garante o transporte, mas segundo Raimundo Nonato são incontáveis as dificuldades. “Eu estudo o primeiro ano do Ensino Médio, no [Assentamento] Francisco Romão, aqui todos os dias o carro vem buscar a gente. Às vezes o ônibus quebra, aí as pessoas não tem condição de ir porque não tem outro transporte. Na escola tá faltando professor pra gente, a gente estava sem aula de química, sem aula de inglês, e só dois professores estavam dando aula para cobrir as outras matérias todas”.
Raimundo Nonato é conhecido como o menino do cordel e busca enfrentar as dificuldades de acesso á educação com entusiasmo, criatividade e gosto pela leitura e escrita. Durante a inauguração da biblioteca ele escreveu um cordel que agradece os parceiros envolvidos na causa e destaca o trabalho coletivo da comunidade. Na escola ele disse que tenta fazer a diferença. “Mas mesmo com a dificuldade o que a gente tem é único e a gente tem que observar isso aí. Eu e meus irmãos e amigos do Planalto I tenta fazer acontecer. Na verdade isso só depende de nós”.
Raimundo Nonato, à esquerda, é conhecido na comunidade pelos seus cordéis. (Foto: Larissa Santos)
O menino do cordel, que tem 17 anos, também relatou uma rotina de estudos que é afetada pelo barulho do trem e pelo impedimento de chegar na escola no horário da aula. “Todos os dias a gente passa pelos trilhos no caminho da escola. Tem um viaduto e tem uma encruzilhada no Francisco Romão e muitas vezes a gente fica parado, às vezes o trem fica parado e quando a gente chega na escola já é atrasado. Às vezes o professor tá falando na sala de aula e o trem tá passando e a gente quase não entende nada. Faz muito barulho na sala de aula. A gente fica tentando prestar atenção mas é difícil. Aliás, as escolas daqui são tudo perto do trem”.
O sonho da professora de ter uma biblioteca se transforma em uma possibilidade de luta e resistência contra todas as dificuldades enfrentadas pelos estudantes do Assentamento Planalto I. Durante o discurso de inauguração do espaço de leituras a professora disse que “ler é poder”, e assim toda a comunidade vai percebendo a força que a coletividade tem na construção e transformação social.
Por Larissa Santos