Seminário em Bom Jesus das Selvas, 5 de Julho de 2008
Assessor: promotor de justiça dr. Lindon Jonson
A Campanha Justiça nos Trilhos continua sua caminhada ao encontro do povo que vive ao longo da ferrovia de Carajás. Sábado 5 de Julho é a vez de Bom Jesus das Selvas: uma semana antes houve o seminário em Buriticupu, com a preciosa assessoria do juiz Douglas de Melo Martins. Algumas pessoas de Buriticupu se fazem presentes também em Bom Jesus: percebe-se a vontade de conhecer mais os próprios direitos e de se confrontar com um grupo de juízes, advogados e promotores que finalmente está se colocando ao lado dos mais pobres. O assessor para o encontro em Bom Jesus é o promotor Lindon Jonson, experto em temáticas sobre o meio-ambiente. Infelizmente, a promotora da comarca local não pode se fazer presente ao evento. Estão, porém, representantes do Sindicato local, da Paróquia, do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos, do Conselho Tutelar, a Secretária de Educação do Município e um assessor técnico do Município, de origem bélgica, autor do livro “Carajás: usinas e favelas”, de 1988.
Também participam do seminário jovens pesquisadores vindo de Açailândia e São Luís, em função de uma pesquisa sócio-econômica sobre a situação do povo ao longo dos trilhos e a Vale.
O promotor abre sua reflexão acenando ao equilíbrio do meio-ambiente como um direito de cada um e de todos, conforme o artigo 225 da Constituição federal. Para qualificar mais esse direito, em Fevereiro de 1998 foi promulgada a Lei de Crimes Ambientais, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. O parágrafo 2 do artigo 225 da Constituição reza assim: “Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei”. Esse acordo com o órgão público competente é chamado ‘licenciamento’.
O parágrafo 3 especifica que, em caso de ações lesivas ao meio ambiente, haverá sanções penais e administrativas, além da obrigação de reparar os danos causados.
O artigo 176 da Constituição é ainda mais clar em relação à atividade extrativa: “As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra”.
Em outras plavras, o minério é um bem público: o subsolo é indipendente da propriedade de superfície. A empresa que extrai o minério pode atuar por concessão do poder público.
A partir desse princípio básico, há alguns outros princípios derivados:
– responsabilidade ambiental é sempre objetiva. Em concreto, fazendo um exemplo, se houver um dano de natureza ambiental causado pela Vale, a responsabilidade é dela, quaisquer sejam suas desculpas ou alegações.
– princípio do ‘poluidor-pagador’: quem fizer um dano ambiental, deve indenizar e compensar. Indenizar é pagar o dano às pessoas que subiram prejuízo. Compensar é recuperar o ambiente que foi estragado. Por exemplo, quando a Petrobras em 2000 vazou 1.292 toneladas de óleo na Bahia de Guanabara (RJ), foi obrigada a trabalhar para a recuperação e limpeza do lugar (isso pode acontecer diretamente ou transferindo recursos a entidades atuantes na área de meio-ambiente).
– princípio de equidade (fixado desde o tempo dos antigos romanos): aquele que lucra com uma atividade deve assumir as consequências que essa atividade provoca.
– fim social da propriedade: qualquer atividade deve procurar algum ganho para a comunidade onde ela se situa. Quanto maior o lucro, tanto maior deve ser o dividendo para a sociedade. A partir de todos esses princípios, o promotor Lindon Jonson dialoga com o público a respeito dos instrumentos de controle sobre as violações contra o meio ambiente. Também começa a fazer referências diretas aos empreendimentos da Vale.
O licenciamento ambiental è emitido por um órgão público licenciador: inicialmente o Estado e depois o Ibama. Realiza-se um compromisso em relação aos danos ambientais previstos, estuda-se uma maneira de saneá-los e estabelecem-se as compensações necessárias. Para isso realiza-se um Estudo de Impacto Ambiental (EIA-RIMA).
Dependendo do nível de impacto ambiental há diferentes opções: – se for um impacto pequeno, realiza-se um edital comunicando ao público o projeto da empresa. Se não houver reações, o órgão público libera o empreendimento.
