O governo de Moçambique prepara uma nova lei de mineração pela qual pretende que o Estado tenha maior participação nos ganhos das empresas. O país é rico em reservas de carvão, minério de ferro, ouro, cobre, diamante, urânio e gás natural. Multinacionais da Austrália, Índia e China têm investimentos bilionários no país. A brasileira Vale é uma das maiores mineradoras estrangeiras em Moçambique.
“A proposta é criar uma estrutura tributária que, se hoje não é inexistente, é fraca. A ideia é que haja uma divisão mais equânime [das riquezas minerais do país] para que o Estado possa se beneficiar”, disse ontem ao Valor o embaixador moçambicano em Brasília, Murade Murargy.
A mudança da lei, diz o governo, não terá efeito retroativo. “Apesar de haver grande pressão da sociedade civil, o governo tem sido firme em manter os contratos antigos”, disse Murargy.
Entre os 44 países da África sub-Saariana, Moçambique está no grupo dos mais pobres, com o 33º menor PIB per capita. Na visão de muitos moçambicanos, as mineradoras levam a maior parte da riqueza do subsolo do país e partilham muito pouco de seus ganhos com a sociedade.
No início dos anos 90, quando o presidente Joaquim Chissano reconciliou o país após anos de conflitos civis, seu governo deixou de lado o modelo de inspiração socialista e abraçou a economia aberta, com contratos de exploração de recursos naturais francamente favoráveis às empresas privadas estrangeiras.
Ao longo dos anos, os modelos de contratos foram agregando algumas condições, mas ainda hoje há um debate intenso, com questionamentos no país sobre os chamados megaprojetos e sobre o modelo de exploração.
A Vale, segundo o embaixador, tem feito um grande esforço investindo em hospitais, escolas e em responsabilidade social. “Outras empresas, no entanto, não têm feito esse esforço e essa revisão tem em vista isso, maiores benefícios para a sociedade”, disse.
Uma fonte da empresa consultada pelo Valor disse que “os contratos são feitos para serem respeitados. Para qualquer mudança [na lei de mineração] em Moçambique, as partes precisam estar de acordo.”
Os contornos da proposta de mudança na lei ainda não estão claros. O governo tem dito que estuda uma revisão das isenções fiscais e o aumento da taxação das empresas. Esta semana, no entanto, a ministra dos Recursos Minerais, Esperança Bias, revelou que há outro ponto em discussão: permitir que o Estado possa ter uma participação em projetos empresariais de exploração de concessões minerais. Murargy disse que não tinha todas as informações sobre o projeto, “sobretudo sobre essa parte da parceria”.
Uma autoridade do governo brasileiro que acompanha as relações entre Brasil e África, disse ontem ao Valor o seguinte: “Autoridades e empresários moçambicanos gostariam, naturalmente, de ser parceiros de uma empresa como a Vale, num empreendimento do porte da mineração de Moatize. Resta saber se o Estado ou o empresariado de Moçambique teria musculatura econômico-financeira para sustentar essa parceria.”
O setor de mineração representa atualmente cerca de 30% da economia moçambicana.
Em 2004 a Vale assinou contrato com o governo para explorar carvão em Moatize, na província de Tete. A empresa inicia este ano em escala reduzida as exportações do produto e, em 2012, espera exportar 6,3 milhões de toneladas de carvão. Inicialmente, a produção será escoado pelo porto de Beira e mais tarde pelo porto de Nacala – onde chegará através de uma linha ferroviária que será construída pela Vale e que atravessará um trecho do território do Malaui encravado em Moçambique, disse o embaixador.
A mineradora brasileira também negocia há cerca de um ano com o governo de Moçambique uma licença para explorar uma mina de fosfato em Monapo, na província de Nampula, disse o embaixador. O investimento estimado, segundo ele, é de US$ 3 bilhões a US$ 4 bilhões.
Novas regras podem afetar esse empreendimento? “Não posso vaticinar agora. Mas a lei sempre se aplica no futuro”, disse Murargy. Segundo a ministra Bias, a lei deve estar pronta no fim do ano.
O governo anunciou esta semana que começou a se reunir com representantes das mineradoras para falar sobre o projeto. Segundo a ministra Esperança Bias, Maputo não tomará nenhuma decisão sem discutir as novas condições com as empresas.
Fonte: Valor Online, por Marcos de Moura e Souza, 08 de Julho 2011