Dá para confiar na Vale?
27 de março, 2014

Roger Agnelli exerceu o mais longo mandato em toda a história de 60 anos da antiga Companhia Vale do Rio Doce. Nos seus 11 anos como presidente, a Vale inchou. Tornou-se a segunda maior mineradora do mundo e uma das companhias internacionais no topo do ranking geral.
Mas a verdade era outra: a Vale esteve bem próxima de estourar. Por megalomania ou qualquer outro motivo. Agora começou a desinflar.

Depois da maior onda de investimentos de uma empresa privada brasileira em todos os tempos, a Vale passa no momento pelo processo inverso.
Não é o mesmo fenômeno melancólico do grupo X, de Eike Batista (que, ironicamente, esteve próximo de penetrar na ex-estatal, com a ajuda dos seus padrinhos petistas). Mas é sintomático da precariedade do capitalismo nacional, que quase sempre anda com muletas estatais e esconde sua verdadeira situação da opinião pública.

Coerente com essa tradição, a atual direção da Vale procura convencer a sociedade de que a redução de tamanho é planejada e está sendo realizada sem açodamento. Mas o encolhimento da sua capacidade de gerar receita e da sua liquidez, enquanto cresce a sua dívida, mostra que essa busca por receita é mais grave e urgente do que o discurso corporativo admite.

Essa gravidade é onerada pela implantação do maior projeto da história da mineração mundial, em Serra Sul, no Pará, para a duplicação da produção de minério de ferro em Carajás, no valor de US$ 20 bilhões. Sem um aporte de novos recursos, o projeto – previsto para começar em 2015 – afetará negativamente a empresa durante os próximos anos.

Além de criar receita, a Vale terá que gastar menos e com maior austeridade, o que não faz parte da sua cultura.
O enxugamento do seu conjunto de atividades a levará a se concentrar ainda mais em minério de ferro, o que significa maior dependência de um único cliente. A China responde por 40% da receita operacional da companhia (e especificamente por 60% do minério que sai de Carajás, o melhor do mundo).

Apesar da dependência, a Vale acredita que a qualidade do minério de Carajás, sem concorrente no mercado, será fundamental para proteger a companhia das ondas que se avizinham. Para se assegurar o acesso a essa fonte diferenciada de matéria prima, a China estaria disposta a praticar preços melhores do que os que se permite a pagar a outros vendedores.

O panorama imediato estaria confirmando a acertada diretriz dos atuais dirigentes da Vale. No terceiro trimestre deste ano, o lucro líquido da companhia cresceu 140% em relação ao mesmo período de 2012, chegando a quase R$ 8 bilhões. As exportações de minério tiveram o terceiro maior volume da história. Apesar desses resultados, porém, a tendência não é de volta a uma fase de abundância, como antes.

O presidente da Vale, Murilo Ferreira, anunciou a intenção de passar em frente oito empreendimentos da companhia até o final do próximo ano. O alvo são as produções de alumínio, bauxita e cobre. Todo o polo de alumínio e alumina foi desnacionalizado de vez, por um golpe de mão da Vale. A desnacionalização se estenderá a uma das maiores produtoras mundiais de bauxita.

No caso do transporte do minério, o ziguezague adotado pela Vale nos últimos anos tem sido um desastre para o Brasil. Primeiro a empresa, quando estatal, criou uma subsidiária especialmente para essa tarefa. Quando já era a maior empresa do mundo em transporte de minério, a Docenave foi sabotada internamente e desapareceu. Sua enorme frota de cargueiros foi vendida a preço de banana. Recentemente a Vale decidiu reequipar a Docenave. Mandou construir – na Coréia e na China – a maior de todas as frotas de graneleiros de grande tonelagem, de 400 mil toneladas.

As encomendas ainda não haviam sido integralmente entregues e tudo mudou de novo, em função do poder chinês. Por pressão dos seus armadores, a China decidiu impedir que os supernavios atracassem nos seus portos, alegando preocupações com a segurança.

A Vale passou então a contratar armadores chineses para as operações dos seus navios no país, depois de ter tentado inicialmente se manter à frente do serviço. Seria a forma de forçar a entrada dos navios no país, mas o contrato não prevê essa condição. A exigência em vigor, proibindo a entrada de navios acima de 350 mil toneladas. poderá ser atenuada ou mantida mesmo com um armador chinês à frente dos negócios.

O golpe foi suficiente para que a Vale reformulasse seu plano de voltar a ter frota integralmente própria. Agora a companhia está atrás de uma composição mista para a sua ainda enorme frota de 35 navios. Se puder, passará em frente todos eles.

Arrendar ou não esses monstros de aço dos mares passaria a depender de um cálculo financeiro quanto à sua lucratividade. O que estaria em questão para a Vale nesta equação seria conseguir vender os navios e contratar os fretes por preços mais baixos do que ela mesma faria.

Mas o que significaria para o Brasil perder completamente o controle sobre fretes que podem ser ainda mais rentáveis do que a própria venda do minério? O Brasil, que avançou na industrialização do minério, marcará passo ou regredirá para atender as conveniências dos grandes compradores, em particular, dos chineses. A pretexto de incrementar o comércio exterior, estagnará na venda de commodities. Imagina que, apesar de tudo isso, contará com uma forte empresa nacional na qual poderá se sustentar.

Mas a multinacional Vale é mesmo uma empresa nacional?

Por Lúcio Flávio Pinto | Cartas da Amazônia – 25 de novembro de 2013