– no caso de empreendimentos complexos, há um processo de licenciamento. São necessárias audiências publicas, em que o empreendedor deve comunicar à comunidade o tipo de dano e de reparação que entende realizar (o direito ambiental prevê o princípio da participação popular). O órgão público emite uma licença final que autoriza o empreendimento, com uma série de exigências a serem cumpridas pelo empreendedor. A comunidade tem o direito de cobrar essas audiências públicas e deve conferir que os termos do licenciamento sejam efetivamente cumpridos.
O conselho do promotor Lindon Jonson è não deixar que a Vale trate as compensações diretamente com cada pequena comunidade: geralmente os grupos dos pequenos núcleos habitacionais são fragilizados, ás vezes pouco organizados e facilmente manipuláveis. As pessoas conhecem pouco a respeito das obrigações ambientais da empresa e também não fazem idéia da proporção dos recursos da mesma. Às vezes são oferecidas pela empresa vantagens fantasiosas, que não se concretizam, ou se concretizam de forma insuficiente.
Precisa, ao contrário, reforçar a organização dos movimentos, para dimensionar os problemas em sua totalidade e realizar assim uma negociação mais justa.
A Secretária de Educação do Município concorda com essas posições e apóia os objetivos de “Justiça nos Trilhos”, para que se continue a estudar, buscar o diálogo e cobrar nossos direitos em relação à Vale. Também aprecia a iniciativa de um estudo autônomo da situação sócio-econômica da região, existindo a suspeita que outros estudos entendam maquiar a situação e esconder os problemas mais graves.
Seguem comentários de outras pessoas no público: destacam-se algumas perguntas de sindicalistas locais, interessados a verificar como unir os três Municípios da região (Bom Jesus, Buriticupu e Alto Alegre) para realizar uma reserva extrativista e forçar a Vale a apoiar essa iniciativa. A reserva garantiria a sobrevivência dos moradores locais e a interrupção da grilagem, que ainda continua na impunidade.
O promotor aconselha a luta em função de uma Unidade de Conservação. O artigo 36 da Lei das Unidades de Conservação (9985/00) diz que nos casos de licenciamento ambiental com significativo impacto ambiental, o empreendedor é obrigado a apoiar a implementação de uma unidade de conservação ambiental.
Portanto, a partir por exemplo do licenciamento para a duplicação da estrada de ferro, um ou mais municípios da região poderiam criar por decreto uma Unidade de Conservação na região.
Mais uma intervenção chega em defesa da Vale, alegando o perigo de ‘demonizar’ a empresa e responsabilizá-la por todos os problemas da região. Realmente, o Programa Grande Carajás em seu início tinha o objetivo do desenvolvimento desse grande território. Há graves responsabilidades políticas e administrativas ainda antes daquelas da Vale. Defende-se a importância de termos uma ferrovia no corredor de Carajás, instrumento precioso de escoamento dos produtos rumo ao porto e passo relevante rumo à necessária industrialização do Maranhão. Até o trem passageiros è de grande utilidade para os povoados da região (mas a coordenação da campanha lembra que o trem passageiros è uma obrigação que a Vale tem em compensação para seus empreendimentos, e não um favor que ela faz para o povo! Além disso, as condições do transporte e os enormes atrasos são ainda um dado muito grave e uma falta de respeito para com o povo).
Resgatando a história da Vale na região, há sem dúvidas muitos avanços, mas também a percepção de uma forte diminuição do diálogo com a população: inicialmente havia muito mais encontros com o povo para estabelecer, de forma participada, necessidades e prioridades.
Encerrando o encontro, que foi de formação e de articulação popular, muitos parabenizam o promotor e os colegas dele (juízes e advogados) que estão assessorando a campanha “Justiça nos Trilhos”: percebe-se uma vontade comum de organização frente à força político-econômica da Vale, para que a lei seja cumprida e se possa caminhar rumo a um consórcio intermunicipal de gestão de um renovado Fundo de Desenvolvimento para a região.
Para mais detalhes e contatos, a campanha convida todos e todas a fazer referência ao site www.justicanostrilhos.org e à coordenação local do evento (Centro de Defesa e Paróquia).