Moçambique, Canadá e Brasil denunciam conflitos provocados pela Vale
12 de janeiro, 2014

Canadenses, moçambicanos e brasileiros reuniram-se no Brasil, entre os dias 22 de novembro e 2 de dezembro, para discutirem impactos da mineradora Vale nos três paises. A comitiva contou com cerca de 30 pessoas, entre sindicalistas, membros de movimentos sociais e políticos das três nações.

As reuniões iniciaram em Gararema, interior de São Paulo, na Escola Nacional Florestan Fernandes, alcançando em seguida São Luis, com desfecho no interior do Maranhão.

“No começo dedicamos mais tempo às reuniões, à analise de conjuntura entre os movimentos presentes”, relata o moçambicano Fabião Bernardo Manhiça, presidente do Sindicato Nacional da Indústria de Construção Civil, Madeira e Minas de Moçambique – SINTICIM.

Na capital maranhense, o grupo visitou o complexo do Porto de Itaqui, onde é escoado para outros países o minério de Carajás, com navios capacitados para carregar até 400 mil toneladas do produto (três vezes mais que as 160 mil carregadas pelas embarcações comuns).

A mineradora investiu US$ 2,35 bilhões numa frota de 19 cargueiros, os maiores do mundo, visando o mercado asiático, sobretudo a China. No entanto, a Associação de Proprietários de Navios da China – COSCO (China Ocean Shipping Company) boicotou a Vale.

“A Vale está tentando controlar o mercado de frete, assim como fez com o preço do minério de ferro”, disse à revista Bloomberg o vice-presidente da COSCO, Zhang Shouguo, em entrevista concedia em agosto.

Acostumada a burlar as regras ambientais, principalmente no Brasil, na China a mineradora enfrentará outros entraves: no país asiático não é permitido que nenhum porto do país receba navios com mais de 300 mil toneladas, por questões de segurança ambiental.

Espanto
De São Luis, os membros do encontro trinacional (Moçambique, Canadá, Brasil) embarcaram no trem de passageiros que faz o trajeto da Estrada de Ferro de Carajás, tendo como destino a cidade de Açailândia, no sul maranhense.

Trata-se de um município emblemático quanto aos impactos da cadeia de produção do aço. “Açailândia condensa em uma só área graves problemas que comprometem o bem estar da população: mineração, desflorestamento, monocultura de eucalipto, poluição provocada por siderúrgicas e carvoarias, trabalho escravo, miséria, desnutrição e exploração sexual infantil”, relata o padre Dário Bossi, um dos coordenadores da Rede Justiça nos Trilhos.

Esse cenário levou muitos visitantes ao espanto. “Realmente estou muito preocupado, assombrado, e com medo de que isso possa acontecer em Moçambique”, disse o moçambicano Manhiça ao visitar o assentamento Califórnia, cercado por uma carvoaria da Vale e vasta plantação de eucalipto, e o bairro do Piquiá, onde mais de 300 famílias sofrem com a poluição de água, solo e ar provocados pporelas cinco siderúrgicas instaladas ao lado da comunidade. O espanto do moçambicano não é exagero. Uma equipe formada pelo Centro de Referências em Doenças Infecciosas e Parasitárias da Universidade Federal do Maranhão e do Núcleo de Estudos em Medicina Tropical da Pré-Amazônia, realizou um estudo no bairro abrangendo 55% dos domicílios com moradores presentes no momento da visita. 

Segundo o relatório das equipes, “o estado geral dos entrevistados apresenta sinais de precariedade em 13,4% dos casos, ou seja, indivíduos que manifestam falta de ar, estão acamados ou são possuidores de alguma doença degenerativa (diabetes, hipertensão arterial, doença de Parkinson ou doença cardiovascular)”.

Ainda foi constatado que as manifestações ligadas ao aparelho respiratório (tosse, falta de ar e chiado no peito) foram queixas encontradas em todas as faixas etárias, inclusive com boa intensidade em menores de 9 anos de idade, além da cefaléia, encontrada em 61,2% dos moradores, que segundo a equipe médica “é um sintoma não comum em crianças dessa idade”.

As manifestações de alergia, acometendo as vias aéreas superiores e olhos (coriza e lacrimejamento) foram encontrados em 61,2% dos pacientes. 

Outra comunidade visitada foi o povoado rural Novo Oriente, cortado pela linha férrea de Carajás. Lá a expansão da linha já começou com um grande canteiro de obras instalado no centro da comunidade, que viu da noite para o dia a chegada de centenas de homens da empresa Odebrecht, além do perigo eminente de remoção de parte das famílias. Para a canadense Lorraine Michael, líder do Novo Partido Democrático na província de Newfoundland, está evidente que “a Vale está passando por cima de comunidades, desrespeitando os povoados para duplicação da estrada de ferro no Brasil”.

A visita estendeu-se até o município de Bom Jesus das Selvas, um dos mais pobres do Maranhão. Segundo o último censo realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, mais de 50% da população do município vive com menos de setenta reais por mês. 

Assim como em Novo Oriente, numa cidade com aproximadamente 23 mil habitantes chegaram mais 3 mil homens para trabalhar na duplicação dos trilhos. 

“Em Bom Jesus das Selvas está havendo um surto de gravidez entre as adolescentes e a exploração sexual de menores está nas vista de todo mundo. É só andar de noite pelas festas e poderão ver os funcionários da Odebrecht saindo com essas meninas”, denuncia um assistente social da cidade que prefere não revelar seu nome.

Na opinião de Maria Aparecida Silva, que coordena um grupo de jovens na comunidade, “aqui a vulnerabilidade social, devida à pobreza, é muito grande; essas crianças e adolescentes saem com operários e funcionários da Odebrecht em troca de quase nada, apenas roupas novas, sandálias, ou alguns trocados”.

Minas
Minas Gerais, onde a mineradora no próximo ano completará 70 anos de exploração mineral, continua sendo o principal pólo mineral do Brasil, com cerca de 65% de extração de minério no país, sendo grande parcela também destinado para exportação.

Assim como no Maranhão, os municípios mineiros impactados pela mineração também sofrem com as investidas da empresa. “Em Mariana, a Vale esta em processo de abertura da mina ‘Delrey’, dentro da cidade, toda a população é contra, pois vão destruir a cidade”, denuncia Efraim Gomes de Moura, assessor político do Sindicato Metabase Itabira e do Sindicato dos Trabalhadores e Servidores Públicos Municipais de Itabira (Sindsepmi).

Outro projeto da mineradora pode até afetar o abastecimento de água de Belo Horizonte: “a Vale pretende explorar a extração de minério na Serra da Gandarela, que é rica em fauna e flora e abastece hoje parte da água de BH”, diz Moura.

Já a cidade de Itabira, que teve a primeira mina aberta pela Vale em 1942, no meio da cidade “sofre com poeira e abastecimento precário de água;tornou-se uma cidade mono industrial, pois a escassez da água impossibilita outra atividade que não seja a mineração”, protesta Moura. 

O sindicalista relata que na cidade de Congonhas, a comunidade do Pires “precisa ser abastecida todo dia com um caminhão enchendo as caixas das casas e entregando garrafas de água mineral, além da comunidade estar as margens da BR 040 que liga o Rio de Janeiro a Belo Horizonte. O tráfego de muitas carretas carregadas de minério atropela muitas pessoas; são constantes as mortes de crianças, idosos, mulheres e homens”, conclui.

Os três países
Moçambicanos, canadenses e brasileiros reconhecem que os impactos nas comunidades são os mesmos, no entanto, os estágios da mineração ganham contornos diferentes nas três nações. “No Canadá a mineração é algo que já está consolidado”, diz a sindicalista Judith Marshall. Por isso as relações com a Vale no país são um pouco diferentes: “Não sei se a Vale realizaria com toda a facilidade que está tendo no Brasil suas obras de expansão da mineração no Canadá… sem levar em conta as condicionais ambientais e sociais. O governo canadense é mais rígido, sobretudo com questões ambientais”, pensa a canadense Lorraine Michael.

Nesse quadro de impactos, inserem-se os investimentos da empresa: a Vale tem lançado um plano de investimento no inicio de 2011 que poderá ultrapassar dez milhões de dólares em cinco anos para elevar em cem mil toneladas anuais sua produção de cobre em solo canadense.

Na região norte e nordeste do Brasil está sendo construído um “segundo Grande Programa de Carajás”, com a duplicação da estrada de ferro, a possível abertura da nova mina S11D na floresta Nacional de Carajás e o escoamento de 220 milhões de toneladas de minério por ano. Estima-se um investimento de R$ 19,9 bilhões. 

Em Minas Gerais, no mais recente projeto da empresa para expandir a mineração no município de Congonhas, a Vale estaria desembolsando 12 milhões de dólares, investimento que poderia acabar com a Serra dos Mascates, tombada por ser patrimônio histórico. 
“Grande parte desses recursos são públicos, advindos do PAC e BNDES”, lembra Moura.

Entre todos, porém, o Moçambique estaria sendo o território mais cobiçado pela Vale. Recentemente a mineradora adquiriu 51% das ações da Sociedade de Desenvolvimento do Corredor do Norte S.A. Uma conexão ferroviária de 912 quilômetros entre o interior de Moçambique e o porto de Nacala, no mesmo país.

A aquisição é estratégica, na visão do sindicalista moçambicano Manhiça, “pois possibilita à empresa uma alternativa de transporte para enviar a produção do cobre para outros mercados pelo oceano, assim como também para transportar outras cargas do eixo Zambia-Malawií-Moçambique”.
O corredor logístico de Nacala receberá investimentos de US$ 4,444 bilhões.

Segundo o sindicalista, o distrito moçambicano de Tete será um dos mais impactados: “hoje a mineração lá é em pequena escala, mas o projeto greenfield de carvão que foi finalizado recentemente pela Vale (passará a escoar de 6 para 11 milhões de toneladas, com perspectiva de duplicação de 22 milhões de toneladas”, relata Manhiça.

Embora a Vale propague seus investimentos monstruosos como forma de progresso em Moçambique, o sindicalista moçambicano alerta: “já estamos sofrendo problemas por esse processo de expansão da mineradora em nosso país, pois as pessoas estão sendo tiradas de suas terras, boas para plantio e próximas às cidades, para serem afastadas em território distantes”. 

Por Márcio Zonta, de Açailândia/MA, 03 de dezembro de 2011